21 de novembro de 2011

Casa dos Conselhos: Não Vai Prestar!

A eleição para a formação do novo mandato para o Conselho da Condição Feminina em Bauru, cujo pleito foi encerrado no dia 18/11 à noite, tem como um dos principais ingredientes de mobilização política a atração de representantes de diferentes partidos. Independentemente do resultado da composição dos 11 novos titulares que foram anunciados no sábado, a eleição do novo conselho trouxe como ingrediente a conjunção de militantes de diferentes tendências pela mesma causa, a defesa e o desenvolvimento da mulher.

Entre os 59 inscritos para compor as 11 vagas titulares, além de igual número de suplentes, estão filiados de legendas como PT, PMDB, PSB, PR, PSC e PMDB. A lista também identificar o grupo que procurou maior mobilização em torno da eleição, onde estão incluídas mulheres que já militam no segmento já anos e participantes da atual Casa dos Conselhos, com vínculo junto ao governo municipal. O mandato para o novo conselho é de dois anos.

Mas a formação do conselho, ou pelo menos das inscritas, também conta com profissionais de segmentos diversos, como médicas, servidoras, advogadas, comerciárias e domésticas, além de profissionais com inserção em segmentos com representatividade social, como integrantes vindos de outros conselhos municipais (como da Educação e Saúde), sindicatos e OAB, por exemplo. Até o final da tarde de ontem, mais de 330 pessoas já haviam comparecido na Casa dos Conselhos, no Altos da Cidade, para escolher os nomes preferidos. O escrutínio da lista dos mais votados prosseguiu até a noite de ontem. 

Agora cabe a nós  do Boteco do Valente, colocar algumas questões aqui:a maioria das escolhas de conselheiros para compor os Conselhos Municipais ocorre de forma tranqüila, sem grandes turbulências. Nelas as pessoas se predispõem a participar e doar o seu quinhão, contribuindo com seu conhecimento, experiência e sapiência para a construção de uma cidade mais saudável. Tudo evidenciava algo com a mesma tranqüilidade na que ocorreria na última sexta, 18/11, para o Conselho da Condição Feminina de Bauru, um dos poucos com eleição direta, com participação da comunidade bauruense. 

Ali, até hoje, abnegadas mulheres se revezavam num trabalho pela causa feminina (como muitas continuam fazendo até hoje)  e não se via o uso de máquina política, muito menos gente chegando em massa, carros saindo e chegado a todo instante, todos com papelzinho na mão e indo votar sem saber nem no que. Mas foi o que ocorreu naquela sexta na Casa dos Conselhos, local desse pleito.

Sem muito esforço, quem estava lá constatou ser o que mais se pode repudiar no quesito eleição, ou seja, o uso de uma truculenta máquina voltada para eleger um grupo e desbancar outro. Onze conselheiras foram eleitas e dentre seus nomes, algumas que já estão em plena campanha para a vereança no próximo ano. O entendimento feito é o de que possa ocorrer no Conselho o seu uso como um QG político, uma espécie de trampolim para atividades de uso exclusivamente eleitoreiro, exatamente como já ocorre hoje com a Casa dos Conselhos  cuja lotação no dia estava totalmente esgotada,sendo que nem um galinheiro fica tão cheio desse jeito (fato que já foi denunciado e tem algo sendo investigado pela Justiça, e quando pegar, vai voar pena pra tudo quanto for lado!). E se isso de fato ocorrer, a cidade precisa tomar conhecimento disso o quanto antes e excluir essas pessoas da vida política. 

A pessoa almejar um cargo político, tudo bem, todos podem, mas começar já sendo eleitas dessa forma, arrebanhando gente e levando-as para votar em massa, distribuindo ali colinhas com seus nomes é algo abominável. Quem se predispõe a participar disso precisa ser impedido de participar de eleições e de atuar em cargos públicos, pois já começou do jeito mais errado existente.

Muitos dos presentes ali, percebendo como aquilo tudo estava servindo a alguns propósitos, entupiram de gente a Casa, e o que se ouviu algumas pessoas foi que: a Casa dos Conselhos virou a Casa da Mãe Joana e lá o que menos pode ser dado são conselhos. Para muitos ficou desaconselhável passar perto de uma antes respeitada casa. Não se  sabe como alguns Conselhos ainda conseguem fazer ali suas reuniões. Que agrupamento é aquele instalado ali? E nessa eleição carro andou de cima para baixo e até um sindicato ficou totalmente à disposição o dia inteiro. Tudo foi lidado como se fosse uma eleição daquelas acirradas entre correntes opostas de sindicato, grêmio estudantil, associação de bairro, centro acadêmico, ou coisa que o valha. Virou campo de batalha e com uma faísca tudo poderia pegar fogo. Isso tudo deve servir de alerta para o que está por vir e como sugestão inicial fica a seguinte dica: por que um vereador não pede as contas pagas de telefone daquela Casa?

 É um começo, pois a finalidade para que foi criada já não existe mais e depois outro alerta: a cidade precisa estar atenta para as eleições dos outros Conselhos, pois talvez ocorra a repetição da mesma fórmula milagrosa para se chegar aos píncaros da glória. Vale mesmo a pena fazer de tudo, apelar para o que de pior existe existe num regime dito democrático para se ganhar eleições? Alguém aí se habilita a puxar o fio dessa meada?

Essa divisão só nos torna vítimas mais fáceis da repressão. É por isso que nós, do Boteco do Valente, defendemos a UNIFICAÇÃO da gerência da Casa dos Conselhos, através de uma série de fóruns e encontros, com o objetivo de criar uma organização única, com uma coordenação formada por membros das ocupações, em que convivam todas as correntes políticas e ideológicas que atuam no movimento.

Só com uma gestão unificada poderemos debater e adotar um programa de resistência contra os ataques dos partidos e dos oportunistas que sempre querem se apossar da Casa dos Conselhos. E avançar a consciência e a organização das conselhos muicipais de nossa cidade, tornando acessível a TODOS os conselheiros municipais a consciência da necessidade de lutar contra o capitalismo, o sistema racista e machista que nos explora e acaba com as nossas condições de vida.

Sabemos que isso não é uma tarefa fácil. Existem muitas rixas antigas entre todos os grupos. Mas não temos que nos preocupar com militante A ou B, e  com  partido C ou  Y muito menos e sim com as necessidades da base. Com a pressão vinda de baixo pra cima, podemos garantir a unificação, e impedir que esses conflitos acabem dividindo a nossa luta. 

USP 10 X PM/Rodas/Alckmin 0!

Muitos estudantes da Unesp já começam a debater e se levantar em solidariedade aos 73 estudantes que foram tornados presos políticos na USP a partir da absurda repressão policial ocorrida no último dia 8, comandada pelo governador do estado Geraldo Alckmin e pelo reitor da USP, João Grandino Rodas. Na Unesp de Marília e de Rio Claro foram realizadas paralisações em repúdio à repressão policial e outros campi, como Assis, já indicam fortalecer essa mobilização.


“Prenderam 73... agora são milhares, lutando de uma vez!”

Num contexto nacional marcado pelas ocupações policiais nos morros e favelas cariocas com as UPP’s, caracterizando uma onda de choque de repressão ao povo negro e pobre, com invasões das casas, mortes e prisões sem controle, essa invasão da PM à USP não é, nem de longe, o fato de maior violência policial atualmente. Contudo, a prisão desses 73 lutadores abre um precedente importante para que qualquer ocupação do MST seja ainda mais duramente reprimida, para que qualquer manifestação popular resulte em mais mortes etc., legitimando um endurecimento contra os movimentos sociais por parte da polícia que já é das mais assassinas do mundo.
Se o governo do estado e a PM reprimem com esta magnitude o movimento estudantil na USP, imagine o que se fará com o MST, MTST, com a juventude pobre e trabalhadora do país. Além disso, a presença da PM nas universidades significa antes de tudo a opressão e o cerceamento dos poucos negros que integram essas instituições. O mesmo podemos dizer dos homossexuais, que durante as prisões não só eram reprimidos como os demais lutadores, mas também sofriam forte opressão por sua orientação sexual.
Além dessas marcas já conhecidas da ação policial, a situação ocorrida na USP tem o agravante de ter sido orquestrada diretamente pelo governo do estado que tinha interesses específicos, pois, como relatam os presos, o próprio delegado já havia indicado que somente seria feito um BO quando recebeu ordens superiores para que todos fossem enquadrados na maior parte de crimes o possível – daí coisas como poluição ambiental, formação de quadrilha etc. O interesse de Alckmin e seu secretário de segurança pública (Antonio Ferreira Pinto) em punir exemplarmente os estudantes da USP vai além do interesse comum com Rodas que é o aprofundamento da implementação do seu projeto elitista e racista de universidade, com essa desproporcional ação militar pretendiam também amedrontar e silenciar os estudantes que se levantavam sendo a voz dos setores mais reprimidos da sociedade, tal como fizeram nas lutas junto às terceirizadas da limpeza e como deixavam claro com suas reivindicações de “FORA PM DAS UNIVERSIDADES, FAVELAS E PERIFERIAS!”.
A repressão aos estudantes que se levantavam na USP como porta vozes dos que não podem entrar nas universidades brasileiras saiu pela culatra: os 400 homens armados e treinados para matar que atacaram mães e crianças que estavam no CRUSP naquela manhã somente conseguiram fazer com que milhares se levantassem numa histórica assembleia de mais de 2000 e votassem a greve geral pela retirada da PM, fim do convênio e retirada dos inquéritos policiais. Já são dezenas de intelectuais e artistas altamente reconhecidos os que se colocam categoricamente contra esse ataque.
Nós, estudantes da Unesp que também já acumulamos nossas batalhas contra o batalhão de choque e seus comparsas na burocracia acadêmica (Gomide, não esquecemos as prisões de 2007 em Araraquara!), além de também termos vários estudantes reprimidos, como Adriano, de Franca, devemos colocar todos as nossas forças numa campanha unificada pela imediata retirada desses inquéritos aos 73 presos políticos na USP!
Nas universidades públicas brasileiras, tem se intensificado a repressão não só ao movimento estudantil, mas também, ao movimento de  professores e funcionários. A presença da Polícia Militar escancara a tentativa do Estado de silenciar os movimentos da comunidade universitária que mostram justamente a negligência do Estado com a Universidade Pública. Esta presença também fere o princípio da autonomia universitária e impede o exercício do livre pensamento necessário para a atividade acadêmica, além de ferir diretamente a liberdade de expressão dos movimentos organizados.  
Ao acompanhar os últimos eventos na USP, a galera do Btoteco do Valente repensou a repressão dentro da nossa própria universidade, onde câmeras, muros, processos administrativos contra estudantes, incursões da PM, e policiais à paisana em nosso campus demonstram como o aparelho repressivo do Estado tem aparecido de diversas formas e em várias universidades.
Por isso a galera do Btoteco do Valente apóia a Greve Geral dos estudantes da USP, a luta pelo fim do convênio PM-USP e a luta contra a repressão em todas as universidades públicas.
Contra a criminalização dos movimentos sociais!
Por uma universidade pública autônoma e livre!
Contra a presença da PM (Paus Mandados de farda) no campus!
USP SIM, GAMBÉ NÃO!

