1 de abril de 2013

Deus Existe - Novo Paradigma Para as Esquerdas


              
"Acredito em Deus, e especialmente em Cristo, que considero o maior revolucionário da história, e o socialismo que defenderemos na Venezuela será um socialismo cristão".

Essa é mais uma das recentes citações que o saudoso presidente venezuelano Hugo Chávez fez acerca de sua política. Solidifica-se assim, o novo caráter do socialismo latino-americano no século XXI. Porém, em muitas correntes de esquerda o preconceito se perpetua e volta àquela velha polêmica: não é a religião o ópio do povo?
            Antes de assestar o âmago da questão é importante deixar claro que socialismo e comunismo não são sinônimos de marxismo, tampouco de marxismo-leninismo. Embora estes muitas vezes se confundam, são apenas vertentes e não a totalidade do significado dessas palavras.
            Movimentos socialistas e comunistas (embora anteriores ao termo no sentido atual), com bastante repercussão, são anteriores a Marx. A origem da partilha, da divisão comum da propriedade (comunismo), está intrinsecamente ligada à religião. Inclusive, durante o século XVII, os grupos mais radicais da Inglaterra, utilizaram as escrituras bíblicas para fazer a Revolução.
            Claro que isso não significa dizer que os teístas são obrigatoriamente revolucionários. Todos já ouviram falar, de alguma forma, dos caminhos nefastos percorridos por diversas instituições religiosas. Porém, existe um abismo entre a prática religiosa vinda das elites e as suas origens populares.
            Não se precisa ser nenhum exegeta bíblico para observar que os evangelhos de Mateus, Lucas, Marcos e João dão espaço fundamental ao relacionamento com os excluídos. Deus, enquanto homem (e não um poder mágico que vem dos céus), é aquele que cura e liberta. As escrituras bíblicas apontam que Jesus acompanhava e era solidário aos mais abandonados da sociedade de sua época: cegos, mudos, surdos, prostitutas e, até mesmo, leprosos (é importantíssimo citar que estes eram obrigatoriamente isolados na sociedade antiga, sendo proibido qualquer tipo de contato com eles). Ao mesmo tempo, fazia críticas severas a elite, indignava-se com os doutores da lei e fariseus. Quando um jovem rico lhe dirigiu a palavra (Mt19,16-22) em busca da perfeição, Jesus falou para que partilhasse todas as riquezas com os pobres.
            Oras, se o cristianismo pode ter uma interpretação tão revolucionária assim o que levou Marx a cunhar na obra “Uma Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel” a máxima: “A religião é ópio do povo”?
É importante compreender que conforme o Evangelho foi assimilado pelas elites econômicas e políticas, ainda na antiguidade, foi esvaziado de sua conotação mais popular. A Idade Média edificou o cristianismo como forma de justificar a servidão camponesa e, através do tempo, serviu para arrefecer os breus populares diante da opressão elitista. A Bíblia só incendiaria novamente o povo, após Martin Lutero traduzi-la pela primeira vez.
Entretanto, mais uma vez, as elites econômicas adaptaram o cristianismo aos seus moldes. Figuras como Calvino utilizaram da livre interpretação para justificar os lucros, os ganhos individuais, a acumulação de capital. O povo, de novo, passou a condição de simples acessório diante das interpretações religiosas.
Foi em uma época na qual a religião atendeu predominantemente os interesses burgueses que Marx lançou sua máxima, recitada fora do contexto, a três por quatro, por papagaios-políticos. Estava pronto mais um motivo para os inúmeros rachas da esquerda. Religiosos passaram a não ser bem-vindos em diversos partidos comunistas e chegaram a sofrer perseguições.
Cria-se o impasse. Em plena era capitalista afirma-se que política e religião são incompatíveis, um prato cheio para as altas classes. Comunistas passam a ser generalizados como ateus que querem atacar qualquer costume religioso (muitos destes, por tolos que são, passam até a gostar deste rótulo), tenta-se transformar Jesus em simples curandeiro e guia espiritual, a Bíblia vira livro de auto-ajuda e os bancos das igrejas convertem-se em verdadeiros divãs.
