A extensão do tráfico joga por terra a idéia de que esse comér¬cio possa ser organizado por bandos, por mais poderosos que eles sejam. Os maiores organizadores do tráfico são Estados que con¬tam com poderosos apoios e, em particular, os que contam com o apoio dos EUA.
É preciso lembrar o caso de certos países que ocupam um lugar de destaque nesse dispositivo, em primeiro lugar o caso do Peru.
A) Peru: o exército, ponta de lança do tráfico
Em nome do combate à guerrilha, o exército peruano ocupou um lugar central no país. Depois do golpe de Estado de Fujimori em abril de 1992, este papel é maior e determinante. Isto não impede o governo de adotar leis contra o lavagem de dinheiro da droga. Assim o jornal La Republica, de 25 de maio de 1993, afirmava: “A lei jamais foi aplicada e ninguém, nunca foi preso por lavagem de dinheiro da droga”. Contudo, e aos olhos de todos, bilhões por ano são injetados na economia peruana, provenientes da droga. Nas ruas de Lima se trocam diariamente alguns milhões de dólares. É o último elo de uma cadeia que começa na região do alto Huallaga, a grande região de produção da droga.
Segundo o Despacho Internacional das Drogas nº 18, o exér¬cito havia “reagrupado” quinze organizações de traficantes para que as taxas pagas à guerrilha fossem agora recebidas pelos mili¬tares. Esta fração do exército implicada no tráfico de drogas deu sustentação a Fujimori, desde o golpe militar de abril de 1992. As¬sim, um antigo agente da CIA, Vladimir Montesinos, conselheiro de Fujimori, colocou no centro deste golpe militar, em postos da polícia e do exército, oficiais ligados ao narcotráfico.
B) O bom aluno do FMI: O México
O México, depois da crise da dívida em agosto de 82, foi apre¬sentado como um país exemplar na aplicação dos planos do FMI.
Desde a entrada em vigor do NAFTA4 à nova crise financeira do final de 1994, que levou à desvalorização de mais de 40% do peso, o México viu eclodirem todas as crises possíveis para um re¬gime velho de sessenta e cinco anos. É um país - chave para os EUA que consideram sua estabilidade como um problema interno do imperialismo americano, e que fizeram do regime do partido-Estado, o PRI (partido revolucionário institucional), um aliado de primeira ordem. Isto permitiu ao PRI fazer um acordo tácito com os traficantes de droga que controlam a maior parte do maior mer¬cado do mundo, o dos EUA.
Estamos diante de uma verdadeira lição sobre a economia da droga. Em primeiro lugar pela situação geográfica privilegiada do México em relação aos EUA.
Em segundo lugar, existe o esfacelamento das instituições políticas do México, particularmente após a fraude eleitoral de ju¬lho de 1988, quando da eleição de Salinas. Seu governo acelerou to¬das as medidas de privatização e de submissão aos Estados Unidos, facilitando a emergência de poderosos cartéis da droga (se contam 197 em 1995). O mais importante desses cartéis é o cartel do Golfo, ou o de Matamoros.
Recentemente, o ex-presidente Salinas “admitiu que o tráfico de cocaína e de outras drogas ilegais representava uma cifra próxi¬ma de 100 bilhões de dólares anuais. O DEA (agência de combate às drogas dos EUA) e fontes de informação locais como o jornal de oposição La Jornada estimam que este tráfico represente entre 25 e 30 bilhões de dólares por ano”5.
Isso é o dobro das receitas da indústria de petróleo mexica¬no, equivale ao custo total do serviço da dívida externa do país em 1994. Sobre a dívida externa é preciso dizer que era de 80 bilhões de dólares em 1982, e hoje, depois de todos os planos de ajuste, de reescalonamento e do desembolso de 100 bilhões de dólares, o México deve “apenas” 160 bilhões de dólares.
Mas é preciso ainda explicar como o tráfico de drogas alcançou esta importância. Após a crise de 1982, o México não tinha acesso a empréstimos externos e o governo da época permitiu a lavagem em contas abertas nos bancos nacionalizados.
Com o NAFTA, o tráfico e todas as operações de lavagem se desenvolveram ainda mais. Na realidade, a cocaína e as outras dro¬gas são os produtos mais competitivos diante da invasão de merca¬dorias provenientes dos EUA. Ademais, o “boom” das drogas ia no mesmo sentido da política de Salinas, particularmente as privatiza¬ções. Isto explicaria o assassinato de Luís Donaldo Colossio, candi¬dato do PRI às eleições de 1994, apresentado como o candidato dos americanos, pois ele havia prometido acabar com este tráfico (na realidade, acabou com o não controle, pelos EUA, deste tráfico).
Não é também por acaso que o programa apresentado pelo novo presidente Zedillo dá um lugar especial ao combate ao nar¬cotráfico. Enquanto isso, as privatizações fornecem um canal per¬feito para a lavagem de bilhões da droga diretamente pelos bancos americanos que investem no México.
Assim, o artigo já citado de Cristopher Whaler afirma: “Um dos métodos empregados pelos traficantes durante os seis anos de presidência de Salinas consiste em comprar as empresas públicas privatizadas, principalmente os bancos comerciais e grandes em¬presas como a Telmex, principalmente graças aos títulos da dívida pública comprados no mercado secundário” (os “títulos podres” do plano Brady).
C) O caso limite do Paquistão
“Segundo os economistas, as somas provenientes do nar¬cotráfico que entram no Paquistão representariam de 2 a 4 bilhões de dólares anualmente. Estimativas razoáveis, sobretudo quando se sabe que a agência de Miami do BCCI geria fundos dos serviços secretos paquistaneses”6.
