O Boteco do Valente traz pra você a bela e emocionante história do primeiro time do Vasco, em 1923, com seus jogadores negros, mulatos, nordestinos e pobres. na luta contra o preconceito racial, numa verdadeira tradução literal da frase do grande líder Martin Luther King: “O que mais preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons”.
ATA DE FUNDAÇÃO DO VASCO
"Aos 21 dias do mes de agosto de 1898, as 2:30 horas da tarde, reunidos na sala do predio da Rua da Saude numero 293 os senhores constantes do livro de presencas, assumiu a presidencia o Sr. Gaspar de Castro e depois de convidar para ocuparem as cadeiras de secretarios os senhores Virgilio Carvalho do Amaral como 1o. e Henrique Ferreira como 2o., declarou que a presente reuniao tinha o fito de fundar-se nesta Capital da Republica dos Estados Unidos do Brasil, uma associacao com o titulo de Club de Regatas Vasco da Gama (...)"
O COMEÇO
Em meados de 11 de novembro de 1915, o Vasco, que tinha como prática esportiva até então apenas o Remo, iniciava sua trajetória no futebol. Os clubes, também de origem portuguesa, Esportivo Português, Lusitano Football Club e o Lusitania Sport Club, unindo-se ao Vasco, levaram ao clube da cruz de malta o esporte mais falado naquela década, com influências de clubes portugueses. No dia 26 de novembro de 1915 criava-se, sem nenhuma resistência dos sócios mais tradicionais, o departamento de futebol do Vasco.
RACISMO? AQUI NÃO!
O nível do futebol do Vasco foi crescendo ao longo dos anos graças ao "atrevimento" de aceitar jogadores negros e mulatos no time. Apesar de ser basicamente um clube de colônia, o Vasco seguia a boa tradição portuguesa da mistura, ao contrário dos grandes clubes de futebol do Rio, desde a sua fundação o Vasco esteve aberto a brasileiros de todas as origens e classes sociais, além dos portugueses, tendo tido, inclusive, um presidente mulato ainda na época do remo, Candido José de Araújo, em 1905 e 1906 (começou bem!), ao contrário dos tradicionais grandes clubes de futebol do Rio. Estes não só recriminavam indivíduos de cor em seus quadros sociais como alguns chegavam ao extremo de admitir exclusivamente ingleses e seus descendentes dentro do departamento de futebol. São os casos de Paysandu, campeão de 1912 e do Rio Cricket (nome com influências inglesas), esses merecem uma bela vaia!
O Lusitania havia sido um clube fechado, só para portugueses, mas, ao ser absorvido pelo Vasco, foi a filosofia do cruzmaltino que prevaleceu. Para reforçar a sua equipe de futebol, o Vasco ia recrutando sem discriminação aqueles que se sobressaíam nas peladas de subúrbio e nos clubes pequenos. Assim, enquanto os jogadores dos aristocráticos (burgueses) clubes grandes eram praticamente todos brancos ricos, a maioria com nível alto de intelecto, os jogadores do Vasco eram de profissão humilde, sendo que alguns mal sabiam ler nem escrever (assinar) o próprio nome. Anos mais tarde, o clube chegaria até a contratar um professor de gramática, satisfazendo uma exigência da Liga - leia-se, dos clubes rivais (zé - povninho é o cão, tem esses defeitos, como dizem os Racionais MCs!), sempre a procura de pretextos para hostilizar o Vasco.
A ASCENSÃO
Após lutas contínuas contra o preconceito e reformulações da Liga, o Vasco foi classificado, em 1921, para disputar a Série B do 'Campeonato Carioca'. O título da categoria de primeiros quadros da Série B de 1922 deu ao Vasco o direito de disputar a promoção à Série A numa partida, chamada na época de eliminatória, contra o último colocado da Série A, que tinha sido o São Cristovão. A partida terminou empatada e, por isso, a Liga decidiu aumentar o número de participantes da Série A em 1923 para dez. Assim, o Vasco subira para a elite do futebol carioca.
Vasco na Série B em 1921
Os Camisas Negras em 1921, de pé: Palhares, Carlos Cruz, Nélson, Ernani Van Erven, Adão Brandão e Alfredo Godói. Agachados: Leão, Dutra, Torterolli, Negrito e Fernandes.