Não se pode esconder do povo que tudo o que os seres humanos fazem está repleto de conotação política. Não existe mulher ou homem apolítico ou imparcial. Para continuar dentro da temática bíblica, pode-se citar como grande exemplo de “imparcialidade” Pôncio Pilatos, que ao lavar as mãos, contribuiu para a condenação de Cristo. Ou seja, enquanto pessoas dentro das igrejas afirmarem que religião nada tem a ver com política continuarão sendo títeres nas mãos das elites locais. Já os militantes marxistas que se recusam a conviver com religiosos, permitem que as elites façam bom uso deles... a direita agradece.
É consenso popular, hoje em dia, que política, partido e Estado não podem ser confessionais. Várias e justas são as críticas aos pastores que se elegem não pelo bom caráter e pelo trabalho em prol do povo e sim pelos currais políticos que possuem em suas igrejas. Porém, é erro também, o confessionalismo às avessas: partidos e instituições que proíbem a entrada de membros com crenças espirituais, instalando o ateísmo como espécie de nova e totalitária “religião”. Coube a esquerda latino-americana reparar esse erro. Fidel Castro percebeu o equívoco e aboliu as regras instaladas pelo PCUS, a partir daí, fez das instituições cubanas locais de livre circulação para teístas e ateístas.
Um fato inegável em favor do cristianismo é sua resistência através do tempo, surgiu na Antiguidade e teve capacidade de adaptação até a Idade Contemporânea. A América Latina é uma das regiões mais cristãs do mundo. A espiritualidade está entranhada na cultura popular. Converte-se em um grande ato de etnocentrismo, grupos marxistas quererem mudar esses traços culturais por afirmarem que a verdade é o ateísmo.
Não só existe o que é material. Deus existe, não como um móvel, um meio de transporte, um acidente geográfico, porém como parte essencial do povo. Independente de se acreditar ou não em sua existência enquanto Deus-criador, não se deve negar, ao menos, sua existência no imaginário popular e como sustentáculo do povo nas horas difíceis e de agradecimento.
Quanto mais negam Deus, mais ele existe. A luta da esquerda carrancuda para exterminar traços da cultura popular só serve para deixá-los cada vez mais forte. Não se nega algo que não existe, se Deus é negado, logo ele existe. Alguém já viu algum movimento que nega as chironstufinas? Não, pois elas não existem nem no plano material, nem no plano das idéias, logo não são negadas. O ateísmo-político só tem servido para afastar cada vez mais o povo das lideranças políticas de esquerda.
É tão equivocado afirmar que a religião afasta da luta social que só usa esse argumento as pessoas que não têm o devido conhecimento da História ou que querem manipular a população instalando a sua opinião como a única correta. Não é a religião que tira a combatividade das pessoas, mas sim a forma como ela é pregada. Senão, como explicar a existência de: Gerrard Winstanley (líder do movimento cristão Digger), Miguel Hidalgo e José Maria Marelos (padres que lideraram a independência do México), Dietrich Bonhoeffer (teólogo protestante que tentou assassinar Hitler), Dom Oscar Romero (padre que lutou junto ao povo de El Salvador), Malcolm X (líder mulçumano e anti-racista), Luther King (pastor protestante e líder anti-racista), Camilo Torres (padre integrante do ELN colombiano), Frei Tito (frei dominicano perseguido pela Ditadura Militar), Dom Pedro Casaldáliga (grande religioso de origem catalã que dedicou sua vida às populações agrárias) etc. etc. etc. Isso para citar apenas os que têm uma ligação direta com as instituições religiosas e não os teístas de uma forma geral.
O século XX foi de aprendizado para as esquerdas. A necessidade agora é de lançar novas estratégias para o século XXI. Com o advento de lideranças como Hugo Chávez, uma esquerda mais versátil e popular será construída. O século passado, infelizmente, não foi de superação do capitalismo, mas, ao menos, tem que ter sido de superação do arcaísmo e do preconceito da esquerda.