O apoio ao regime paquistanês mudou, como conseqüência da guerra comercial entre o imperialismo americano e os demais subordinados. Assim, a ditadura militar do general Zia foi apoi¬ada pelos EUA, principalmente durante a guerra do Afeganistão, e o regime paquistanês ocupou um lugar central na ajuda aos op¬ositores à intervenção militar da burocracia do Kremlin. Depois, as coisas mudaram. Em 1990, a ajuda americana foi suspensa, e a questão da droga tornou-se um elemento de chantagem exercida sobre o Paquistão.
Mas o governo francês tomou o lugar (quando a França é a maior vítima da heroína paquistanesa). Em setembro de 1992, Pierre Joxe, ministro da Defesa na época, assinou um acordo com¬ercial no valor de 740 milhões de dólares vendendo três submari¬nos Augusta à Marinha paquistanesa; e, no início de fevereiro, um acordo de cooperação nuclear para fins civis foi assinado entre a França e o Paquistão. Enquanto isso, a muito livre imprensa franc¬esa, que fala todos os dias dos cartéis colombianos, esquecia ou era discreta sobre o principal fornecedor de heroína da Europa: Esti¬ma-se que entre “70 a 80% das 25 toneladas de heroína consumi¬das por um milhão de toxicômanos na Europa(...) vêm, hoje em dia, do crescente de ouro: Irã, Afeganistão, Paquistão, Índia...”7.
Outros Regimes: Fiéis Aliados dos EUA
O caso de Noriega, no Panamá, tornou-se célebre, particu¬larmente pela sorte trágica do Panamá, submetido novamente, em dezembro de 1989, a uma invasão americana que custou milhares de vidas.
O objetivo oficial era o de capturar um narcotraficante, o di¬tador Noriega - antigo agente ou aliado da CIA. E após a invasão, o tráfico não diminuiu mas, pelo contrário, aumentou: calcula-se que os bancos panamenhos tenham dobrado ou triplicado a quantidade de dinheiro lavado. A única diferença é que isso agora é feito sob o controle das autoridades americanas de ocupação.
Os regimes aliados dos EUA são também regimes que trafi¬cam sem nenhum pudor. O regime tailandês, fiel aliado dos EUA no Sudeste asiático antes, durante e depois da guerra do Vietnã, beneficia-se da não vigilância dos EUA sobre o tráfico do qual par¬ticipam freqüentemente as mais altas autoridades do país.
O apoio ao regime libanês sob tutela da Síria, que ocupa lugar central na estratégia dos americanos depois da Guerra do Golfo, faz com que fechem os olhos para a utilização de fundos provenientes da droga do planalto de Bekaa, que são investidos em imóveis para a reconstrução de Beirute.
Outras potências imperialistas mantêm a mesma política. Apesar de mais da metade do haxixe consumido na França e na Espanha vir do Marrocos, onde o tráfico goza da proteção dos que deveriam combatê-lo, esses países dão apoio irrestrito à monarquia marroquina diante do perigo de desestabilização a partir da Ar¬gélia. O fato de a monarquia estar diretamente envolvida no trafico é relegado a segundo plano.
É preciso dizer que a presença ou intervenção militar im¬perialista facilita ou encoraja a produção e o tráfico da droga: é o que ocorreu com o exército francês na Indochina, que estimulou a cultura de papoula nas zonas montanhosas do Laos para escoar o produto final através dos meios mafiosos franceses (particular¬mente da Córsega, ao que parece). Esta política foi continuada e ampliada pelos americanos, contra a China e, na guerra do Vietnã e ainda hoje através do apoio ao regime birmanês.
Após o esfacelamento da URSS, a administração americana utiliza sua campanha oficial antidroga para organizar pressões em relação a negociar os globais, seja de ordem militar ou econômica.
Os Planos de Ajuste Estrutural e a Produção da Droga
A Índia, as causas do desenvolvimento da produção são a crise da agricultura tradicional e os efeitos do plano de ajuste estru¬tural imposto pelo FMI e o Banco Mundial. Estes estipulam, por ex¬emplo, que o governo pare de subvencionar os insumos comprados pelos pequenos agricultores. “No estado de Kerala, ao sul do pais, é a alta do custo de produção de condimentos como o cardamono, pimenta e gengibre e a queda do preço da compra que provocam o incremento das culturas de cannabis” 8.
No Peru, sob o efeito do “Fujichoque”, em agosto de 1990, o programa de ajuste estrutural peruano fez com que, entre outros, o salário do trabalhador agrícola da Serra peruana descesse a 7,50 dólares por mês. O milho, o arroz, o tabaco e outras culturas desta natureza foram duramente afetadas pela liberalização incluída no programa do FMI. A selva peruana foi praticamente isolada devido ao aumento dos combustíveis e dos insumos agrícolas.
O programa do FMI levou os camponeses a se restringirem à cultura de coca. De outro lado, isso afundou o sistema bancário nacional: demissão de bancários e desintegração dos bancos do Es¬tado. Os créditos à agricultura e à indústria foram suprimidos, tudo se orientando para a especulação. A bolsa de Lima tornou-se em 1994 a mais rentável do mundo! Belo resultado!
Fechando com chave de ouro, em 1991, o Peru assinou um acordo antidroga com Washington. A ajuda antidroga não seria concedida enquanto não fossem adotados os planos do FMI. As¬sim, justificou-se o envio de tropas especiais, o controle militar da cúpula do Estado peruano, que se tornou marionete da embaixada americana. Desde que Fujimori controle a situação. Depois da der¬rota de seu referendo de 31 de outubro de 1993, os EUA aventaram a possibilidade de apoiar o candidato Perez de Cuellar, ex - secretário da ONU.
Na Costa do Marfim o desenvolvimento da cultura da can¬nabis coincide com a aplicação, entre 1984 e 1988, dos primeiros planos de ajuste estrutural. Com efeito, a derrocada da cotação mundial do cacau obrigou os camponeses a procurarem culturas alternativas. É a partir daí que a cannabis começou a ser produzida em massa. Com a cumplicidade da polícia e dos altos funcionários do Estado, são organizados um mercado local e o “comércio” com outros países.