19 de novembro de 2011

61% Para Resolver o Conselho Tutelar: Só Isso?

As frequentes dificuldades na cobertura da demanda e as condições adversas de trabalho nos dois conselhos tutelares do município, conta agora com um projeto de lei de autoria do prefeito para tentar atrair candidatos a prestar o serviço com a elevação do salário para a tarefa em 61% do valor atual.

A composição dos órgãos está defasada em razão dos baixos salários oferecidos. É com o objetivo de combater a baixa adesão de mão de obra que a Prefeitura de Bauru enviou projeto à Câmara para reformular os conselhos, concedendo aumento salarial de 61% para os conselheiros, além de regulamentar uma série de benefícios aos que atuam no setor.

O valor pago para os conselheiros atualmente é de R$ 1.354,03 para a jornada de 40 horas por semana. O projeto aumenta este salário para R$ 2.100,00, vinculando futuros reajustes ao cargo de especialista técnico I da administração municipal. A mudança corresponde a 61% do valor pago atualmente. Caso a nova lei dos conselhos tutelares seja aprovada, vai causar impacto financeiro anual R$ 529,9 mil no orçamento da Sebes em 2012.

Além disso, o proposta elaborada pela Secretaria municipal do Bem-Estar Social (Sebes) garante aos conselheiros direitos concedidos a servidores municipais, como gratificação natalina, férias e adicional de férias, licença maternidade e para tratamento de saúde, horas extras e adicionais noturno e de sobreaviso. Os benefícios, porém, só são válidos durante o período do mandato de três anos dos conselheiros.

Segundo a titular da Sebes, Darlene Tendolo, o aumento no salário e a garantia de direitos explícita em lei vai refletir diretamente na atuação dos dois conselhos tutelares do município. Cada um deles deveria contar com cinco membros titulares e outros cinco suplentes. No entanto, as desistências dos postos são constantes e, atualmente, eles funcionam com apenas três conselheiros cada.Os conselheiros são escolhidos a partir de processo seletivo promovido pelo Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente. Os mandatos duram três anos e podem ser renovados por mais três, desde que submetidos a novo processo de seleção.


A realidade, porém, é de que a maioria dos conselheiros desiste de exercer a função em razão dos baixos salários oferecidos. “O valor atual é muito baixo, principalmente se levarmos em conta o grau de exigências para que um conselheiro assuma o cargo, que exige escolaridade em nível superiores e muitos outros critérios”, pontuou Darlene.

Outra mudança proposta no projeto do Executivo é o fim da exigência de dedicação exclusiva. A legislação atual proíbe os conselheiros de terem outro emprego. “Os conselheiros poderão ter outro trabalho desde que as atividades no conselho não sejam afetadas. Esse é um direito constitucional, que está sendo respaldado por uma lei municipal”, explicou a secretária. Na seleção para o último contrato dos conselhos, a dedicação exclusiva gerou disputa entre os interessados, com pendência judicial discutindo a aplicação da regra. Mas ela sucumbiu à regra nacional.

Darlene ressalta que o projeto passou pelo crivo dos conselhos municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente e da Assistência Social. “Bauru é uma cidade que desponta com essa lei. Os direitos estão explícitos e a lei é informativa. Não há outro município que garanta tão detalhadamente os direitos dos conselheiros, como está previsto nesse projeto”, afirmou.Nâo tem como aumentar mais um pouquinho esse valor,não, pra 70%,pelo que os conselheiros tutelares de nossa cidade passam, por favor, secretária Darlene?

A política do sexo, do gênero e dos cristãos funcionais

Morreu, há alguns meses, atrás, o Projeto de Lei 122 - projeto que tinha como objetivo CRIMINALIZAR atos homofóbicos -. Pois bem, o responsável pelo novo texto foi o senador Demóstenes Torres (figurinha da ALA CONSERVADORA-cristã). Além dele, contribuíram com o texto o pastor da IURD (Igreja Universal do Reino de Deus) e senador Marcelo Crivella além da senadora Marta Suplicy. Bem, quanto à redação do texto desta última custo a acreditar. Como eu não tenho tempo para analisar todos os artigos do novo texto, farei apenas a análise do 2º artigo que acho o mais importante e que diz: "Art. 2º Para efeito desta Lei, o termo SEXO é utilizado para distinguir HOMENS [d] e MULHERES, o termo ORIENTAÇÃO SEXUAL refere-se à heterossexualidade, à homossexualidade, à bissexualidade, e o termo IDENTIDADE DE GÊNERO a transexualidade e travestilidade". O primeiro ponto que me chama justamente a atenção é a ideia e a necessidade de pautar neste texto a distinção entre HOMEM e MULHER que o redator HABILMENTE não insere a letra D: apenas com a letra E, este E tem a função de conectivo, ligação, com a preposição DE a interpretação é diferente. Isto me faz pensar na organização futura, isto é, quando o legislador for revisar a decisão do STF, quando o legislador, caso seja esta a ideia e parece que é mesmo, referendar esta lei, para legislar em função do casamento civil homossexual. Baseado neste texto, por exemplo, pode argumentar que esta LEI NOVA aqui, anti-homofobia já deixa claro a distinção entre HOMEM e MULHER ou a distinção de HOMEM e MULHER, que o sexo BIOLÓGICO, o GENITAL é que faz esta diferença, portanto, o discurso aqui do legislador está ANCORADO, respaldado por uma perspectiva apenas biológica e não cultural, social, restringido ou reduzindo a ideia de HOMEM e MULHER a pênis e vagina, na real, um GOLPE de MESTRE legislativo. Um segundo PONTO é considerar que IDENTIDADE DE GÊNERO é diferente do próprio gênero: só existe gênero porque alguém assim se identifica, logo a RESTRIÇÃO do conceito de sexo biológico é REDUCIONISTA e no lugar de AMPLIAR o conceito - como faz o conceito de gênero - o LEGISLADOR insiste no reducionismo fixando instância identitária e, assim, LEGISLA DE FORMA PRECONCEITUOSA mesmo querendo fazer o contrário. Termos como TRANSEXUALIDADE e TRAVESTILIDADE não são IDENTIDADES DE GÊNERO apenas, ao contrário, são INSULTOS e este ponto deve ser LEVADO em consideração. As transexuais, por exemplo, AFIRMAM-SE mulheres e fazem justamente a cirurgia denominada de adequamento genital ou TRANS-GENITALIZAÇÃO (mudança de genital: a retirada do pênis e no seu lugar uma vaginoplastia é feita ou a construção de um saco escrotal e um pênis a partir do clitóris no corpo da "mulher"). No caso das TRAVESTIS a transgenitalização não é necessária, elas estão bem adequadas com os seus genitais e não sentem o desejo de fazer a mudança, pelo menos, algumas. Lembrando, as travestis pelos índices muito baixo de escolaridade, muitas sobrevivem da prostituição e é do pênis que RETIRAM o seu SUSTENTO muitas vezes. Deve-se, portanto, abrir ao DEBATE PÚBLICO, inclusive, deve-se marcar uma audiência pública com os professores universitários, acadêmicos, pesquisadores da área para que eles possam re-colocar a questão de modo a aprofundá-la; é preciso transcender a este discurso biológico do corpo. O fato de que o biológico NÃO É O QUE DETERMINA, justamente, é a realidade diante de nossos olhos: transexuais e travestis, homossexuais e bissexuais. É preciso que consigamos compreender que sexo, sexualidade e gênero são instâncias que nem sempre estão ligadas de modo tão inteligível como querem fazer crer os APOSTADORES do discurso biológico sobre o corpo. Tenho dito!