 A maioria esmagadora da população mundial é teísta. Porém, os tipos de credos são extremamente diversificados. A democracia ocidental buscou defender a pluralidade e definiu que o Estado deve ser laico, respeitando a todos igualitariamente, independente do posicionamento religioso (embora na prática nem sempre este princípio funcione). Não foi fácil conseguir separar Estado e religião. Trabalhadores, estudantes, intelectuais sofreram perseguições ao longo de todo este processo. Sabe-se que a igualdade social, sempre foi bandeira da esquerda. Ora, muito nos surpreende então que exista uma parcela autoritária dentro da dita esquerda que afirme: o Estado deve exercer um confessionalismo às avessas, tornar-se ateu! É preciso que abramos os olhos, pois, ao nosso redor estão lobos fantasiados de ovelhas, dizem que falam em nome da liberdade, mas na verdade querem tornar-nos prisioneiros de um Estado autoritário.
            Os esquerdistas carrancudos, nada dialéticos e muito dogmáticos, não se atualizam com o passar dos anos. Preferem gritar chavões e frases de épocas passadas. Gostam de dizer: “O primeiro requisito da felicidade dos povos é a abolição da religião.”, mas estão longe de se deparar com a complexidade que é estudar o fenômeno religioso. Entregam-se ao pensamento simplista: “religião é ruim, então vamos destruí-la”, sem qualquer argumentação e reflexão própria. Ou seja, são meros parasitas, inatualizáveis, do passado.
            Enquanto vários religiosos estudam a filosofia marxista, o movimento inverso pouco acontece. Raros são os marxistas que analisam a filosofia cristã. Porém, a união entre as duas correntes ainda está em construção e já rendeu bons frutos à América Latina. Pode-se exemplificar citando o guerrilheiro urbano Carlos Marighella, o qual apoiou-se em freis dominicanos; e a guerrilha nicaragüense, que eliminou a ditadura dos Somoza graças à união entre marxistas e cristãos.
            As bases éticas de nossa sociedade, inclusive da esquerda, gostem ou não alguns militontos, são religiosas, majoritariamente cristãs. Os princípios fraternos e a opção pelos pobres se popularizaram através do cristianismo. Atuais certezas constitucionais como a punição ao homicídio e ao roubo existem, também, graças às religiões. Ou seja, religião é algo além da adoração a um ser desconhecido, ao impossível, é um conjunto de normas éticas de convívio social, de respeito ao próximo e de serviço em sociedade. Religião é um fenômeno social extremamente complexo, que visa, como aponta o origem semântica da palavra, religar o ser humano a Deus. Mas, o que é Deus?
            Para responder não interessa agora fazer uso de definições de minorias populacionais. Ou seja, não importa se os bispos católicos acham que Deus é um ser barbudo sentado em um trono ou se alguns militantes acham que é mero instrumento de dominação e alienação. Interessa, para definir, o que a maioria da população pensa sobre o assunto. Toda vez que populares oram, rezam ou se referem a Deus de alguma forma definem-no como: pai, amor, poderoso, criador, companheiro, protetor, salvador, libertador. Ou seja, cada um pode ver Deus a sua forma, mas existe um consenso na mentalidade popular que Deus quer dar amor, proteção, fraternidade, além de salvar e libertar o povo. Não existe uma convicção se Deus usa roupa branca, tem voz de trovão, barba comprida, porém o senso comum aponta que ele traz o bem e o amor à população e quer ver seu povo livre de todo o mal. Quando a esquerda marxista diz que não acredita em Deus, que a religião deve acabar, o povo entende que querem pôr fim a sua chance de religar-se ao amor, à fraternidade, justamente porque os intelectuais de esquerda, na maioria das vezes, não falam nem entendem a língua da população, apenas entendem a linguagem dos meios acadêmicos.
            Incontáveis vezes a esquerda deixa a luta de classes em segundo plano para priorizar a censura ao pensamento religioso e, no mais insano dos surtos, alguns ditos marxistas perdem tempo tentando provar cientificamente a inexistência de um deus. Porém, mesmo que fosse possível provar tal inexistência isso em nada mudaria os religiosos, pois suas crenças não são movidas pelo racionalismo e sim por fé. A Bíblia define muito bem: “A fé é um modo de já possuir aquilo que se espera, é um meio de conhecer realidades que não se vêem.” (Hebreus11,1)
            Diante desta afirmação, um espanto: marxistas e cristãos possuem novamente algo em comum, a fé, negada arduamente por alguns esquerdistas. O que é o comunismo se não uma realidade que não se vê? Por mais que Marx esteja acompanhado, em muitas afirmativas, pelo embasamento científico, sua esquemática de superação do capitalismo, nada mais é do que filosofia e, por que não, fé? Para que o comunismo de Marx torne-se uma ciência lhe falta existir, concretizar-se e, até hoje, nenhuma sociedade atingiu tal estágio de desenvolvimento.