A introdução da cultura da papoula e de outras plantas tem relação direta com a degradação da situação econômica dos cam¬poneses da América Latina, África e Ásia. Assim, a queda das co¬tações no mercado mundial de matérias primas agrícolas, como o café e o cacau e o peso acachapante da dívida são também fatores que estimularam diretamente aquelas produções.
As Privatizações e o Desenvolvimento da Produção de Droga
Desde 1989, o plano Brady, imposto aos países subdesen¬volvidos para “permitir” o pagamento dos serviços da dívida, criou uma nova modalidade de reestruturação da dívida externa interna¬cional: sua privatização.
De 1989 a 1993, a dívida pública só aumentou 3%, enquanto a dívida privada aumentou 62%. Por quê? Porque a reconversão da dívida pública em dívida privada é feita através de uma gigantesca estrutura financeira internacional especulativa, em particular nos mercados de “títulos podres”... Assim, na América Latina, a partir de 1989, os investimentos estrangeiros especulativos se desenvolvem, e, dos 61 bilhões de dólares que entraram nesses mercados, apenas 18 bilhões foram investidos na produção. Podemos dizer que 71% dos investimentos estrangeiros na América Latina são improdutivos. O plano Brady facilitou a entrada no circuito financeiro “normal” de bilhões de dólares sujos drenados para bancos americanos ou para paraísos fiscais do Caribe, e reinvestidos na América Latina em busca de altas taxas de juros.
A Importância do Tráfico de Drogas na Economia de Alguns Países e o Desenvolvimento de Conflitos Armados
A venda de drogas equivale a 110% das importações da Améri¬ca Latina e a 30% de sua dívida, a 230% das exportações da África, a 80% das da Grã-Bretanha e a 70% das da França.
Em 1989, a título de comparação, as despesas de armamentos representaram 950 bilhões de dólares. A isso deve-se acrescentar que o tráfico de drogas e o de armas desenvolvem-se paralelamente, principalmente pela multiplicação de conflitos armados e da forma que eles tomam atualmente. Um estudo detalhado permitiria mos¬trar que em todos ou quase todos os oitenta conflitos armados ex¬istentes, o tráfico de drogas ocupa um lugar essencial.
Mesmo que isso não seja uma novidade, é preciso lembrar que a guerrilha dos “contra” em oposição ao regime sandinista no início dos anos 80 foi financiada pela CIA em ligação direta com o trá¬fico de drogas dos cartéis colombianos e de figuras como Noriega no Panamá (Isso não impediu que os americanos acertassem suas contas com o antigo aliado no final de 1989).
O Desmoronamento das Burocracias Stalinistas e o Tráfico de Drogas
A Birmânia é um dos grandes produtores do Triângulo de ouro, se não for o maior. Desde os anos 60, os grupos armados do Kuomintang (KMT) detinham um quase monopólio do tráfico de drogas na Tailândia; nos anos 80, para manter seu poder sobre o mercado, o KMT fez um acordo com os stalinistas birmaneses do Partido Comunista da Birmânia, que controlavam o nordeste do Estado de Shan.
Depois do esfacelamento do Partido Comunista da Birmânia, em março de 1989, uma nova organização, a UWSP, tomou seu lugar.
O regime atual, a ditadura militar do SLORC (aliado dos EUA), controla o tráfico de heroína (a Birmânia, hoje, é o primeiro expor¬tador mundial) com os ex-stalinistas, sobre a base do controle do território do Nordeste. O acordo implica que não haverá qualquer apoio às rebeliões das minorias.
Por outro lado, a burocracia de Pequim fornece armamentos ao SLORC, sempre dizendo que combate a toxicomania e o tráfico na China.
Após 1991, o esfacelamento do PCUS e a aceleração do des¬mantelamento das estruturas estatais, as medidas de privatização e de introdução da economia de mercado provocaram uma ex¬plosão da produção e do tráfico de drogas, muitas vezes ligados aos conflitos étnicos e ao financiamento das guerras. “Nada há de surpreendente, por exemplo, que o conflito iugoslavo tenha feito desviar uma parte das rotas da droga para a Hungria. No plano interno, os efeitos perversos das privatizações e as necessidades urgentes de divisas criaram um contexto favorável à produção de drogas e à lavagem de dinheiro sujo”.
A desarticulação do sistema bancário centralizado oferece incomparáveis facilidades para a lavagem e, de um modo geral, o crime organizado se aproveita da desorganização das estruturas sociais.
Hoje, a Romênia é uma plataforma para esse tráfico. A cor¬rupção paralisou as forças de repressão que foram herdadas das redes armadas no regime de Ceaucescu.
As antigas nomenclaturas não são as únicas que participam nesses negócios. Na Bolívia, por exemplo, o antigo chefe de Esta¬do e atual vice-presidente da Internacional Socialista, Jaime Paz Zamora, admitiu durante uma entrevista á imprensa que “foram cometidos erros na luta contra o narcotráfico”. As ligações entre Paz Zamora e os principais traficantes de cocaína do país são mais do que conhecidas. Ele ficou célebre também porque, em nome da utilização tradicional pelos camponeses (que mascam a folha de coca) propôs o livre comércio de cocaína.
Mas Paz Zamora não é um caso isolado; o enorme desenvolvi¬mento do tráfico de drogas depois das medidas de desregulamentação do governo González na Espanha, nos levam a considerar como uma política geral levada pelos partidos da Internacional Socialista - IS.
Com efeito, a IS e seus partidos estão na vanguarda dos que defendem a “legalização” e também da proposta de resolver o prob¬lema da droga com drogas substitutas, como a metadona proposta feita por Kouchner (ex-ministro socialista da Saúde na França).