18 de novembro de 2011

A Doença de Lula e a Saúde de Bauru

O ex presidente Lula está com Câncer na Laringe! Não desejo essa doença nem para o meu maior inimigo, por mais filho da puta que ele seja! Muitas pessoas passam por esse problema em suas famílias várias vezes e é barra pesada, principalmente quando você não tem acesso ao tratamento em hospitais devidamente equipados e com pessoal especializado e bem remunerado. O SUS não está preparado com recursos financeiros e de pessoal para tratar dos brasileiros! A Presidenta Dilma Rousseff (PT) teve um linfoma recentemente – Câncer no Sistema Linfático; Mário Covas (PSDB - ex governador de SP) teve Câncer na Bexiga; Orestes Quércia (PMDB - ex prefeito de SP) foi acometido com um Câncer na Próstata; Celso Pita (PTB - ex Prefeito de SP) teve Câncer no Intestino; Itamar Franco (PMDB - ex Presidente) teve Leucemia; José Alencar (PRB - ex vice presidente) teve um tumor abdominal; e muitos outros políticos e poderosos... Onde esses senhores fizeram seus tratamentos de saúde? No Hospital Publico que eles tanto falam que... “em meu governo a saúde nunca esteve melhor”... “ninguém investiu mais em saúde do que em meu governo investiu”...
Você acha que eles acordaram às 4:00 da manhã e dependem de ônibus,mototáxis,caronas, praecisando muitas vezes atéde ratear a gasolina, trens, metrôs, barcas, vans, bondes para tentar pegar uma senha e ser atendido em menos de um minuto onde o médico nem olha na sua cara? Claro que não! Foram todos para o Hospital Particular Sírio-Libanês, um dos mais caros do País! Se não estiver entre um dos mais caros do mundo. E você, para onde vai? Para a UPA? Posto do Santa Edvirges? UPA Mary Dota? AME?? Vai tentar conseguir uma vaga no PS Central, aonde até já morreu uma senhora dentro da Emergência, devido a lentidão?? Primeiro terá que fazer uma triagem, para depois saber se terá ou não vaga para o seu tratamento. Você que tem plano, pensa que está salvo dessa? Se não ficar sofrendo de dor em clínicas particulares que sem condições de garantir um tratamento digno aos pacientes com a ”cobertura de merda” dos planos de saúdes oferecidos a uma parte da população que aperta seus orçamentos para pagar mensalmente suas faturas. Fiquem pasmem, pois são esses mesmos senhores, poderosos dos governos, que tiveram câncer ou até mesmo os que estão com a doença hoje, são eles que autorizam ou autorizaram junto com seus partidos os planos de saúde a fazerem o que bem entendem, pois são os planos de saúde que financiam suas candidaturas. Exemplo do descaso é o Governador do Rio, Sergio Cabral, que alem de destinar milhões para privatizar a saúde dando uma boa grana para membros de ONGs destruírem a saúde e colocar em risco nossas vidas. Quando o governador quebrou a perna foi para o Hospital Sírio-Libanês, não para a UPA , a qual ele tanto arrota aos quatro cantos nas propagandas... Nem eles acreditam no sistema de saúde que administram ou que administraram, os que fizeram e os que fazem propagandas na TV que parecem um sonho: tudo limpinho, fácil, moderno e equipados hospitais. Tudo isso para iludir e enganar a população. É tudo mentira!
Temos que fazer valer a taxação das grandes fortunas, que o Lula tanto defendeu na Constituinte, e quando era Sindicalista, que hoje é garantida na constituição e que quando foi presidente por 8 anos, nem tocou no assunto. Assim teríamos dinheiro para destinar para a saúde pública. Não devemos parar ai, o governo deve confiscar parte dos lucros da Petrobras, da Vale, da Embratel, Grandes empresas de ônibus e Grandes Construtoras. Tudo deve servir para financiar a Saúde Pública!

Karl Kautsky: De Marx a Hitler (Paul Mattick)

Karl Kautsky morreu em Amsterdam, no fim de 1938; contava então 84 anos. Viu-se nele o mais eminente teórico do marxismo após a morte dos seus fundadores, e não se exagerava ao dizer que fôra o mais representativo entre todos, Kautsky reuniu em si, e de forma bem clara, não só o lado revolucionário como também o lado reaccionário deste movimento. Mas se Engels. perante a sepultura de Marx, se sentia com direito a declarar que o seu amigo «fora, acima de tudo, um revolucionário» ninguém, em contrapartida, teria tido a ideia de dizer outro tanto sobre o seu discípulo mais célebre. Ao consagrar-lhe um artigo necrológico. Friedrich Adler dizia: «Teórico e homem político. Kautsky ficará para sempre exposto à crítica; mas possuía um espirito aberto e toda a sua vida se conservou fiel a esse mestre supremo que foi a sua consciência(1).

A consciência de Karl Kautsky formou-se na época em que a social-democracia alemã tomava forma. Austríaco de nascença, era filho de um artista plástico ligado ao Teatro Imperial de Viena. Desde 1875, atingida então a maioridade, passou a colaborar na imprensa operária. Porém, seria só m 1880 que viria a aderir ao partido social-democrata alemão e, dai em diante, dedicou-se. segundo as suas próprias palavras, «a evoluir em direcção a um marxismo consequente, metódico» (2). Foi a leitura do Anti-Dühring de Engels que, como a muitos outros, o viria a atrair para aquela via e ficou a dever uma boa parte da sua orientação a Edouard Bernstein, na época secretário do «milionário» socialista Höchberg (que financiou a publicação das suas primeiras obras). Graças aos seus escritos, Kautsky depressa atingiu notoriedade no seio do movimento operário; em 1883 fundou a revista Die Neue Zeit que, sob a sua direcção, se tornaria o principal órgão teórico da social-democracia alemã.

A obra de Kautsky não deixa de surpreender não só pela multiplicidade de temas que nela são abordados mas também pela sua extensão. Uma bibliografia deste autor, ainda que resumida, ocuparia páginas e páginas. Tudo quanto no decurso dos últimos sessenta anos teve importância para o movimento socialista. ou pareceu tê-la. encontra-se na obra de Kautsky. Esta mostra bem que o seu autor foi fundamentalmente um professor e que, considerando a sociedade de um ponto de vista de mestre-escola, estava perfeitamente fadado para a função de inspirador, que foi a sua, num movimento cuja grande preocupação fôra sempre a de educar os operários e, simultaneamente, os capitalistas. Na sua qualidade de especialista dos «assuntos teóricos» do marxismo, Kautsky podia parecer mais revolucionário do que conviria ao movimento onde militava. Passava por um marxista «ortodoxo», e esforçava-se por conservar a herança de Marx, à semelhança de um vigilante tesoureiro sobre os fundos da organização. Contudo, o lado «revolucionário» dos seus ensinamentos não sobressaía como tal senão na medida em que contrastava com a ideologia burguesa geralmente professada antes da guerra. Em contrapartida, e em relação às teorias elaboradas por Marx e Engels, as de Kautsky não iam além de um regresso a formas de pensamento menos elaboradas, assim como a uma concepção menos clara do sistema capitalista e suas implicações. Guardião do tesouro marxista, jamais suspeitou de tudo o que ele continha.

Em 1862, numa carta a Kugelmann, Marx exprimia a esperança de que as menos «populares» das suas obras, escritas com vista a revolucionarem a ciência económica, acabassem por encontrar o caminho do grande público; uma vez colocada a base científica, a vulgarização será fácil, acrescentava aquele. «Foi em 1883, escreve Kautsky, que descobri a minha vocação: difundir, vulgarizar e, na medida em que fosse capaz, aprofundar os resultados obtidos por Marx no plano do pensamento e da investigação» (3). Contudo, mesmo Kautsky, mesmo o maior entre os maiores divulgadores do marxismo, viria a desiludir as esperanças do seu mestre; as simplificações a que se entregou conduziram-no a uma nova forma de mistificação que não permitem compreender nada do verdadeiro carácter da sociedade capitalista. No entanto, apesar deste tratamento, as teorias de Marx eram ainda de longe superiores a todas as teorias económicas e sociais burguesas, e os escritos de Kautsky galvanizaram centenas e centenas de trabalhadores conscientes. Kautsky, na verdade, exprimia as suas próprias ideias, e numa linguagem mais próxima da daqueles do que a de um pensador mais independente, como Marx. Apesar de este e mais do que uma vez haver mostrado os seus dons de poder e clareza de expressão, não era no entanto suficientemente «mestre-escola» para sacrificar às necessidades de propaganda a satisfação dos seus caprichos intelectuais.

É necessário compreender num sentido mais lato o que acima dissemos de Kautsky: que ele também incarnou os aspectos «reaccionários» do antigo movimento operário. Na verdade, na origem destes elementos reaccionários esteve um condicionamento objectivo e se Kautsky, e o antigo movimento operário com ele, acabaram por, subjectivamente, se colocarem como defensores da sociedade capitalista, não o fizeram antes de um longo período de confrontação com uma realidade hostil. Como já Marx o dizia em O Capital: «O movimento ascendente imprimido pela acumulação do capital ao preço do trabalho, prova que a corrente de ouro com que o capitalista prende o assalariado, e que este mesmo não deixa de fabricar, é já suficientemente grande para permitir uma diminuição da tensão» (4).

Em consequência da melhoria das condições de trabalho e da subida dos salários, tornada possível pela progressiva formação do capital, as lutas operárias transformaram-se em factor de desenvolvimento capitalista. Do mesmo modo que a concorrência, elas tiveram como resultado acelerar a acumulação do capital e, com isso, o ritmo do «progresso». Tudo o que os operários ganhavam era compensado por uma exploração aumentada, que por sua vez permitia uma expansão ainda mais rápida.

Assim, a própria luta de classes do proletariado acabava por servir os interesses, não certamente do capitalista individual, mas do capital em geral. As vitórias operárias nunca deixaram de ser vitórias à Pirrus. Quanto mais os operários ganhavam, mais o capital se engrandecia. Cada aumento na «parte dos operários» contribuía para aumentar o fosso entre salários e lucros. Ainda que aparentasse uma ascensão em flecha, o poder do movimento operário escondia, na realidade, um continuo enfraquecimento em relação ao desenvolvimento do capital. As «conquistas» dos trabalhadores, nas quais Edouard Bernstein saudava os começos de uma nova era para o capitalismo, apenas podiam levar, numa tal esfera de acção social, à esmagadora derrota da classe operaria, quando o capitalismo passou da expansão à estagnação. E a liquidação do antigo movimento operário, espectáculo a que Kautsky não viria a ser poupado, demonstrou que as milhares de derrotas sofridas no período ascendente do capitalismo, ainda que celebradas como outros tantos triunfos do gradualismo, não passavam de um gradualismo da derrota operária, num campo de acção onde a vantagem estava seguramente do lado da burguesia. Contudo, o revisionismo de Bernstein, derivado do empirismo burguês e que consistia em tomar as aparências por realidade, ainda que denunciado inicialmente por Kautsky, acabaria igualmente por servir de trampolim a este último. Sem a prática não revolucionaria do antigo movimento operário, cuja teoria foi feita por Bernstein, jamais Kautsky teria encontrado o movimento e a base material que Ihe permitiram passar por um grande teórico marxista.

