Edson Luís de Lima Souto, 18 anos, participava de uma manifestação junto com estudantes universitários contra o fechamento do Restaurante Universitário Calabouço, onde o estudante comia, dormia, trabalhava e estudava. Distante de ser uma liderança do movimento estudantil era só um estudante paraense que vinha ao Rio de Janeiro estudar, trabalhar e tentar entrar na universidade.
A insistência de Edson Luís na vida foi calada com um tiro no peito pela Polícia Militar do Rio de Janeiro durante o sua última tentativa de manter o mínimo de assistência estudantil que se tinha direito.
Corpo de Edson Luis na Assembléia Legislativa cercado por estudantes
O corpo que marcou o ano de 1968 foi levado a Assembléia Legislativa do RJ pelos estudantes, por mais que a polícia tenha insistido em levar o corpo os estudantes não permitiram por medo de desaparecimento. O atestado de óbito foi emitido ali mesmo.No dia seguinte o humorista Arapuã escreve na primeira página do jornal Última Hora:
"ACABOU A GRAÇA
Há um estudante morto. Um tiro no peito de uma criança de 16 anos. (...) Ele era meu irmão. Podia ser meu filho. Hoje não tem graça. O Brasil perdeu a graça.(...)Dentro da boca, embora fechada, os dentes cerrados. Por um menino morto"
O Correio da Manhã concluía seu editorial afirmando que a cidade "não perdoará os assassinos". Ninguém nunca foi julgado.
O assassinato de Edson Luís se espalhou pelo Brasil, 15 capitais marcaram luto. Escolas e Teatros cariocas não abriram marcando o luto, o Rio de Janeiro parou. Manifestações se alastravam por todo o Brasil.
O enterro de Edson foi um marco de protesto, centenas de milhares tomaram as ruas, as casas acenavam em sinal de apoio. O Jornal Última Hora afirmava que "Só Getúlio teve um enterro assim". Ninguém mais queria calar. De qualquer forma o Governo não poupou esforços para conter qualquer manifestação.
A palavra de ordem "Abaixo a Ditadura!" ganha o Brasil, estudantes são repreendidos com muita violência. Os estudantes começam a ser vistos por todos como os que carregam o gérmen da democracia, a classe médias, setores da igreja se solidarizam com os estudantes. A UNE, e a União Metropolitana dos Estudantes (Rio de Janeiro) assumem uma importância grandiosa.
No final de Junho, ainda como reflexo da morte de Edson Luís aconteceu a Marcha dos Cem Mil, que marca a força que o movimento estudantil e os movimentos sociais contra a ditadura assumiam naquele momento.
Por que o 28 de março é o Dia Nacional de Luta dos Estudantes?
1968 foi um ano singular: “o êxtase da história”, como diziam alguns sociólogos franceses.
Em todo o mundo, milhares de estudantes e trabalhadores saíram às ruas para protestar contra a ordem capitalista e seus sistemas de repressão. E também contra o burocratismo autoritário da maioria dos regimes socialistas. “A imaginação e o povo no poder” chamavam. Muitos artistas buscaram uma nova estética comprometida com as questões sociais latentes. Nos EUA, o movimento Hippie pressionava para o término da Guerra do Vietnã. Os negros organizavam-se em movimento e choravam o assassinato de Martin Luther King. As mulheres se libertavam de antigos tabus e opressões, disseminando o uso da pílula, o sexo livre, os relacionamentos abertos, o direito ao divórcio e as lutas pela igualdade de oportunidades e salários em relação aos homens. Inúmeras greves paravam fábricas. Tempo de rebeldia e maré de mudanças!
No Brasil, estávamos no quinto ano de uma brutal ditadura militar, onde a repressão e a tortura eram crescentes, culminando no terrível AI-5 (Ato Institucional nº 5), em dezembro do mesmo ano: um golpe dentro do golpe.
Nesta época febril de utopias,sonhos e lutas, muitos bravos não se calaram, pagando com a própria vida. No Brasil, inúmeras passeatas ocorreram durante esse período. A mais famosa talvez tenha sido a Passeata dos Cem Mil, porém a que demonstrou de forma mais clara a brutalidade do regime militar foi a que aconteceria no dia 28 de março de 1968. Um pelotão da tropa de choque invadiu e metralhou o Calabouço, onde Edson Luís foi cruelmente assassinado.
Edson era um estudante de 16 anos, vindo da região norte, que estudava na escola supletiva que funcionava no anexo do Calabouço - restaurante secundarista financiado por órgãos públicos e localizado perto do Aeroporto Santos Dumont, - onde os estudantes se reuniam para, além de comer, discutir política e conversar. Como não tinha dinheiro, Edson limpava o restaurante em troca da isenção das mensalidades. Segundo alguns freqüentadores do local, não pertencia a nenhuma organização do movimento estudantil. Naquele dia, a FUEC (Frente Unida dos Estudantes do Calabouço, presidida por Elinor Brito) tinha marcado uma passeata de protesto contra a ditadura, reivindicando o término das obras do restaurante, que estava às traças. Durante a concentração, chegou a denúncia que Edson Luís poderia ser um informante do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social - órgão do governo militar responsável pela investigação repressiva). A pedido de companheiros e para dissipar dúvidas, ele foi para a linha de frente da manifestação. A tropa de choque da PM logo chegou para impedir o ato. A dois metros de distância um policial atirou contra o peito do rapaz.
Edson foi socorrido ainda com vida pelos companheiros e levado para a Santa Casa de Misericórdia. Lá ele deu seu último suspiro. Depois de um quebra-quebra geral no hospital, foi levado para a Assembléia Legislativa, (à época no Palácio Pedro Ernesto, onde atualmente é a Câmara de Vereadores do Rio, na Cinelândia), onde foi velado em clima de enorme tensão, pois se desconfiava que a PM poderia seqüestrar o corpo.
Cerca de 50 mil pessoas foram ao seu enterro, marcado por protesto e indignação: “Um estudante morreu. Poderia ser seu filho”. Carlos Minc, Chico Alencar, Fernando Gabeira, Vladimir Palmeira e outros, hoje parlamentares, estavam lá.
Durante a missa de sétimo dia, na Candelária, mais um massacre: a PM cercou a igreja, pisoteando com seus cavalos e batendo com cassetete nas pessoas que saíam do culto.
Edson Luís e a data de sua morte , 28 de março, viraram então o símbolo da luta dos estudantes contra a opressão, a tirania e a covardia. Foi o mártir de uma geração que sabia o que queria, que experimentou os limites de todos os horizontes: políticos, sexuais, de comportamentos existenciais, desejando aproximá-los todos, e que não tinha medo de lutar pelos seus sonhos.
Assim, hoje, numa época em que prevalecem o comodismo e a apatia, achamos que esta homenagem é, além de atual, necessária. Resgatar o passado é sempre possibilidade de retratá-lo e aprender lições.
Edson e todas as irmãs e irmãos pagaram com o próprio sangue o desejo de um mundo justo e melhor! Que a força com que lutaram por seus sonhos embale nossas vidas e lutas que lhes dão sentido.
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