Isso está ligado ao “tratamento’’ humanitário da droga, com a abertura de centros por parte de associações, ONGs e outras, para “ajudar” os drogados. Uma “rede social” para permitir a manutenção do tráfico e de seus lucros.
As Conseqüências do Esfacelamento da URSS para o Cultivo e o Tráfico
Depois da desagregação da URSS, os meios para controlar o tráfico se desintegraram. Cada república resolve, por si só, seus problemas. A Ásia Central ex-soviética tornou-se o segundo produ¬tor mundial de ópio em 1992 (2.500 toneladas). Há uma situação intestina de guerra civil em potencial rica em perspectivas para o comércio de narcóticos.
Com uma poderosa indústria química, a Comunidade Econômica Independente (formada pelo países da ex-URSS) é a campeã na produção de drogas sintéticas. Só em 1992, a brigada de entorpecentes descobriu Moscou cinco novas drogas.
As máfias saídas da nomenclatura tomaram em suas mãos o comércio de narcóticos nas grandes cidades. Mas também es¬tão ligadas ao tráfico de metais raros ou não ferrosos e com malversações bancárias de toda a espécie. A ligação entre a liquidação da propriedade estatal e o tráfico de drogas está perfeitamente estabelecida, assim como a interpenetração entre as máfias e os aparelhos políticos dos diferentes partidos criados.
As privatizações – liquidações, o investimento de dinheiro sujo são fenômenos paralelos. O sistema financeiro internacional tem necessidade do dinheiro sujo.
O desenvolvimento da informática e dos sistemas integrados facilitaram os movimentos dos capitais, a lavagem e a reciclagem de dinheiro sujo.
O FMI propõe, no quadro dos planos de ajuste estrutural, a desregulamentação do sistema bancário nacional. Isso não diz respeito apenas aos oitenta países que aplicam os planos de ajuste estrutural.
As medidas de liberalização bancária propostas pela União Européia vão no mesmo sentido. A entrada de divisas é o principal objetivo, todas as barreiras devem cair para tanto. Essas divisas, convertidas a partir do dinheiro sujo, são empregadas na aquisição de ativos imobiliários ou na compra de empresas estatais leiloadas nos programas de privatização, mas nunca ou raramente em inves¬timentos produtivos.
O Caso da Hungria e de Outros Paraísos Fiscais
“Enfim, o regime precedente, para facilitar sua política de abertura em direção ao mercado internacional tinha criado um banco internacional oficialmente chamado “off shore”, o Banco Internacional da Europa Central, de que são acionistas grandes bancos estrangeiros podendo efetuar livremente operações de divisas com o exterior. Os observadores temem que isso daria um novo estímulo às práticas duvidosas detectadas até então.
No que diz respeito aos bancos, um decreto com força de lei desde 1º de janeiro de 1 992 estipula que a parte do Estado deve ser reduzida a 25% no máximo em 1997. Um apelo foi lançado aos bancos internacionais – Barclays, de Zoete Wedd, Crédit Comer¬cial de France, Crédit Suisse, Merill Lynch, Morgan Stanley, Salo¬mon Brothers etc. – para que eles investissem na privatização dos quatro mais importantes bancos húngaros. Isso poderia permitir a alguns deles, já implicados em negócios de lavagem de dinheiro, terem sucursais na Hungria, o que lhes permitiria contornar os controles em seus próprios países”.
Na Suíça, onde, no decorrer dos anos, foram lavados bilhões de dólares, produto do tráfico. A nova lei Contra o tráfico serve para condenar os toxicômanos. Todas as pressões vão no sentido de reforçar a repressão contra os usuários, a criação de uma “verda¬deira” polícia federal... mas respeitando o sistema financeiro.
O relatório da comissão de inquérito da Assembléia Nacional de 27 de janeiro de 1993 mostra o lugar dos paraísos fiscais colo¬cados sob a autoridade francesa (Mônaco, Antibes) que lavam 2,8 bilhões de dólares anuais: e, na praça de Paris, dizem que estão na origem da crise imobiliária.
Os Principais Beneficiários do Tráfico e da Lavagem do Dinheiro
De início não se pode considerar apenas os lucros anuais do tráfico, mas também sua acumulação no tempo.
De 1980 a 1994, 80% destes 200 a 500 bilhões de dólares an¬uais são colocados a taxas de juros anuais de 9%, o que dá um lucro acumulado de mais de 3 trilhões de dólares anuais. Esta soma é suficiente para intervir em todos os setores da economia mundial.
De uns anos para cá, as atividades de lavagem se multipli¬cam em novos países, particularmente nos países do Leste europeu. Todos os representantes dos ex-países do Leste são obrigados a reconhecer que sua política de privatização, principalmente no setor imobiliário, facilita as operações de lavagem.
Uma boa parte do dinheiro investido na Alemanha do Leste tem também origem criminosa. A lavagem de dinheiro na rede bancária internacional beneficia-se do empurrão que representam os esforços dos credores para honrar o serviço da dívida externa. O FMI não se interroga sobre as origens do dinheiro que reembolsa as dívidas ou os juros.
A Espanha se transformou no “mercado europeu” das drogas, devido ao acesso relativamente fácil a seus bancos, suas casas de câmbio, a seu setor imobiliário, da complacência das instituições, dos governos locais, da cumplicidade das polícias (por exemplo, em outubro de 1992, a unidade de luta antidroga da guarda civil foi desmantelada).
A Áustria, depois da abertura das fronteiras dos países do Leste, está entrando na União Européia e vai, sem dúvida, ter um papel importante na lavagem de dinheiro da droga. Em 1994, este país de menos de 8 milhões de habitantes tinha 40 milhões de con¬tas bancárias. Durante os três primeiros meses de 1994 (segundo o “Despacho Internacional das Drogas”, de maio de 1994) os bancos acusaram operações suspeitas de mais de 2 bilhões de dólares, dos quais somente 1% pode ser incriminado.