Esta situação objectiva que, vimo-lo, transformou os sucessos do movimento operário em outras tantas etapas na via da sua liquidação final, criaram uma ideologia não revolucionária mais bem adaptada que a antiga à situação imediata, e destinada a ser vilipendiada mais tarde como manifestação de social-reformismo, de oportunismo, de social-patriotismo, além de descarada traição. Mas esta «traição» não incomodava absolutamente nada as suas pretendidas vitimas. Pelo contrário, a maioria dos operários organizados aprovavam esta mudança do movimento socialista porque estava de acordo com as suas aspirações, nascidas no contexto de um capitalismo em pleno desenvolvimento. As massas eram tão pouco revolucionárias como os dirigentes que possuíam, e ambos não procuravam senão participar no progresso capitalista. Organizavam-se não só com vista a obterem uma parte maior do produto social, mas também para melhor se fazerem ouvir no plano político. Aprenderam a pensar em termos de democracia. Começarão a colocar-se na posição de consumidores exigindo o acesso aos benefícios da cultura e da civilização. Não será significativo que Franz Mehring tenha achado bem terminar a sua monumental História da Social-democracia Alemã por um capitulo que intitulou «A Arte e o Proletariado»? Ciência para os operários, escolas para os operários, participação operária em todas as instituições da sociedade capitalista, eis os desejos reais do movimento operário. Longe de se exigir o fim da ciência capitalista, reclamavam sábios de origem operária; em vez de se querer abolir as leis capitalistas, formavam-se juristas operários. A proliferação de historiadores do movimento operário, poetas, economistas, jornalistas, médicos, dentistas, todos ao serviço dos operários, assim como a multiplicação de deputados socialistas e de burocratas sindicais, era o índice mais evidente da triunfal socialização da sociedade, a qual se tornava simultaneamente, e cada vez mais, a sociedade dos operários. Tudo em que se pudesse participar de um modo crescente, não tardava a ser julgado digno de defesa. Para o antigo movimento operário, a expansão do capital significava bem-estar e consideração; esta era uma profunda convicção, ao mesmo tempo consciente e inconsciente. Limitando-se a actuar no contexto do capitalismo, as organizações operárias viriam pouco a pouco a fazer seus os problemas da rentabilidade do capital, contentando-se em opôr uma resistência puramente verbal às frenéticas rivalidades que a concorrência suscitava entre os países capitalistas. É claro que em primeiro lugar o movimento apenas pretendia uma «pátria melhor» que não fosse só das outras classes mas que também pertencesse aos trabalhadores, acabando por pronunciar-se pela defesa do «adquirido» e, por fim, muito simplesmente, pela defesa da pátria, «tal como ela é».

Os bons sentimentos que os discípulos de Marx passaram a demonstrar face à sociedade burguesa não eram já unilaterais. As suas lutas a favor da classe operária haviam ensinado à burguesia a necessidade de «compreender a questão social». A classe dirigente ligava-se assim cada vez mais a uma interpretação materialista dos fenómenos sociais, donde uma imbricação progressiva de ideologias professadas em ambas as partes, que contribuía para fazer reinar uma «harmonia» que, na verdade, se fundava na ausência de harmonia, no antagonismo das classes no seio do capitalismo ascendente. Todavia, os «marxistas» ansiavam, ainda mais do que a burguesia, por «aproveitar as lições do inimigo». Foi muito antes da morte de Engels que o revisionismo se começou a desenvolver. De resto, os próprios Engels e Marx deveriam, mais do que uma vez, evidenciar sinais de cedência, deixando-se então embriagar pelos sucessos aparentes do momento. Mas o que neles não passava de uma modificação, puramente provisória, das suas ideias de base, essencialmente coerentes, era elevado ao nível de «crença» e de «ciência» por este movimento que identificava agora o progresso com as caixas sindicais, cada vez mais cheias, e com as vitórias eleitorais cada vez mais amplas.

Depois de 1910, a social-democracia viu-se dividida em três grandes tendências: os revisionistas, partidários declarados do imperialismo alemão, a «esquerda», ilustrada por nomes como Luxemburgo, Mehring, Liebknecht e Pannekoek; o «centro», que se dizia fiel às opções tradicionais mas que de facto apenas o era no plano da teoria, dado que na prática a social-democracia era obrigada a aceitar o «possível» ou, noutros termos, a táctica preconizada por Bernstein. Opor-se a esta última não podia significar senão uma coisa: erguer-se contra a prática da social-democracia no seu conjunto. A «esquerda» não se afirmou como tal senão a partir do momento em que começa a denunciar a social-democracia como uma parte integrante da sociedade capitalista. Seria no entanto necessário mais qualquer coisa além de uma batalha de ideias para fazer desaparecer as divergências que opunham os dois campos: elas foram afogadas em 1919 com o sangue do grupo Spartakus, aquando da repressão terrorista que Noske lançou.

Uma vez a guerra declarada, a «esquerda» encontrou-se na prisão e a «direita» no Q.G. do Kaiser. Quanto ao «centro», dirigido por Kautsky, acabou com todos os problemas do movimento socialista declarando que nem a social-democracia alemã nem a Internacional poderiam continuar em actividade enquanto a guerra durasse, na medida em que uma e outra eram instrumentos essencialmente para os períodos de paz. «Esta é, escrevia Rosa Luxemburgo, uma atitude de eunuco. Agora que Kautsky o completou, poder-se-á ler no Manifesto Comunista: "Proletários de todos os Países, uni-vos em tempo de paz, matai-vos em tempo de guerra!"» (5).

A guerra e as suas repercussões pulverizaram o mito da «ortodoxia» marxista de Karl Kautsky. Depois de haver sido um dos seus mais fervorosos discípulos, até Lenine foi obrigado a desviar-se categoricamente do seu mestre. Como escrevia a Chliapnikov em Outubro de 1914: «Rosa Luxemburgo tinha razão quando afirmava, desde há bastante tempo, que existe em Kautsky a "lisonja do teorizador", ou, em termos mais simples, a servilidade perante a maioria do partido, perante o oportunismo. Nada há de mais prejudicial e perigoso para a independência ideológica do proletariado do que esta baixa presunção e abjecta hipocrisia de Kautsky, de tudo pretender escamotear e disfarçar, de querer tranquilizar por meio de sofismas e de um palavreado pseudo-cientifico a consciência que desperta nos operários» (6).

Desde que o movimento operário adquiriu um aspecto «respeitável», foi invadido por uma multidão de intelectuais, todos inclinados a conservarem as suas tendências para a colaboração de classes. Kautsky distinguia-se destes personagens por um amor mais vivo pela teoria, que, no entanto, se recusava a confrontar com os factos, à semelhança de uma mãe que, por amor a um filho, o pretende manter a salvo das «vergonhosas realidades da vida». Kautsky não podia situar-se como revolucionário a não ser que mantivesse o papel de teórico e abandonava aos outros, com a maior complacência, o cuidado de responderem pelas questões práticas do movimento. E isso era cair na automistificação. Ao pretender-se teorizador «puro», Kautsky deixava simultaneamente de ser um teórico revolucionário, ou mais exactamente, não podia tornar-se um revolucionário. Desde que, acabada a guerra, o pano se levantou sobre uma batalha real entre as forças do socialismo e as do capitalismo, as suas teorias afundaram-se porque estavam, na prática, separadas do movimento que diziam representar.

Ainda que houvesse tomado posição contra as demonstrações de um chauvinismo excessivo que o seu partido prodigalizava, e se abstivesse de partilhar do entusiasmo belicista dos camaradas Ebert, Scheidemann e outros, ainda que igualmente se tivesse recusado a pronunciar-se pelo voto Incondicional dos créditos de guerra, não deixou no entanto de ser obrigado a destruir com as próprias mãos o mito da sua ortodoxia marxista, mito este engendrado e alimentado por dez anos de discursos, de livros, de brochuras e de artigos. Ele, que em 1902 proclamava (7) que o mundo entrara numa época de lutas proletárias pela conquista do poder, considerava semelhante pretensão como pura demência quando os operários começaram a tomar os seus propósitos a sério. Ele, que combatera com tanto ardor o ministerialismo dos Millerand e dos Jaurés em França, viria a exaltar, vinte anos mais tarde, a política de coligação ministerial seguida pela social-democracia na Alemanha, e com os mesmos argumentos dos seus antigos adversários. Ele, que desde 1909 se interrogava sobre o «caminho do poder», acalentava depois da guerra o sonho de um «ultra-imperialismo» que faria reinar a paz no mundo, e viria a passar o resto da sua existência a reinterpretar o seu passado, com vista a justificar a ideologia de colaboração de classes que professou desde então. Na sua última obra, exprimia-se assim: «No decurso da sua luta de classe, o proletariado transforma-se gradualmente em vanguarda para a reconstrução da sociedade, objectivo que por sua vez passa a ser também o das categorias sociais não proletárias. Isto em nada trai a ideia da luta de classes. Sustentei muitas vezes este ponto de vista antes da aparição do bolchevismo, como o testemunha por exemplo o artigo "As classes. Interesse particular e interesse geral» que publiquei em 1903 na Neue Zeit e aonde dizia, em conclusão, que a luta de classe do proletariado apenas deseja a solidariedade da humanidade e jamais a solidariedade das classes» (8).

De facto, é absurdo ver em Kautsky um «renegado». É não compreender nada da teoria e da prática social-democrata, nem tão pouco da do próprio Kautsky. Este apenas desejou uma única coisa durante a sua vida: ser um bom servidor, sem outro objectivo na vida senão o de satisfazer os seus mestres, Marx e Engels. Do primeiro só falava no mais puro estilo social-democrata e filistino, com a ajuda de epítetos do género «espírito superior», «Olímpico», «Júpiter troante» e outros. Evocando o primeiro encontro com o seu herói, gabava-se de não ter tido junto dele o «acolhimento desdenhoso que Goethe reservara ao seu jovem colega Heine» (9). Tudo se passa como se Kautsky houvesse jurado nunca desiludir Engels, a partir do momento em que este o passou a considerar, a Kautsky e Bernstein, como «irrepreensíveis representantes da teoria de Marx». E, na verdade, durante a maior parte da sua vida, Kautsky viria a comportar-se como um ardente defensor da «carta». Ele era certamente sincero ao lamentar-se, numa carta a Engels, que «quase todos os intelectuais do partido (...) sonham apenas com colónias, ideias nacionalistas, ressurreição do velho passado germânico, unicamente preocupados em antecipar-se ao governo e substituir a luta de classes pelo poder da "Justiça", além de manifestarem a sua aversão pela concepção materialista da história - esse dogma marxista, como Ihe chamam» (10).