A princípio, os clubes de elite nem ligaram (ou melhor, defecavam e andavam) para a entrada do Vasco na Série A em 1923. Afinal, o que poderia fazer um clube de segunda divisão, cuja maioria dos jogadores residiam em alojamentos, ao lado de um campinho de treinamento tão ruim que nem para jogos oficiais servia? Pra eles, os portugueses do Vasco que botassem no seu time quantos crioulos (crioulo é a véia!) quisessem, mas tudo continuaria como sempre foi, com os brancos vencendo os campeonatos e os pretos (que burros, não sabem eles que preto é cor, negro é raça!) nos seus lugares, nos clubes pequenos!
Só que o Vasco, graças a um forte regime de treinamentos ministrado pelo técnico uruguaio Ramon Platero, seguiu durante todo o primeiro turno sem perder nenhum ponto sequer. E quanto mais vencia, mais os estádios se enchiam de gente que nunca tinha visto um jogo do tal "football" antes. O desprezo se transformava em inveja e as torcidas adversárias se uniam, humilhadas por verem seus elitistas brancos superados por um time de negros rumo ao título invicto e frustradas por perderem dinheiro em apostas semanais com portugueses. O Vasco era um fenômeno (ou melhor, o ibope do Vasco estva no pico da audiência!).
Vasco campeão estadual em 1923.
Na foto, os guerreiros: de pé: Nicolino, Torterolli, Leitão, Ceci, Bolão, Negrito, Arlindo, Arthur, Mingote e Paschoal. No chão: Nélson.
A RESPOSTA HISTÓRICA
No início do século 20, os principais times cariocas de futebol só aceitavam atletas da elite. O Vasco, não. Fundado por portugueses em 21 de agosto de 1898, tinha negros e analfabetos. Era inexpressivo até que, em 1923, sobe à primeira divisão e ganha o campeonato. A conquista causa frisson na elite: inaceitável perder para um time de pessoas como o chofer Nelson Conceição e o estivador Nicolino. Os clubes “tradicionais” reagem: jogador não pode ser analfabeto; precisa ter emprego fixo e não pode receber dinheiro para jogar. Os portugueses então contratam os atletas para seus estabelecimentos e chamam professores para alfabetizá-los. A elite faz vigilância rígida (leia-se patrulhamento ideológico): jogador flagrado treinando durante o expediente está fora do campeonato. Resultado: 12 vascaínos expulsos (que falta de atitude!).
Com tal condição negada pela Liga Metropolitana, os grandes clubes (da zona sul da cidade do Rio de Janeiro) partiram para um plano B afim de tirar as condições de conquista de título do Vasco, se uniram e abandonaram a LMDT, fundando a Associação Metropolitana de Esportes Atléticos (AMEA), deixando de fora o Vasco (e o medo de serem todos eles derrotados por jogadores negros, nordestinos, mulatos e operários, que residiam em alojamentos, ao lado de um campinho de treinamento tão ruim que nem para jogos oficiais servia, não contou nessa hora? Bobo é ovo,que não pára de pé...) e impondo a condição de que o mesmo ingressasse na AMEA, os clubes fundadores exigiram que o Vasco expulsasse de seu quadro social e de seu time os negros e mulatos que por hora, fizeram sucesso no campeonato de 1923), sob a acusação de que teriam “profissão duvidosa”. Medo? Mas nem a pau!
Diante da situação, num ato heróico, épico e que traz, até hoje, orgulho para os que amam o Vasco da Gama, que o Dr. José Augusto Prestes, então presidente do Vasco, se enfezou e redigiu uma carta endereçada à AMEA, conhecida mais tarde como "A resposta histórica" deixando bem claro que o Vasco preferia não fazer parte da nova entidade a ter que se submeter (ou melhor, se rebaixar) à exigência de eliminar de seus quadros os 12 atletas..(hahaha, um riso bem irõnico pra esse povo racista nessa hora...) O documento, curto e grosso, (uma tremenda porrada no estõmago dessa cambada!) redigido em poucos parágrafos, comunicava ao sr. Arnaldo Guinle, presidente da AMEA (Associação Metropolitana de Esportes Atléticos), liga recém-fundada pelos cinco clubes mais influentes do Rio de Janeiro na época (América, Bangu, Botafogo, Flamengo e Fluminense), que o Vasco preferia não fazer parte da nova entidade (uma banana bem grande pra eles) a ter que se submeter à exigência de eliminar de seus quadros 12 atletas, a maioria deles negros, mulatos, nordestinos ou pobres, considerados pela AMEA jogadores "de profissão duvidosa". Desta forma, o Vasco manteve-se na LMDT (Liga Metropolitana de Desportos Terrestres), liga na qual, enfrentando os cinco "grandes", conquistara o Campeonato Carioca de 1923, e disputou em 1924 um campeonato esvaziado contra equipes de menor expressão, bem melhor estar entre os humlides, de cabeça erguida, do que ser racista pra se juntar com os grandes!) sagrando-se campeão com 16 vitórias em 16 jogos. Em 1925, o Vasco foi admitido na AMEA de forma incondicional (como já disse um certo técnico, VOCÊS VÃO TER QUE NOS ENGOLIR!) e voltou a enfrentar os "grandes" com seus atletas negros, mulatos, nordestinos e pobres. O Vasco não aceita e abandona a competição. Mas o futebol carioca já não podia viver sem a torcida cruzmaltina. No ano seguinte, a equipe é readmitida com todos os seus jogadores.