Onde as contas são mais claras é no tráfico da cocaína em re¬lação ao que fica nos países produtores e os grandes consumidores.
Os Produtores de Droga e a Lavagem do Dinheiro
Os grandes países produtores como a Colômbia, o Peru, a Bolívia, o Paquistão ou a Birmânia, recuperam em suas economias menos de 10% do produto desses recursos. Assim, sobre 36 bilhões de receitas anuais com cocaína, entre 1,5 e 2 bilhões de dólares per¬maneceram no Peru, dos quais cerca de 750 milhões a 1 bilhão de dólares são trocados em moeda nacional através do sistema finan¬ceiro local (na rua).
Isso representa cerca de 1,5 bilhão de dólares na Bolívia e mais ou menos isso na Colômbia. O que dá uma taxa máxima de alguns bilhões de dólares para os países produtores de cocaína, que são reinvestidos nos sistemas financeiros locais. Os 80% restantes vão para os grandes bancos internacionais.
Segundo os especialistas do GAFI, 80% das receitas do tráfico são lavadas anualmente através do sistema bancário e financeiro internacional. Os 20% restantes são repatriados nos países produ¬tores ou representam despesas dos diversos traficantes.
“Antes de qualquer coisa, é preciso saber que a relação entre o custo de produção e extração da droga e seu preço no mercado é de 1 para 1000. Nenhuma mercadoria no mundo permite uma tal rentabilidade. Mas esta é uma mercadoria cujo efeito direto é a de¬struição da força de trabalho, das forças produtivas. Isso exprime ainda melhor o caráter parasitário da economia imperialista. Se tomamos as cifras da Interpol de 500 bilhões de dólares, dos quais entre 350 e 400 bilhões são ‘produzidos’ pela América latina, po¬demos nos perguntar para onde vai este dinheiro. Segundo cifras mais ou menos aproximadas, apenas 10 a 15 bilhões de dólares são repatriados à Colômbia, ao Peru , ao Equador ou à Bolívia. É portanto uma parte relativamente modesta deste enorme pacote, em dois terços proveniente do mercado americano e em um terço do mercado europeu, que é repatriado pelos barões da droga, com o acordo dos governos e sob a supervisão do FMI.
Todos os acordos assinados entre os governantes destes países e o FMI, portanto sob a supervisão dos funcionários desta instituição, levam em conta estes reingressos monetários. Na Colômbia, por exemplo, o produto do tráfico de drogas representa 3 bilhões de dólares por ano. O tráfico se faz em diferentes formas. O Banco Nacional da Colômbia, por exemplo, tem um guichê “à esquerda” onde se pode apresentar diretamente com dólares para trocá-los por moeda colombiana. No Peru, isso se faz diretamente na rua: próximo ao centro, sete mil vendedores trocam dólares, particularmente na lavagem de dinheiro da droga.
É a maneira pela qual o Banco Nacional recupera este din¬heiro. Calcula-se que a rua, no Peru, troque entre 1 bilhão e 1,5 bilhão de dólares por ano.
O FMI leva isso em conta nos acordos que assina. No Peru, o acordo com o governo Alan Garcia em 1988,foi acompanhado de um decreto-lei impedindo todo controle sobre a lavagem de din¬heiro sujo. Este comércio, portanto, se desenvolve com o acordo tácito do Fundo Monetário Internacional.
Mas para onde vai este dinheiro, quer dizer, a diferença en¬tre estes 15 bilhões e os 400/500 bilhões de dólares que represen¬tam o comércio internacional da droga? Através de um sistema de ‘paraísos fiscais’, como as ilhas Caiman, ele é reciclado nos circuitos financeiros controlados pelos bancos americanos. “Deste ponto de vista, os grandes barões da droga, na Colômbia principalmente, são os maiores compradores de bônus do Tesouro americano”.
Quem Lucra com a Nova Especiaria?
“O grosso dos lucros do tráfico de cocaína provém da venda a varejo nos mercados dos EUA – representando 80% do total – e da Europa Ocidental. O essencial é reciclado na praça ou en¬contra o caminho dos circuitos financeiros internacionais. Porque os países desenvolvidos, as finanças mundiais tem sede de ‘coca-dólares’, (...) muitas centenas de milhões desses dólares são re¬patriados a cada ano para os exportadores de cocaína dos países andinos...”
De 700 a 800 milhões de dólares de receita por ano, mais que o cobre ou o petróleo: a pasta-base de coca é o primeiro produto de exportação do Peru. E a folha de coca representa em valor cerca de 7()% da produção agrícola nacional...
“Como ressaltou o antigo presidente Alan Garcia o desen¬volvimento da economia da cocaína não é geração espontânea. Ele está estritamente ligado ao endividamento dos países envolvi¬dos e, em termos gerais, a uma estratégia de desenvolvimento ba¬seado na colonização da produção de matérias primas.”
Em 1988, o presidente Garcia, confrontado com o fracasso de sua política, a ela renuncia para se alinhar às exigências do FMI. Ele decidiu, simultaneamente, recorrer, de uma forma que não po¬deria ser mais aberta, aos “coca-dólares” (decreto presidencial de 29 de julho) para fazer “reintegrar ao país as moedas estrangeiras - sem especificar sua origem”.
Na Colômbia, o narcotráfico gera cerca de 8% do produto interno bruto e 6% do emprego. A quantidade de divisas que ele proporciona ao país permitiu a manutenção da dívida externa em níveis razoáveis em relação à de outros países da América Latina.
Os EUA, Maior Receptador de “Coca-Doláres”
Sem dúvidas os EUA posam, desde 1988, de campeões na luta contra a lavagem dos lucros da droga. Dão lições de moral em todo mundo, e não apenas aos paraísos fiscais do Caribe.
Eles não se contentam em condenar a Suíça e denunciar Lux¬emburgo. Colocando a comunidade européia na berlinda, por suas fraquezas condenáveis, só se vêem a si mesmos com um comporta¬mento sem reparos.