Engels compreendia bem as causas desta precoce «degenerescência, do movimento. Respondendo a Kautsky declarava que «o desenvolvimento capitalista burguês se revelara mais forte que a contrapressão revolucionária; para que um novo levantamento aconteça será necessário, por exemplo, que a Inglaterra perca o domínio do mercado mundial ou que uma ocasião revolucionária surja bruscamente em Franca» (11). Mas nada disso veio a acontecer. Os socialistas deixaram de contar com a revolução. Deste modo, Bernstein, não querendo decepcionar o homem a quem mais devia, esperou que Engels morresse para proclamar que «o objectivo não é nada, o movimento é que é tudo!». É preciso acrescentar, além disso, que o próprio Engels, no fim da sua vida, contribuiu para reforçar a corrente reformista. Tratava-se de uma quebra individual, mas os seus epígonos aproveitaram a sua atitude e consideraram-na como um elemento de força. De tempos a tempos, no entanto, Marx e Engels voltavam às posições mais intransigentes do Manifesto Comunista e de O Capital, como por exemplo na Critica ao Programa de Gotha, cuja publicação foi adiada para que não perturbasse os fazedores de compromissos. A burocracia do partido só cedeu ao fim de uma longa luta, o que levou Engels a dizer um dia: «Na verdade, é uma excelente ideia colocarem a ciência socialista alemã, hoje livre da lei anti-socialista bismarkiana, sob a alçada de uma nova lei anti-socialista!» (12).

Kautsky defendia já um marxismo mutilado. O marxismo radical, revolucionário, anti-capitalista, sucumbira ao desenvolvimento do capitalismo. Num discurso pronunciado em 1872, no encerramento do congresso da Internacional, em Haia, o próprio Marx declarava: «O operário terá que obter um dia a supremacia política a fim de poder estabelecer a nova organização do trabalho (...). Mas de modo algum pretendemos que para chegar a este objectivo os meios sejam todos os mesmos (...). Assim, não negamos que existem países como a Inglaterra, ou a América (...), onde os trabalhadores poderão atingir os seus objectivos por meios pacíficos». Esta asserção viria a permitir aos próprios revisionistas dizerem-se marxistas, e tudo quanto Kautsky podia contrapor-lhes - por exemplo, aquando do congresso social-democrata de Stuttgart (1898) - era que os progressos da democracia e da socialização, que os revisionistas pretendiam estar em bom andamento nos países anglo-saxónicos, de modo algum seriam possíveis na Alemanha. Retomando por conta própria as afirmações de Marx sobre a possibilidade de ver em alguns países a sociedade sofrer uma transformação pacífica, Kautsky contentou-se em acrescentar que também ele sonhava «obter o socialismo sem o ter que pagar com uma catástrofe». Mas esta possibilidade parecia-Ihe então duvidosa.

Concebe-se facilmente que Kautsky, partindo de tais permissas, achasse perfeitamente Iógico afirmar depois da guerra que, estando dai em diante reunidas as condições para um rápido desenvolvimento das instituições democráticas na Alemanha e na Rússia, a via de passagem pacifica ao socialismo abria-se simultaneamente nestes países. Esta via pacifica favorecia o desenvolvimento desta «solidariedade da humanidade» que Kautsky tanto encarecia. Os intelectuais socialistas pretendiam rivalizar em matéria de cortesia com a classe burguesa, a qual por sua vez aprendera a tratá-los com deferência. E ao fim e ao cabo não eram todos habitantes do mesmo mundo? A vida ordenada, esta vida pequeno--burguesa que um poderoso movimento socialista assegurava a «intelligentsia», levava-os a pôr a tónica nos aspectos ético e cultural das coisas. Se Kautsky nutria pelos m6todos dos bolcheviques um ódio idêntico ao dos Guardas-Brancos, aprovava no entanto sem reservas, contrariamente a estes últimos, os objectivos a que os bolcheviques se entregavam. Para além do elemento proletário da revolução, os dirigentes do movimento socialista viam despontar um caos capaz de os arrastar simultaneamente com o poder burguês. Na realidade, o ódio que tinham pela «desordem», encobria a vontade de defenderem os seus privilégios materiais, sociais e intelectuais. A seus olhos, a acção ilegal apenas podia levar o socialismo à sua perda. Acima de tudo eram partidários da legalidade a todo o preço, único meio de dirigentes e organizações conservarem o domínio sobre o movimento de massa. E o modo como conseguiram sufocar, ainda em embrião, a revolução proletária demonstrou não só que os «ganhos» realizados pelos operários na esfera económica se voltavam contra eles mesmos, mas também que a sua «vitória» no plano político seria nefasta à sua emancipação. O principal obstáculo a uma solução radical da questão social foi a social-democracia, partido por cujo crescimento se ensinou aos trabalhadores a medir o seu crescente poder!

Nada prova de maneira mais peremptória o carácter revolucionário das teorias de Marx do que a dificuldade de assegurar a sua manutenção nos períodos não revolucionários. Kautsky não estava portanto errado ao sustentar que o movimento socialista estava condenado à inacção em tempo de guerra, esta última excluindo provisoriamente a revolução. Para o revolucionário isso significa o isolamento, a derrota temporária. E o momento de aguardar uma mudança de situação, esperar que o acordo dado à guerra desapareça devido à impossibilidade objectiva de traduzir em factos o sim subjectivo. Um revolucionário não pode deixar de, de tempos a tempos, se encontrar à margem da situação. Crer que uma prática revolucionária, exprimindo-se através da acção autónoma dos trabalhadores, é possível em todos os momentos, significa aceitar as ilusões democráticas. Mas é bem mais difícil estar «de fora», pois a mudança da situação é absolutamente imprevisível e ninguém está para ficar debaixo de fogo quando ele rebentar. A coerência apenas existe no plano teórico. Se não se encontra incoerência nas teorias de Marx, é necessário porém reconhecer que também algumas vezes o próprio Marx se inclinou perante as mudanças da realidade, e que ao querer persistir na acção em períodos não revolucionários, foi levado a agir em ruptura com as suas teorias. Estas unicamente diziam respeito aos pontos essenciais da luta de classes que opunham o proletariado à burguesia. Mas a prática de Marx era contínua; atacava os problemas, «à medida que estes se iam apresentando», e portanto problemas que nem sempre era possível resolver apelando para os princípios fundamentais. Recusando admitir a necessidade de se dobrar sobre si mesmo no período de desenvolvimento do capitalismo, o marxismo não podia intervir senão dum modo contrário à sua essência, a qual considerava a luta de classes revolucionária como um fenómeno de todos os momentos. Na realidade, a teoria da luta de classes permanente não tem mais fundamento do que a noção burguesa de permanente progresso. Nada fará com que o curse das coisas se encaminhe automaticamente no sentido desejado; muito pelo contrário, é preciso o combate em condições incertas, submetidas a bruscas variações e sob a constante ameaça do fracasso total. Nas épocas em que a história se inclina ainda a favor do capitalismo, a massa simplesmente numérica dos operários que se opõem ao poderoso Estado de classe, longe de representar o gigante sobre cujas costas os parasitas capitalistas se repousam, é bem mais comparável ao touro que se vê constrangido a deslocar-se aonde quer que o obriguem as bandarilhas que Ihe espetaram. Enquanto o desenvolvimento do capitalismo prosseguia, o marxismo apenas podia continuar sob uma forma ideológica, justificada por uma prática que em todos os domínios se Ihe opunha. E mesmo sob esta forma, os acontecimentos reais não deixariam de lhe reduzir ainda mais a importância. Enquanto pura e simples ideologia, o marxismo estava condenado a desaparecer, desde que as grandes viragens sociais implicavam a sua transformação e o transformavam de ideologia indirecta em ideologia directa da colaboração de classes, com objectivos capitalistas.

Marx elaborou as suas teorias no decurso de um período revolucionário. Ele foi então o mais avançado dos revolucionários surgidos da burguesia, e o mais próximo também do proletariado. Mas a derrota da revolução burguesa na Alemanha, e o seu triunfo subsequente no contexto da contra-revolução, viriam a convencer Marx de que a classe operária constituía a única classe autenticamente revolucionária do mundo moderno. E foi nesta base que Marx concebeu a teoria sócio económica da revolução proletária. Subestimando, à maneira de muitos dos seus contemporâneos, o vigor e a subtileza do capitalismo, Marx fez mal em predizer o fim próximo da sociedade burguesa. Marx encontrava-se face à seguinte alternativa: ou se situava fora do curso real das coisas e se atinha desde então a ideias radicais mas aplicáveis, ou participava, nas condições do momento, nas lutas reais, reservando sempre para «melhores tempos» a aplicação das teóricas revolucionárias. Este último termo da alternativa foi de seguida racionalizado sob a forma de «o bom equilíbrio entre a teoria e a pratica»; simultaneamente, a derrota ou a vitória do proletariado tornaram-se uma mera questão de «boa» ou «má» táctica, de organização adaptada ou não às respectivas tarefas e de dirigentes capazes ou nefastos. Se o elemento jacobino, inerente ao movimento a que Marx nolens volens ligou o seu nome, conheceu um tal desenvolvimento, foi menos devido à primeira ligação de Marx com a revolução burguesa do que a uma prática não revolucionária deste movimento, a qual provinha directamente do carácter não revolucionário do período.

Assim, o marxismo de Kautsky era um marxismo tornado ideologia e, por isso, obrigado a cair no idealismo com o decurso do tempo. Na verdade, a «ortodoxia» de Kautsky consistia em preservar artificialmente ideias em ruptura com a prática e, desde logo, destinadas a degradar-se, pois a realidade é mais forte do que a ideologias. Mas uma «ortodoxia» real tinha por condição obrigatória a reaparição de uma conjuntura revolucionaria, na qual, alias, a «ortodoxia» em questão se preocuparia não em ser fiel à «carta», mas apenas em aplicar a uma situação nova os princípios da luta de classes entre a burguesia e o proletariado. As obras de Kautsky permitem seguir em todas as etapas, e com toda a clareza desejável, a regressão que a prática impôs à teoria.