            Se o problema não é Deus, não é a fé, quem a esquerda vai culpar pela alienação dos religiosos? Claro, a Igreja!
            A igreja enquanto instituição tem se mostrado através do tempo como um instrumento realmente conservador, porém sabe-se que desde a Idade Média esta tem perdido espaço no governo e, atualmente, está bastante fragmentada. Porém, existe outro conceito de igreja. Segundo a Bíblia somos nós o templo do Espírito, ou seja, os homens não precisam seguir a ditadura das instituições. Igreja é qualquer local onde existam pessoas seguindo os caminhos de Cristo, ora reunidas em uma casa, ora nas ruas ou em um movimento social. O que se incutiu na população foi uma interpretação equivocada do termo, a qual sustenta muitas empresas altamente lucrativas, mascaradas de templos de Deus.
            Porém, interpreta-se a história de forma equivocada se vitimizamos sempre os que seguem e sustentam as mega-instituições religiosas. As pessoas têm certas liberdades de ir e vir, além disso, atualmente, podem escolher entre milhares de igrejas que existem. Ou seja, se acharmos que todos estão na igreja porque são alienados, tiramos o papel dos seres humanos de sujeitos históricos. Muitas pessoas estão nas igrejas porque acham proveitoso e recebem o que esperam, independente de isso ser bom ou ruim para a sociedade como um todo.
            É interessante observar que os capitalistas têm a capacidade incrível de absorver de tudo, desde imagens do Che Guevara, até o discurso e as instituições religiosas. Enquanto isso, muitos militantes marxistas preferem transformar as obras de Marx em uma nova Bíblia.  
Um exemplo de capitalista que tem tirado proveito na adaptação do discurso religioso é James Hunter, autor do best-seller O Monge e o Executivo. Nele, Hunter propõe uma nova organização das empresas, baseada no serviço cristão. Ou seja, os patrões deveriam atender certas necessidades dos empregados para serem bem servidos por estes. Isso nada mais é do que uma negação da luta entre capital e trabalho e banalização do serviço cristão. Hunter afirma que o patrão deve servir como Cristo para alcançar a retribuição do funcionário. Se isso não ocorrer o funcionário deve se dirigir a outra empresa em busca de melhores condições. O livro mostra um total desconhecimento da realidade dos países vítimas do neoliberalismo e mesmo da periferia dos Estados Unidos da América. O sucesso de empresas como o Mcdonald’s está longe de seguir esta fórmula. Além disso, o autor distorce os padrões evangélicos, como se Cristo tivesse vindo para realizar serviços de qualquer tipo a qualquer um. Perguntemos: Cristo passava o dia realizando milagres para o imperador Romano buscando uma boa convivência social? Passava o dia transformando água em vinho para os fariseus obterem um maior lucro nas feiras? Não, cristo veio para servir os pequenos sem que isso beneficiasse as camadas dominantes da população, essa é a filosofia cristã distorcida pelo best-seller. A vivência da luta junto aos excluídos converte-se em uma luta junto ao empresariado, dando apenas certos benefícios ao povo.
Os marxistas possuem suas verdades. Os cristãos também. Não existem verdades mais verdadeiras, nem melhores, nem piores. O que existem são diferentes pontos de vista, diferentes interpretações dos fatos e da sociedade. Ambos possuem verdades em comum: a destruição do capital como ídolo, uma sociedade fraterna, o fim da exploração do homem pelo homem, a construção de um mundo de paz. A união entre os dois grupos pode ser conseguida desde que o etnocentrismo vigente nos dois campos fique de lado para seguir por um caminho comum que leva a um novo mundo possível.



3 comentários:

Mafuá do HPA disse...
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Anônimo disse...
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Unknown disse...

o que não se pode fazer é esperar ajuda divina, se não fizermos por nós mesmos não tem quem o faça.