Mas, durante os dez anos precedentes, os EUA não haviam feito mais do que procurar maneiras de absorver o dinheiro das drogas, por mais “sujos” que fossem.
“Em 1987, as reticências para não dizer hostilidades, das autoridades financeiras americanas a uma legislação coercitiva contra as transferências internacionais de dólares “sujos” pas¬sava ainda como testemunho de ignorância e impotência... Para justificar sua circunspecção, eles explicarão que qualquer atitude intempestiva neste domínio poderia ser danosa ao sistema bancário, às finanças dos EUA”.
“Em 1988, a ONU tomava ares de indignação ao assegurar que o montante anual dos negócios mundiais com droga era de 300 bilhões de dólares, o que representava 10% do comércio inter¬nacional. Pouco depois, a Interpol estimava este comércio em 500 bilhões de dólares.
O funcionamento do sistema financeiro internacional neces¬sita de um volume líquido jamais visto. Precisa de uma super-liquidez real, isto é, para simplificar, de mais dinheiro do que seria necessária a priori para assegurar as transações ‘normais’. É necessário, a partir de agora, um multiplicador mais importante entre base monetária e base monetária mundial.
Creio que, na dinâmica deste Sistema, o dinheiro da droga preenche uma função”.
A campanha contra o dinheiro da droga “poderia perfeitamente servir de ângulo de ataque para uma tentativa mais ambiciosa: re¬tomar, pelo menos minimamente , o controle das finanças mundiais...
Num mundo onde os movimentos financeiros cotidianos nos mercados de drogas ultrapassam 1 trilhão de dólares - cinqüenta vezes mais do que seria justificado pelo comércio internacional. Em minha opinião, estão à mercê de bruscas migrações de capitais..”.
As Iniciativas Contra a Lavagem do Dinheiro
As recomendações do GAFI para perseguir o dinheiro da dro¬ga, apresentadas em 19 de abril de 1990, foram adotadas pelo G-7 e por muitos outros países.
Entre estas medidas encontra-se a eliminação de contas bancárias anônimas ou registradas sob nomes fictícios, assim como a quebra do sigilo bancário.
Dois exemplos significativos mostraram que é discutível a determinação do governo americano em levar adiante estas reco¬mendações (entretanto, o governo americano aparece publicamente como campeão da luta contra o tráfico de drogas).
Assim, o BCCI (sede em Luxemburgo) foi acusado pelo comissário das alfândegas dos EUA de lavar 14 bilhões de dólares; após dois anos, a sentença se limitou a uma multa de 15,3 milhões de dólares. Mas não se pode esquecer que o BCCI é ligado ao gov¬erno paquistanês, principal aliado dos EUA na região.
O que se pode depreender disto é que a política dos EUA não é concebida para impedir o tráfico e o consumo, mas para impedir que o produto deste tráfico deixe os EUA.
“Difíceis de serem implantadas ou pouco eficazes, as medidas de repressão e de prevenção da lavagem entram além disso em contradição com as políticas econômicas dos países industrializados tanto quanto os do terceiro mundo... Desde 1º de janeiro de 1993, a constituição de um mercado financeiro único na Comunidade eu¬ropéia só facilitou as operações de lavagem do crime organizado...”.
O Lugar da Suíça na Lavagem do Dinheiro
Um enorme dispositivo econômico, legal e constitucional, permite à Suíça jogar um papel ativo na lavagem de dinheiro da droga. Mas este lugar da Suíça, produto de seu papel financeiro particular a nível internacional, papel que foi reforçado após a Segunda Guerra Mundial e os acordos de Yalta e Potsdam, é, hoje em dia, muito disputado.
Depois do episódio que ficou conhecido como “O caso Kopp”, em 1988, quando o industrial Hans Kopp, marido da ministra suíça da Justiça Elisabeth Kopp, foi denunciado como traficante de dro¬gas, os rumores de uma guerra comercial e financeira não pararam mais de crescer. A afirmação de que o caso foi revelado pela CIA10 não deve estar longe da verdade: o empenho com que o deputado “social-democrata” suíço Ziegler denuncia o papel financeiro da Suíça na lavagem de dinheiro da droga, praticamente esquecendo os grandes bancos americanos, nos faz refletir.
Uma outra razão explica a persistência na utilização da praça financeira da Suíça pelas organizações criminosas, além do’ segre¬do bancário suíço tradicional e absoluto: a ligação entre as organi¬zações criminosas e os serviços secretos de certas potências.
Apenas para falar de um caso conhecido, assegura-se que a so¬ciedade de Hans Kopp foi utilizada pela CIA para ajudar a resistência afegã. A CIA sabia tudo sobre essa sociedade. Uma vez terminada a guerra afegã, e também por outras razões, o lugar da Suíça devia ser questionado. Revelar o caso é a coisa mais fácil do mundo.
O que não impede que a Suíça seja também um exemplo de que os dispositivos oficiais contra a lavagem são apenas uma cobertura objetiva para o tráfico. O controle sobre a UBS (União dos bancos suíços) publicado pela missão do grupo financeiro da OCDE (organi¬zação para a cooperação e desenvolvimento econômico) em março de 1993 prova isso. Eles sequer viram que o célebre traficante colom¬biano Julio Nasser Davo’ut tinha depositado na UBS nada menos que 150 milhões de dólares provenientes do tráfico de cocaína.
Isso fez com que a revista La “Dépêche Internacionale”, nº 33, de julho de 1994, se perguntasse: “Esta falta de perspicácia não levanta, por acaso, desconfiança em alguns altos funcionários americanos encarregados da luta contra as drogas?”
É notoriamente este o caso da guerra comercial aberta para con¬trolar os fluxos de dinheiro produzido pelo tráfico. O lugar da Suíça está em disputa, e nesta disputa todos os golpes são permitidos.