Kautsky tratou nos seus escritos não só questões especificas do movimento operário, mas também de quase todos os problemas sociais. Os seus inumeráveis livros e artigos podem no entanto classificar-se em três grandes categorias: Economia, História e Filosofia. No que diz respeito à economia política, não se pode dizer que haja contribuído muito para o seu avanço. Além dos manuscritos de Marx que tomou a iniciativa de editar, entre 1904 e 1910, sob o título de Teoria da Mais-Valia, Kautsky dedicou-se a vulgarizar as teorias económicas de Marx, especialmente as do primeiro volume de O Capital, sem se afastar contudo da interpretação que os teóricos socialistas, inclusivé os revisionistas, atribuíam em geral aos fenómenos económicos. Testemunha-o o facto de certas partes do seu célebre trabalho As Doutrinas Económicas de Karl Marx terem sido redigidas por Edouard Bernstein. E, além disso, as intervenções de Kautsky nas vivas controvérsias que as teorias de Marx, expressas nos volumes II e III de O Capital, suscitaram a partir de 1885, foram muito modestas. Com efeito, e segundo a sua opinião, o volume I, consagrado ao processo de produção, à fábrica e à exploração, incluía tudo quanto os trabalhadores tinham necessidade de saber para, de um modo organizado, lutarem contra o capital. Quanto aos outros dois volumes, que tratavam mais detalhadamente das tendências para as crises e para a derrocada do sistema capitalista, não correspondiam à realidade imediata e interessaram muito pouco a Kautsky e a todos os teóricos marxistas desse período de desenvolvimento capitalista. Por ocasião de uma recensão (1886) sobre o volume II de O Capital, Kautsky defendeu a ideia de que este apresentava um interesse menor para os operários, na medida em que nele se falava sobretudo da realização da mais-valia, a qual, ao fim e ao cabo, dizia mais respeito aos capitalistas. Quando Bernstein, ao desejar refutar as doutrinas económicas marxistas, se ateve à teoria da derrocada, Kautsky, que por sua vez pretendia defender o marxismo, limitou-se a negar que Marx tivesse alguma vez professado uma teoria que concluísse pela existência de um limite objectivo ao funcionamento do sistema, e afirmou que Bernstein a tinha, pura e simplesmente, inventado totalmente. Era na esfera da circulação que Kautsky situava a origem das dificuldades e contradições do capitalismo: dado que o consume não podia aumentar tão depressa quanto a produção, deveria seguir-se uma sobreprodução permanente que, por sua vez, viria a engendrar a necessidade política duma realização do socialismo. Quando Tougan-Baranovsky formulou a sua teoria do desenvolvimento ilimitado do capital, defendendo que este cria o seu próprio mercado e, por isso, tem a possibilidade de impedir o aparecimento de desproporções, teoria esta que veio a exercer uma profunda influência sobre a corrente reformista no seu conjunto, Kautsky(13) respondeu-lhe que o subconsumo operário tornava inevitáveis crises que terão por efeito o engendrar das condições subjectivas da mutação do capitalismo em socialismo. Mas, passados vinte e cinco anos, admitia já sem rodeios haver subestimado as possibilidades do sistema capitalista, tendo-se este revelado «muito mais dinâmico do ponto de vista económico do que o era há meio século» (14)·

A falta de rigor e a confusão que Kautsky evidenciava em matéria de teoria económica (15) atingiu uma espécie de cúmulo no dia em que adoptou as teses de Tougan-Baranovsky que outrora combatera. Este pormenor constitui apenas um aspecto da sua mudança geral de atitude para com o pensamento burguês e a sociedade capitalista. Na opinião do próprio Kautsky, a sua melhor obra, conclusão e coroamento de toda uma vida de investigação, é A Concepção Materialista da História, livro no qual se trata, em cerca de duas mil páginas, da evolução da natureza, da sociedade e do Estado. Este trabalho não é só o testemunho de um modo de exposição pedante e de um vasto conhecimento de teorias e factos. Ele evidencia igualmente até que ponto o seu autor possuía uma ideia errada do marxismo. Na verdade, é nele que Kautsky vira incontestavelmente as costas à ciência marxista. E então que abertamente afirma que «de tempos a tempos tornam-se inevitáveis revisões do marxismo» (16) e acaba por se ligar a concepções contra as quais, aparentemente, toda a vida lutara. Não contente em abandonar a interpretação marxista, apresenta ainda a sua «opus magnum» como uma concepção da História original que, sem estar absolutamente desligada da de Marx e Engels, não deixa contudo de ser independente. Os seus mestres, negligenciando o papel dos factores naturais da História, restringiram - pretende então Kautsky - demasiado o valor das suas concepções. Quanto a ele, que de modo algum parte de Hegel mas de Darwin, quer «alargar assim o campo do materialismo histórico até à sua fusão total com a biologia» (17). Mas este aprofundamento revela-se, em última instância, nem mais nem menos do que um retorno às posições da burguesia revolucionária que Marx ultrapassara no contexto da sua critica a Feuerbach. Kautsky, fundamentando-se à maneira dos seus predecessores, os filósofos burgueses, no materialismo naturalista, não pôde, à semelhança daqueles, deixar de conceber a história social numa perspectiva idealista. É por isso que quando fala sobre o Estado retoma pura e simplesmente a velha concepção burguesa, segundo a qual a história do género humano se confunde com a história dos Estados. E conclui a análise do Estado democrático burguês com estas palavras: «A época das lutas de classes violentas está ultrapassada. É pacificamente, graças à propaganda e ao sistema eleitoral, que daqui em diante será possível apaziguar os conflitos, tomar as decisões» (18).

Por não podermos discutir aqui ponto por ponto este volumoso trabalho (19), limitar-nos-emos a acentuar que é nele que do princípio ao fim se torna evidente como foi duvidoso o «marxismo» do seu autor. Com o recuo histórico, apercebemo-nos que Kautsky não deixou de considerar em nenhum momento a sua participação no movimento operário como uma actividade social de tipo burguês. O facto é hoje evidente: Kautsky jamais chegou a compreender verdadeiramente a posição de Marx e Engels ou, pelo menos, esteve longe de supor que pudesse existir uma relação directa entre a teoria e a realidade. Parecia que estudara o pensamento de Marx com seriedade, e na verdade nunca o tomou a sério. Assemelhando-se a tantos padres beatos que se conduzem na prática de modo contrário aos seus ensinamentos, Kautsky não se deu sequer conta da dualidade que separa, na sua essência, o pensamento da acção. Como se desejasse ser aquele burguês de que Marx dissera que queria ser «capitalista unicamente no interesse dos operários»! Mas é claro que Kautsky teria recusado aceder a este feliz estado se para isso tivesse que renunciar aos métodos «pacíficos» da democracia burguesa. «Kautsky afasta a melodia bolchevique que Ihe fere os ouvidos, escrevia Trotsky, sem que no entanto procure uma outra; geralmente, o velho pianista recusa-se a tocar no instrumento da revolução» (20).

Para o fim dos seus dias, Kautsky deve ter constatado a impossibilidade de realização por vias pacificas, democráticas, das reformas com que sonhara; então efectuou uma viragem total. Ele, que outrora se instituíra o defensor de uma ideologia marxista absolutamente desligada do real, e unicamente capaz de servir à parte contraria, fez-se então pregador do liberalismo, ou seja, de uma ideologia igualmente irrealista no quadro duma sociedade evoluindo para um capitalismo de tipo fascista, e que servia a esta sociedade como outrora a sua ideologia marxista havia servido o capitalismo de tipo democrático. «Pretende-se hoje, abertamente, diz ele na sua última obra, desprezar a economia liberal. Mas as teorias de Quesnay, Adam Smith e Ricardo não estão de modo algum ultrapassadas. Marx adoptou os seus princípios essenciais e aperfeiçoou-os, sem nunca contestar que não fosse a produção liberal mercantil a melhor base para o desenvolvimento da produção. A diferença entre Marx e os clássicos é a seguinte: se estes últimos viam na produção de mercadorias por conta privada a única forma de produção concebível, Marx, por seu lado, considerava que a forma de produção mais evoluída, a produção mercantil, viria a engendrar, devido ao seu próprio desenvolvimento, as condições que mais tarde permitiriam a passagem para uma forma de produção superior, a produção social, graças à qual a sociedade, isto é, a população laboriosa no seu conjunto, geriria os meios de produção, não já com vista ao lucro mas com vista à satisfação das suas necessidades. O modo de produção socialista obedece a leis que Ihe são próprias, diferentes portanto em muitos aspectos das leis que regem a produção mercantil. Mas enquanto esta última predominar, funcionará tanto melhor quanto as leis do seu movimento, descobertas na era do liberalismo, forem respeitadas» (21).

