
Só que tem um porém nisso: pelo que todo mundo sabe, medidas como essa são apenas para locais que estão em guerra, portanto, restringir a liberdade de um indivíduo, partindo do pressuposto de que ele pode cometer uma infração, é uma arbitrariedade e atenta contra a Constituição que prevê a liberdade de ir e vir a todos os cidadãos. Além do mais, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece no seu artigo 106 a privação de liberdade somente ao adolescente que for flagrado no ato da infração. A partir de agora, sem a companhia dos pais, crianças e adolescentes da até 14 anos só poderão ficar nas ruas e em locais públicos até às 20h 30. Os jovens entre 14 e 16 anos terão que se recolher até as 22 horas e os que tiverem entre 16 e 17 anos terão que voltar para a casa até as 23 horas.Rapidamente outras cidades como Itapura e Mirassol no estado de São Paulo adotaram a medida e tantas outras começaram a debater sua implementação. A medida que visa reprimir os jovens caçando o seu direito de ir e vir foi adotada pelo juiz da Vara da Infância e da Juventude de Ilha Solteira Fernando Antônio de Lima. Somente pelo fato de um juiz legislar já fere o próprio princípio de funcionamento democrático do estado. A medida que foi implementada primeiramente em Fernadópolis, outro município do interior de São Paulo, no ano de 2005 é inconstitucional, uma vez que fere o artigo 5º, inciso XV da Constituição Federal, que diz: “É livre a locomoção no território nacional em tempos de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.” Para atacar a juventude, eles passam inclusive por cima de suas próprias leis. A desculpa, como em outros casos, é uma suposta defesa do jovem e uma medida contra a violência. Um grande cinismo que pode ser constatado com qualquer observação sobre o estado das escolas públicas que a juventude freqüenta, por exemplo. Por detrás da retirada de mais este direito democrático da população o que os governos e a burguesia querem, na verdade, é criar cada vez mais um verdadeiro estado de sítio para impedir a livre manifestação da população contra estes governos. A própria crise capitalista que atinge em cheio o País e tem na juventude um dos setores mais atacados, tende a colocar este setor frontalmente contra o governo. A pequena cidade de Ilha Solteira, localizada no Noroeste do estado de São Paulo, está se tornando um verdadeiro laboratório de experiências para as medidas repressivas contra a juventude. Foi a partir da medida de Ilha Solteira que se espalhou por várias outras cidades a lei do toque de recolher, e é nesta cidade onde está sendo feita o maior número de prisões de jovens pela polícia por freqüentarem locais públicos depois do horário estipulado pela medida.Agora, o mesmo juiz que instituiu a lei do toque de recolher proibiu, também por meio de uma decisão judicial, que jovens menores de 16 anos freqüentem lan houses no município. A ordem determina ainda que jovens com menos de 16 anos completos não podem freqüentar lan houses em nenhum horário, nem mesmo durante o dia, nem mesmo acompanhado dos pais.
O prefeito da cidade, Edson Gomes (PP), assim que saiu a decisão, tratou de manifestar seu apoio irrestrito a ela. O mesmo fez diversos órgãos de imprensa que trataram de apontar cinicamente mais esta medida repressiva como um exemplo que deveria ser adotado em outras cidades brasileiras. É preciso denunciar esta ofensiva contra a juventude como sendo mais uma tentativa da direita e da burguesia em atacar toda a população, retirando seus direitos mais fundamentais. Portanto, essa medida é totalmente inconstitucional.
É um imenso equívoco responsabilizar o adolescente pela incompetência do Estado brasileiro na garantia dos seus direitos fundamentais. Não existe uma propensão natural da juventude ao crime. A questão está na situação degradante a qual a maior parte dos infratores é submetida ao longo de sua vida: miséria material e espiritual, ambientes insalubres, acesso aos serviços básicos de baixa qualidade como educação e saúde e presença constante da criminalidade. Nessas condições, a surpresa são aqueles que escapam da vida do crime.Até agora, ouvimos somente o Conselho Tutelar de Bauru se pronunciar contra, pelo que está de parabéns, mas até o presente momento, não se ouviu a Secretaria Municipal do Bem-Estar Social (Sebes), bem como as demais entidade desse segmento, dar a sua opinião nessa questão. A LOAS (Lei Orgãnica da Assistência Social) diz no seu Art. 2º que “A assistência social tem por objetivos:I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;(...)”, ao mesmo tempo em que a Lei Orgãnica do Município de Bauru diz no seu Art. 2º que “ Constituem objetivos fundamentais do Município de Bauru: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento municipal; III - erradicar a pobreza, a marginalização e reduzir as desigualdades sociais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, religião, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.(...)”, portanto, respeitosamente, afirmo aqui que o gestor de tal órgão municipal (a juventude e a infãncia de Bauru estão contando com você, Darlene Tendolo, não tenha medo) e o prefeito municipal, (coragem, prefeito Rodrigo! Você assumiu esse compromisso quando se elegeu!) deveriam chegar na imprensa e dizerem o seguinte( segue aqui uma dica): “Tal ação é incompatível com o tempo de democracia vivenciado em nosso país e fere a dignidade e o direito constitucional destes cidadãos e cidadãs em desenvolvimento. Quero afirmar que sou contra a política do toque de recolher e faço coro a resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) que apresenta as infrações constitucionais do toque de recolher em relação aos artigos 5 e 227 da Constituição Federal e os artigos 5, 15, 16, 106, 203 e 232 do ECA” (não corre não, vereador Roque!).Traduzindo, deveriam dizer o seguinte: tal atitude é uma verdadeira baixaria! A cidade toda está perguntando: “E agora, Mister M?” Isso aqui não é ataque, é apenas um chamado na responsa!
O toque de recolher nada mais é que uma medida paliativa e ilusória que busca tirar de foco as responsabilidades da família, da sociedade e do Estado no que diz respeito à garantia dos direitos das crianças, adolescentes e jovens. Trata-se de uma inversão de ordem, onde ao invés de garantir os direitos, retira-os para reduzir os efeitos da sua não efetivação, ou seja, uma medida acomodada do poder público que não enfrenta de frente os problemas relacionados a violência, ao trafico de drogas e a ausência de políticas públicas de juventude. Trata-se da falência do poder público local, que não consegue cumprir com a legislação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), não consegue garantir resultados e se rende frente ao avanço do trafico de drogas e ao aumento da violência, buscando retirar seus cidadãos das ruas para que não se deparem com os problemas que não conseguiram resolver. O máximo que o toque de recolher consegue externar para a sociedade é a sua concepção de juventude como etapa problemática da vida humana, ferindo o preceito constitucional que os define como sujeito de direitos. E mais, acaba esteriotipando este segmento, cujo fruto é a criminalização dos jovens, transformando todos em suspeitos de ação criminosa, principalmente os pobres e negros.
Não podemos restringir o acesso dos jovens aos espaços públicos e sim tornar saudável esses espaços, tornando-os próprios para a convivência comunitária livre de toda e qualquer mazela social contemporânea. Mais uma vez afirmo que isso é responsabilidade do Estado. Não podemos punir as crianças, os adolescentes e os jovens pela omissão histórica de nossos representantes na efetivação dos seus direitos, ainda mais sendo cruel ao ponto de dizer que é para o bem de todos, lembrando a política de segurança nacional dos anos de chumbo.
Que tal jogarmos na tranca dura, lá no Cadeião, ou mesmo em qualquer penitenciária, chamar a cana dura, discar 190 para os gestores que não efetivam os direitos dos jovens e não garantem as medidas previstas aos adolescentes infratores prescritas no ECA?
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