A ONU e o Tráfico de Drogas
Vimos que, em 1989, tinha sido constituído o GAFI sob a égide do G-7 e do FMI. A ONU também constituiu uma instituição, o PNUCID, que tem como função a proposta de organizar culturas de substituição.
Os efeitos perversos das culturas de substituição são demon¬stráveis por inúmeros exemplos. Assim, os planos de desenvolvi¬mento alternativo patrocinados com o governo peruano: 23 mil¬hões de dólares são mobilizados e destinados a outras atividades no ano de 1992 (sendo 5% desta quantia destinada ao pagamento do pessoal administrativo e às ONGs...).
Há, no entanto, outro aspecto da intervenção da ONU que é preciso sublinhar. Desde 1991, há casos de tropas da ONU metidas no tráfico de drogas; é conhecido o exemplo de Sarajevo, onde ofi¬ciais, sob a cobertura da ONU, organizavam o tráfico, a prostituição e outras atividades.
A intervenção da ONU no Camboja é ainda mais escancarada neste aspecto. Imediatamente, a presença de milhares de soldados e de bilhões de dólares facilitaram toda espécie de tráfico.
O balanço, desde 1992, na confusão provocada pelas dificul¬dades de colocar em prática um plano de desarmamento das diferentes facções, tem relação com o tráfico de drogas.
Esta questão, que beneficiou o novo regime, permitiu tam¬bém aos antigos Kmers Vermelhos de Pol Pot se utilizarem da carta anticorrupção para manter sua influência.
“A fase final da exportação de drogas através das fronteiras cambojanas foi organizada por empresas instaladas na Tailân¬dia, que, além da droga operam com madeira e pedras preciosas. Fontes ocidentais estimam que o Camboja, onde operam duas dezenas de bancos pelos quais passam os 2,8 bilhões de dólares do plano de paz das Nações Unidas e centenas de milhões de dólares de fontes privadas, tornou-se também um importante centro de lavagem de dinheiro sujo”.
Um Caso Exemplar: A Privatização dos Bancos Impulsiona a Lavagem: Portugal
No período da Revolução de 25 de abril de 197411, diante do perigo da fuga de capitais, os trabalhadores ocuparam os bancos e impuseram o controle sobre todas as transações. Posteriormente, o governo nacionalizaria os principais bancos cujos principais pro¬prietários estavam ligados à ditadura salazarista.
Depois da entrada de Portugal no Mercado Comum, as pressões sobre o sistema nacionalizado se acentuaram. O governo Cavaco Silva decreta a privatização e a venda de importantes bancos ao capital estrangeiro. Portugal tornou-se ultimamente uma impor¬tante via alternativa para o trânsito de cocaína latino-americana e de outras drogas provenientes do Marrocos e do Paquistão.
Segundo “La Dépeche Internacionale des Drogues” (Julho de 1994), “numerosos indícios permitem concluir que, através de Seus bancos off shore e seus contatos no Sudeste da Ásia, Portugal encontra-se a um passo de se transformar em uma importante praça para a lavagem de dinheiro...” Uma das conseqüências da entrada de Portugal no Mercado Comum é o desaparecimento de um milhão de pequenas propriedades rurais.
O governo se mostra apressado em adotar medidas repressi¬vas contra os consumidores, e promulgou uma lei contra a lavagem em janeiro de 1993, aplicando as diretrizes do Mercado Comum a este respeito.
Mas, como diz “La Dépêche...” já citada, a “reprivatização” da quase totalidade do setor bancário, nacionalizado após a “Rev¬olução dos Cravos” (24), e a chegada de numerosas sociedades es¬trangeiras, propiciou certamente a ocasião para a reciclagem de dinheiro de origem duvidosa.
O esquema clássico se repete. As medidas de liberalização econômica e financeira propostas pelo FMI, a União Européia ou outras instâncias internacionais facilitam ou impulsionam a lav¬agem, bem como toda a circulação de capitais especulativos. Os governos justificam o reforço dos instrumentos repressivos do Es¬tado em nome da luta contra a insegurança, produto do aumento do consumo, e medidas legais contra a lavagem são adotadas sem que tenham qualquer efeito prático.
Legalização ou Repressão: O Falso Debate para Esconder o Essencial
Em certos meios intelectuais, entre os quais figuram pessoas ditas de esquerda, está muito em moda exigir a legalização da droga, pelo menos de certas drogas, e a abertura de centros com produtos que, como a methadona, as substituem.
Esta posição seria reforçada pelo seguinte argumento: “A liberalização faria diminuir a criminalidade, e mesmo o consumo, como ocorre com o álcool e o tabaco”. Estes argumentos falaciosos correspondem à idéias que combater o desemprego seria impos¬sível, porque ele não é produto de um sistema agonizante, mas um mal inevitável. Se há desemprego, é preciso dividir o trabalho, se existe a droga, é necessário canalizar seu consumo, se há déficits na previdência, é preciso fazer com que os trabalhadores paguem e diminuir as despesas. A realidade é que estas idéias são o contrapeso daquelas que apresentam a luta contra o tráfico e a lavagem como uma operação de repressão que exige um reforço das leis e medidas contra os “consumidores”.
As duas, em paralelo, explicam que o problema é produto da cumplicidade de certos países subdesenvolvidos, com suas elites corrompidas, ao contrário do que ocorre nos países industrializa¬dos. Evidentemente, a eclosão de fenômenos de corrupção em mas¬sa nos países industrializados desmente esta idéia. Mas historica¬mente ela está baseada no fato de que a dominação colonial exigia a corrupção dos Estados colonizados.
Todos os Estados europeus têm leis contra a corrupção de seus próprios funcionários, mas nenhum sanciona os cidadãos que “com¬pram” funcionários estrangeiros. A integridade moral das metrópoles permitia a corrupção nas colônias. A decomposição do sistema fez com que, hoje em dia, a corrupção tenha se generalizado.