É espantoso encontramos semelhantes ideias no homem que foi o editor das Teorias da Mais-Valia de Marx, trabalho que indiscutivelmente mostra que «nunca Marx ou Engels professaram, enquanto vivos, a superficial opinião de que o conteúdo novo da sua teoria socialista e comunista consistiria numa simples consequência Iógica das teorias arqui-burguesas de Quesnay, Smith e Ricardo(22). Isto justifica assim de um modo inequívoco a nossa tese: Kautsky foi um excelente discípulo de Marx e Engels mas unicamente na medida em que podia fazer coincidir o marxismo com os seus conceitos pessoais e limitados não só do desenvolvimento social mas também da sociedade capitalista. A seus olhos, a sociedade «socialista» ou, por outras palavras, a consequência Iógica do desenvolvimento da produção mercantil, não passava de um sistema capitalista de Estado. Kautsky, ao pretender, sem razão, que a lei marxista do valor subsistiria na economia socialista, com a condição de que o valor fosse conscientemente restabelecido e não fixo pelo jogo das leis «cegas» do mercado, foi chamado à atenção por Engels que Ihe contrapôs ser o valor uma categoria estritamente histórica e que, aparecido com o capitalismo, com ele viria a desaparecer(23). Kautsky teve que aceitar este parecer, como mostra o seu trabalho sobre As doutrinas económicas de Karl Marx (1887), onde o valor é considerado uma categoria histórica. No entanto, ao responder em a revolução proletária e o seu programa (1922) a algumas críticas burguesas sobre a teoria económica do socialismo, não hesitou em reintroduzir, no seu esquema de sociedade socialista, a noção de valor, mercado e dinheiro e a de produção mercantil. A categoria, ainda ontem puramente histórica, tornava-se eterna; Engels falara em vão. Kautsky regressara às origens, à pequena-burguesia, a qual odeia igualmente o poder dos monopólios e o socialismo e unicamente aspira a uma transformação quantitativa da sociedade, a uma reprodução alargada do statu quo, a um capitalismo melhorado e revigorado, saído de uma democracia mais real e extensa, em vez de uma sociedade capitalista que não tenha outra escolha senão exacerbar-se em fascismo ou transformar-se em comunismo.

Se Kautsky preferia a produção mercantil de tipo liberal, e a sua expressão política, a uma «economia» de estilo fascista é porque devia ao primeiro destes sistemas a sua longa grandeza e reduzida miséria. Do mesmo modo que outrora contribuíra para apoiar a democracia burguesa, servindo-se de uma fraseologia marxista, ajudava agora a obscurecer a realidade fascista através do uso de todo um palavreado democrático. Em lugar de animar quantos nele depositavam confiança a olharem em frente, incitava-os antes a restaurar o passado, tornando-os simultaneamente incapazes de acção revolucionária. Este homem que, pouco tempo antes de morrer, viria a ser vitima da onda fascista que o levou de Berlim a Viena, de Viena a Praga e de Praga a Amsterdam, publicou em 1937 um livro, Os Socialistas e a Guerra, que demonstra com a máxima clareza que um marxista que tenha trocado a sua concepção materialista do desenvolvimento social por uma concepção idealista é fatalmente levado a esse ponto de regressão em que o idealismo atinge o delírio. Conta-se na Alemanha que Hindenburg, assistindo um dia ao desfile das secções de assalto nazis, se terá inclinado para um dos seus ajudantes de campo e dito: «Não imaginava que tivéssemos feito tantos prisioneiros russos». No seu último livro, Kautsky vivia também ele na hora de Tannenberg(24). A obra descreve, fazendo um resumo, as diferentes atitudes que desde o século XV até aos nossos dias os socialistas e seus precursores adoptaram face ao problema da guerra. Ainda que Kautsky não tenha disso consciência, ele próprio é uma prova do ridículo em que cai o marxismo quando pretende associar as necessidades e exigências do proletariado às da burguesia.

Kautsky redigiu este livro com o fim, segundo as suas próprias palavras, «de determinar a posição a tomar pelos socialistas e democratas no caso da deflagração de uma nova guerra, apesar de todos os nossos esforços para a evitar». E diz: «Não existe resposta directa a esta questão até que as hostilidades hajam começado, e exista a possibilidade de ver quem provocou o conflito e com que fins», acrescentando: «Se a guerra rebentasse, os socialistas deveriam fazer por manter a sua unidade de modo a que a organização sobreviva à experiência e possa colher os frutos dos seus esforços por toda a parte onde quer que os regimes impopulares se afundem. Em 1914 esta unidade quebrou-se e ainda hoje pagamos por essa calamidade. Mas agora as coisas são mais claras do que o eram antes: a oposição entre Estados democráticos e não democráticos é muito mais nítida e estamos no direito de esperar que se acontecesse uma nova guerra mundial, todos os socialistas se encontrariam do mesmo lado - o da democracia»(25).

O que se sabe da última conflagração mundial e do que se Ihe seguiu torna perfeitamente inútil procurar muito longe a causa das guerras e ninguém ignora já com que objectivo a guerra se fez. Mas colocar semelhante questão é muito menos estúpido do que possa parecer à primeira vista. Debaixo de um manto de ingenuidade jaz, na verdade, a vontade de servir o capitalismo sob uma forma, combatendo-o sob uma outra. Trata-se de levar os trabalhadores a participarem na guerra, em troca do direito de voto e do direito de formar organizações, quer ao serviço do capital quer da burocracia dirigente. E a velha política de Kautsky, sempre pronta a trocar uns milhões de cadáveres operários por algumas concessões da burguesia. Na realidade, quaisquer que sejam a natureza política e os objectivos proclamados pelos Estados beligerantes, as guerras capitalistas nunca deixarão de ser guerras pelo lucro, e portanto também guerras contra a classe operária; e visto que é assim, os trabalhadores não têm a menor possibilidade de escolha entre uma participação condicional e uma participação incondicional. Pelo contrário, a guerra - e mesmo o período que precede a sua declaração - será marcada, não só nos países fascistas mas também nos anti-fascistas, por uma ditadura militar absoluta. A guerra acabará por destruir as últimas diferenças que subsistiam entre os regimes democráticos e os outros. Os operários colocar-se-ão atrás de Hitler como já o haviam feito com o Kaiser; apoiarão Roosevelt como tinham outrora apoiado Wilson; morrerão por Estaline como antigamente pelo Tzar.

Considerando que a democracia é a forma natural do capitalismo, Kautsky não viu no aparecimento e propagação do fascismo senão uma doença, um provisório acesso de demência, um fenómeno sem qualquer ligação com o capitalismo. Acreditava verdadeiramente que uma guerra para o restabelecimento da democracia permitiria ao capitalismo progredir de novo em direcção ao seu termo lógico, a comunidade socialista. E esta a razão porque em 1937 Kautsky diagnosticava: «Eis-nos finalmente chegados à época em que é já possível abolir a guerra como meio de resolver os conflitos entre nações»(25) e predizia: «A política de conquista levada a cabo pelo Japão na China, ou pelos italianos na Etiópia, será o último vestígio dos tempos passados, do período do imperialismo. Tudo leva a crer que não haverá mais guerras deste género» (27).

Idênticas fórmulas abundam neste livro, fazendo crer que o mundo do seu autor se reduzia às quatro paredes de uma biblioteca, na qual faltavam prateleiras consagradas à história contemporânea! Na verdade, Kautsky pensava que, mesmo sem guerra, o fascismo seria vencido e a democracia restaurada; a evolução pacifica para o socialismo poderia então retomar o seu curso, como nos bons dias anteriores ao fascismo. Porquê? Porque, dizia ele, «o carácter pessoal da ditadura demonstra, por si só, que a duração desta não poderá exceder o período de uma vida humana» (28).

Kautsky estava assim convencido de que o episódio fascista seria seguido de um retorno «à normalidade», a uma democracia abstracta, cada vez mais socialista, que aperfeiçoaria as reformas conseguidas durante a gloriosa época da participação dos socialistas no governo. Ora, entra pelos olhos dentro que a reforma fascista é hoje a única reforma objectivamente possível que o capitalismo pode realizar. De facto, o «programa de socialização» que os sociais-democratas jamais ousaram pôr em prática enquanto detiveram o poder, foi em grande parte realizado pelos fascistas. Do mesmo modo que as reivindicações da burguesia alemã não foram satisfeitas em 1848 mas só depois, pela contra-revolução que se seguiria, assim o programa da social-democracia só foi levado a cabo por Hitler. Foi, na verdade, graças a este, e não à social-democracia, que velhas aspirações socialistas, tais como o Anschluss da Áustria e o controle estatal da indústria e bancos, deveria entrar na ordem dos factos. Foi Hitler, e não a social-democracia, quem proclamou feriado o 1.º de Maio. E de um modo mais geral basta comparar o que os socialistas diziam querer, mas que nunca fizeram, com a política praticada na Alemanha depois de 1933, para nos apercebermos que Hitler realizou a seu bel-prazer o programa da social-democracia dispensando os seus serviços. Como Hitler, os sociais-democratas combatem quer o bolchevismo quer o comunismo e, como ele, preferem a organização de um controle estatal a um sistema de capitalismo de Estado tão desenvolvido como o da Rússia. Mas os sociais--democratas jamais tiveram a audácia de tomar as medidas exigidas para a execução deste programa e foi Hitler quem disso se encarregou. Do mesmo modo que Kautsky se revelou incapaz de imaginar sequer que uma teoria marxista podia desembocar numa prática marxista, também não chegou a compreender que uma política de reforma capitalista deve ter efeitos práticos e que essa foi precisamente a obra do fascismo. Se a vida de Kautsky pode ensinar qualquer coisa aos trabalhadores, é que a luta contra o fascismo se desdobra necessariamente numa luta contra a democracia burguesa, contra o Kautskysmo. Na verdade, não estaremos a exagerar sobre a vida de Kautsky se a resumirmos do seguinte modo: de Marx a Hitler.

PAUL MATTICK - 1939

NOTAS:

1. Friedrick Adler, Der sozialistische Kampf, 5-11-1938, p. 271.
2. K. Kautsky, Aus der Fruhzeit des Marxismus, Praga, 1935 p. 20.
3. K. Kautsky, Aus der Fruhzeit des Marxismus, Praga, 1935 p. 93.
4. K. Marx, Le Capital I, 3, p. 59.
5. Rosa Luxemburgo in: Die Internationale, Primavera de 1915.
6. Lenine, Oeuvres, 35, p. 164.
7. K. Kautsky, La Révolution Sociale, trad. francesa, Paris, 1921.
8. K. Kautsky, Sozialisten und Krieg, Praga, 1937
9. K. Kautsky, Aus der Fruhzeit des Marxismus, Praga, 1935 p. 50.
10. Id., p. 112
11. Aus der Fruhzeit des Marzismus, p. 155.
12. ldem, p. 275.
13. Cf. a série de artigos que Kautsky publicou em 1902 na Die Neue Zeit.
14. K. Kautsky, Die Materialistische Ceschichtsauffassung, Berlim, 1927.
15. H. Grossmann descreveu excelentemente em Akkumulations und Zusammenbruchsetx des Kapitalistischen System (Leipzig, 1929) e criticou como convinha o carácter limitado das teorias económicas de Kautsky e a sua transformação com o tempo.
16. Die Materialistische Geschichtsazcffassung> op· cit., II, p. 60.
17. Die Materialistische GeschichtsauffasszLng, op. cit., II, p. 629.
18. Id., II,p.431
19. Remetemos o leitor à critica exaustiva que Karl Korsch fez da obra em questão: Die materialistische Geschichtsauffassung. Eine Auseinandersetzung mit Karl Kautsky, Leipzig, 1929 [tradução francesa: L’Anti-Kautsky, Editions Champ Librel.
20. L. Trotsky, Terrorisme et communisme, Paris, 1963, p. 278.
21. K. Kautsky, Sozialisten und Krieg, op. cit., p. 665.
22. K. Korsch, Karl Marx, Éd. Champ Libre, Paris, 1971, p. 99. Cf. também os prefácios de Engels à edição alemã de Miséria da Filosofia (1844) e ao Livro Segundo de O Capital (1885).
23. Aus der Frühzeit des Marsismus, op. cit., p. 145.
24. Aldeia da Prússia oriental onde, em Agosto de 1914, os exércitos do marechal Hindenburg, futuro presidente de Reich, aniquilaram as tropas do Tzar
25. K. Kautsky, Sozialisten und Krieg, op. cit., p. VIII.
26. Id., p. 265.
27. Id., p. 656
28. Id., p. 646

A FORÇA CONTRA-REVOLUCIONÁRIA DOS SINDICATOS (Anton Pannekoek)

... Da mesma forma que o parlamentarismo representa o poder espiritual das massas trabalhadoras, o movimento sindical representa o poder material. Em regime capitalista, os sindicatos constituem as organizações naturais com vista à reunião do proletariado; e sob este aspecto, Marx relevava-lhe, e muito, a importância.

Em período de capitalismo desenvolvido e ainda mais na época imperialista, estes sindicatos transformaram-se cada vez mais em ligas gigantes que apresentam as mesmas tendências evolutivas já determinadas no corpo do próprio Estado. Formou-se neles uma classe de funcionários, uma burocracia que dispõe de todos os meios de poder e organização: dinheiro, imprensa, nomeação dos funcionários subalternos....E os sindicatos correspondem também ao Estado e respectiva burocracia pois, apesar da democracia que aí reina, os seus membros não são capazes de fazer valer a sua vontade contra a burocracia; qualquer rebelião, antes mesmo de poder abalar as cúpulas, destrói-se contra o aparelho artificial dos regulamentos e dos estatutos. Só por uma tenacidade obstinada uma oposião logra, por vezes, ao fim de anos, obter um sucesso modesto que se limita no máximo a uma mudança de pessoas. Foi por isso que nos últimos anos, tanto antes como depois da guerra, na Inglaterra, na Alemanha e na América tiveram lugar com frequência revoltas de sindicalizados que entraram em greve por sua própria iniciativa, contra a vontade dos chefes ou decisões das próprias ligas.


Que isso tenha sucedido e tenha sido considerado coisa natural, demonstra já que a organização não é o conjunto dos que estão organizados, mas qualquer coisa que lhes é exterior; que os trabalhadores não se identificam com a sua liga, que esta se mantém acima deles como um poder exterior, contra o qual se podem revoltar, se bem que tenha saído deles - é mais uma vez o que acontece também com o Estado. Mal a revolta é dominada, restabelece-se a dominação antiga. Apesar da raiva e do rancor impotente das massas, apoiando-se na sua indiferença, na sua ausência de visão clara e de vontade unitária e contínua, suportada pela necessidade interna do sindicato enquanto meio único para os trabalhadores de encontrar uma força nos conflitos contra o capital.


O movimento sindical na medida em que lutava contra o capital, contra as suas tendências absolutistas e geradoras de miséria, refreando-o e tornando assim possível uma existência limitada à sua função nos quadros do capitalismo, o próprio sindicato, era portanto, um membro da sociedade capitalista. Mas com o aparecimento da revolução, assim que o proletariado, de membro da sociedade capitalista passa a seu destruidor, o sindicato entra em conflito com o proletariado.


O sindicato torna-se legalista, sustentáculo declarado do Estado e por ele reconhecido, ou então avança com a palavra de ordem a "reconstrução da economia antes da revolução" quer dizer manutenção do capitalismo...


Presentemente o parentesco entre as ligas sindicais,...e o organismo do Estado, tornou-se ainda mais estreito.


Os funcionários sindicais estão de acordo com os funcionários de Estado, não somente na medida em que, pelo seu poder mantêm os proletários para lucro da burguesia, mas também porque a sua política tende cada vez mais a enganar as massas por meios demagógicos e a ganhá-las unicamente em vista do seu acordo com os capitalistas. Além disso o método muda segundo as circunstâncias: sórdido e brutal na Alemanha, onde os chefes das organizações, pela força e pela mentira impõem aos trabalhadores o trabalho à peça e o aumento do horário de trabalho: astuciosamente refinado na Inglaterra, onde esta burocracia sindical - da mesma maneira que o governo - dá a impressão de deixar levar contra a sua vontade pelos trabalhadores, enquanto na realidade sabota as sua reivindicações.


Por consequência, o que Marx e Lenine precisaram a propósito do Estado, deve igualmente valer para as organizações sindicais: quer dizer que, apesar de democracia formal, a sua organização torna impossível torná-las um instrumento da revolução.


A força contra-revolucionária dos sindicatos não pode ser enfraquecida e destruída por uma mudança de pessoas, pela substituição dos velhos chefes reaccionários por dirigentes radicais ou revolucionários. É justamente a forma desta organização que torna as massas quase impotentes e as impede de fazer dos sindicatos os órgãos da sua vontade.


A revolução só pode vencer destruindo tal organização, transformando por assim dizer radicalmente a forma da organização, para construir qualquer coisa radicalmente nova: o sistema dos Conselhos. A sua instauração é capaz de extirpar e de eliminar não somente a burocracia estatal, mas também a dos sindicatos: não só formará órgãos políticos novos do proletariado em oposição ao parlamento, mas também as bases dos novos sindicatos. Nas lutas dos partidos na Alemanha, ironizou-se frequentemente a afirmação de que uma dada forma organizativa pode ser revolucionária, dizendo-se que isso dependia somente dos sentimentos revolucionários dos homens, das organizações. Mas se o conteúdo fundamental da revolução consiste no facto de as próprias massas tomarem nas suas mãos os seus próprios assuntos, a direcção da sociedade e da produção, então é contra revolucionária e nociva toda da forma de organização que não permita às massas dominar e governar por si mesmas; portanto deve ser substituída por uma outra forma que é revolucionária na medida em que permite aos trabalhadores decidir activamente por si mesmo sobre tudo.


Isto não deve significar, que o caso de uma classe operária ainda passiva, se deva antes de tudo criar e aperfeiçoar esta forma nova, na qual depois possa ser activado o espírito revolucionário dos operários.


Esta nova forma organizativa tem que criar-se a si mesma no decorrer do processo revolucionário pelos trabalhadores que começam a estar em revolução. Mas o reconhecimento do significado da forma organizativa actual determina a atitude que os comunistas devem assumir face às tentativas que já se manifestam de enfraquecer ou suprimir uma tal forma.


No movimento sindicalista e ainda mais no movimento dos sindicatos industriais (I.W.W.) aparece já a tendência a restringir o mais possível o aparelho burocrático e a procurar todas as forças na actividade das massas.


Por este facto a maior parte dos comunistas pronunciou-se a favor destas organizações contra as ligas centrais. Mas na medida em que isso depende do capitalismo, tais formações novas não podem adquirir grande importância - a importância da organização americana I.W.W. provém da circunstância especial de existir um proletariado numeroso, não instruído e não educado pelas velhas ligas. O sistema soviético está muito mais próximo dos Shop-Comités e dos Shop-Stewards da Inglaterra que são órgãos das massas em oposição à burocracia e que provêm da prática da luta. Modeladas de forma ainda mais precisa sobre a ideia soviética mas fracas pelo atraso da revolução temos na Alemanha as Uniões. Cada formação nova desse género, que enfraquece as ligas centralizadas e a sua coesão interna, ultrapassa um obstáculo à revolução e enfraquece o poder contra-revolucionário da burocracia sindical. Seria certamente uma ideia atraente fazer reentrar essas forças da oposição revolucionária nos quadros das velhas organizações, com as esperança que elas pudessem conquistar a maioria e portanto, tornar-se senhoras dessas organizações e transformá-las. Mas isso seria antes de mais uma ilusão, da mesma forma que seria ilusória a ideia de conquistar o Partido Social-Democrata - porque a burocracia conhece bem a arte de isolar uma oposição, antes desta se tornar perigosa; em segundo lugar, a revolução não se desenrola nunca segundo um programa uno e igual, mas as explosões elementares dos grupos activos sobre o plano passional, enquanto força propulsiva, tem nela um papel importante. em consequência, se os comunistas por considerações oportunistas com vista a sucessos aparentes, se opusessem a tais forças em benefício das ligas centrais, reforçariam os obstáculos que mais tarde se lhe oporiam com um energia maior.


A criação pelos trabalhadores dos seus próprios órgãos de poder e de acção, os sovietes; os conselhos, implica já a deslocação e a dissolução do estado. O sindicato sendo uma organização muito mais jovem, moderna e nascida espontaneamente, manter-se-á ainda algum tempo porque tem raízes numa tradição de relações que se criaram e desenvolveram de forma autónoma, e portanto conserva ainda um lugar na ideologia do proletariado, mesmo depois de este último ter ultrapassado já as ilusões democrático-estatais. Da mesma forma que os sindicatos saíram do próprio proletariado, enquanto produtos da sua força criativa, também haverá sempre neste domínio formações novas para tentar adaptar os próprios às novas relações; neste domínio, seguindo o processo da revolução, formas novas de luta e de organização em contínua transformação e evolução serão criadas sobre o modelo dos Sovietes.