Não se pode acusar nem o cartel de Medelín, nem os serviços secretos paquistaneses, nem a monarquia marroquina de estarem sós na origem ou na causa da produção e do tráfico, mesmo que saibamos que eles tiram proveito disto. Este proveito é o resultado do lugar que lhes dá o sistema financeiro internacional, portanto as relações de dominação imperialista.
Como foi dito em “Alguns dados sobre o imperialismo senil” 12:
“O capital financeiro encontra na economia da droga uma fonte de lu¬cros que vem de fato da mais-valia social e não da produção de valor.Mas, através do exemplo da droga, podemos perceber as características dominantes da economia mundial como economia mafiosa. Temos o direito de falar em economia mafiosa, como um traço dominante na economia mundial, pois é o que caracteriza o conjunto dos procedimentos pelos quais uma fração crescente do capital financeiro e dos aparelhos do estado organizam-se para obter uma parte crescente da mais-valia, por fora dos circuitos econômicos legais, logo por fora de toda forma de controle.”
A economia da droga alimenta-se e é facilitada pelas desregu¬lamentações generalizadas que se operam em escala mundial.
Não se pode separar a “pressão” existente hoje, com argu¬mentos de toda ordem - repressivos, médicos - pela legalização da droga, das necessidades do imperialismo de ter um certo controle dos capitais advindos do tráfico de droga.
Uma verdadeira “guerra comercial” para controlar este tráfico está em curso. O imperialismo considera que a “legalização” pode lhe dar maiores meios para controlar o tráfico, e sobretudo, a lavagem de dinheiro e para isto é necessário “disciplinar” todos os “produtores” e “traficantes” que escapam do seu controle. Não é suficiente que os chefes do cartel de Medelín e Cali sejam grandes compradores de bônus do tesouro norte-americano, porque o montante dos ganhos que eles investem na Colômbia, no Peru, em seus negócios pessoais é ainda demasiado importante para o imperialismo.
As medidas contra a lavagem da droga propostas pela ONU e o GAFI não são apenas um monumento ao cinismo, tem antes de qualquer coisa o efeito de concentrar ainda mais o produto do tráfico nos grandes bancos.
Vozes se levantam para suprimir ou moderar o segredo bancário. Mas o segredo bancário é a base do funcionamento do sistema financeiro internacional.
A luta contra a lavagem da droga é inseparável de medidas em defesa dos trabalhadores e dos povos, do combate pela expro¬priação dos lucros especulativos e pela nacionalização dos bancos. Lembremos que a arma mais eficaz contra a fuga de capitais, du¬rante a Revolução de 25 abril de 1974 em Portugal, foi a ação dos trabalhadores dos bancos, que impuseram o controle, através das comissões de trabalhadores, da atividade dos bancos, o que abriu a via para a sua nacionalização.
O imperialismo, seu sistema financeiro, não pode prescindir dos 3 trilhões de dólares movimentados pelo tráfico de drogas. Ao mesmo tempo, esta massa financeira pode tornar-se incontrolável. O movimento de fuga de capitais no fim de dezembro no México, que acelerou a queda do peso, prova isso. Não nos esqueçamos de que uma boa parte destes capitais entram e saem e são lavados nos bancos norte-americanos e reinvestidos como dinheiro mexicano, sob a cobertura das medidas do governo Salinas, no quadro do Nafta.
Enfim, o falso debate, do ponto de vista dos interesses dos trabalhadores e dos povos sobre a legalização ou repressão é uma arma considerável nas mãos dos Estados. São eles que organizam a repressão dirigida principalmente contra os consumidores e os pequenos traficantes (geralmente as mesmas pessoas) que, social¬mente, são o produto do desemprego e da miséria social provoca¬das pelas políticas de privatização.
Não se pode atacar o tráfico de drogas e a lavagem do dinheiro da droga sem atacar o funcionamento da economia especulativa, em particular o sistema financeiro. Todas as medidas de liberaliza¬ção previstas pelo FMI facilitam a lavagem do dinheiro da droga e toda espécie de tráficos.
O combate pela nacionalização dos bancos, a expropriação de capitais produto da lavagem e da especulação, são as palavras de ordem centrais para os trabalhadores e jovens para combater este flagelo, produto da decomposição capitalista.
Notas
[1] GAL-Grupo Antiterrorista de Libertação. Esquadrão da Morte financiado pelo estado para caçar separatistas bascos. Foi criado pelo ex-secretário do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) na província Basca de Viscaya, por Ricardo Garcia Damborenea, NDT.
[2] Grupo dos Sete (G 7): É formado pela Alemanha, Canadá, EUA, França, Itália, Japão e Inglaterra, NDT.
[3] Labrouse Alain, em “Planeta das Drogas”, edição francesa, NDT.
[4] NAFTA: Acordo Livre Comércio entre os EUA, México e Canadá. Criado em 1º de janeiro de 1994, NDT.
[5] Whaler Cristopher, em “Assassinatos, Tráficos e Corrupção, edição francesa, NDT.
[6] “A Droga”, pesquisa de 1992/1993, OGD, NDT.
[7] Labiousse Alain, “A Droga, o Dinheiro e as Armas”, edição francesa NDT.
[ 8] “A Droga”, pesquisa de 1992/1993, OGD, NDT.
[10] Sigla em inglês para Agência Central de Informações, nome do serviço secreto do governo estadunidense.
[11] Em 25 de abril de 1974, oficiais de média patente se rebelam e derrubam o governo de Caetano, “sucessor” de Salazar. A população festeja o fim da ditadura distribuindo cravos (a flor nacional de Portugal) aos soldados rebeldes. Daí o nome “Revolução Dos Cravos”, NDT.
[12] Texto escrito por Daniel Gluckstein na revista A Verdade, nº 11/12, fevereiro de 1994 e republicado em forma de livro em 1995, NDT.