Uma reprodução desse verdadeiro marco da luta contra a discriminação social e racial no esporte brasileiro, pode ser vista nos dias de hoje na Sala de Troféus da sede do Vasco, em São Januário (RJ), encimada pelo seguinte lembrete: “Sem o Vasco, o futebol brasileiro não teria conhecido Pelé”
Confira o referido texto abaixo, devido à sua importância para o esporte brasileiro:
Com motivos convincentes para desistir do futebol, o Vasco quis manter sua honra. Participou com os pequenos da Liga Metropolitana de 1924 e sagrou-se campeão.
COM DIGNIDADE, SÃO JANUÁRIO
Decididos a fazer do Vasco um clube grande, os vascaínos partiram então para a construção de um estádio, passando a angariar fundos entre 1924 e 1926. Listas corriam pela cidade, onde toda gente assinava, dando a contribuição que podia. O êxito foi tanto que, ao final de 1926, oito mil novos sócios tinham ingressado no clube. Em 1925, foi adquirido um terreno numa colina em São Cristovão, que havia sido ocupada no século XIX por uma chácara doada por D. Pedro I à Marquesa de Santos. A construção do estádio coube a Cristiani & Nielsen. A pedra fundamental foi lançada no dia 6 de junho de 1926. Raul da Silva Campos era o presidente do Vasco. Menos de 11 meses depois, o clube entregava ao futebol brasileiro o estádio Vasco da Gama, mais tarde popularmente denominado de São Januário.
QUE HONRA SER! SAIBA SOU VASCAÍNO, MUITO PRAZER
Como diz uma musiquinha cantada a plenos pulmões pela torcida cruzmaltina que exalta os guerreiros da década de 20 que, mesmo com situações adversas, provaram que a dignidade não está estampada na cor da pele nem na situação financeira dos indivíduos. O caráter, a vontade e a força de vencer estão naqueles que nela acreditam. E foi com esse pensamento que o Vasco foi fundado e gerou, com muita honra, um dos maiores clubes de futebol do mundo. A música, por sinal, fala bem da conquista vascaína. Confira a letra:
É um orgulho de muita gente poder vestir o manto cruzmaltino pelas ruas, não só do Rio de Janeiro, mas de várias cidades, estados e do Brasil ,levando com ela, com a Cruz de Malta no peito, a luta de operários e negros que decidiram se impor contra a aristocracia imperialista que dominava a capital nacional em meados de 20,levando com ela os princípios de não desistir na adversidade, de persistir e dar a volta por cima, provando que, com vontade, dignidade e muita luta, pode se conquistar o mundo. Mas tem um porém aí: bem no dia do centenário da abolição da escravidão, 13 de maio de 1988, a direção do Vasco mandou publicar nos principais jornais cariocas o seguinte anúncio, de página inteira:
Seguindo-se então o ofício histórico enviado pelo presidente do Vasco à AMEA em 7 de abril de 1924 (reproduzido mais acima) ; os logotipos das empresas que ajudaram a financiar a publicação do anúncio; e, no pé da página, o distintivo do Vasco.
"Sem o Vasco, o mundo não teria conhecido Pelé", e complementamos aqui com: Barbosa, Ademir Menezes, Bellini, Orlando, Vavá, Roberto Dinamite, Bebeto, Romário, Edmundo, Cafu, Dida, Adriano, Vagner Love, Luciano Bebê (ex-Noroeste),Claudecir, Washingnton (ex Inter, que mora aqui em Bauru), Allison, Richarlyson, Neymar, Robinho, entre outros que se consagraram, se consagram e hão de se consagrar no futuro com a camisa não tão somente do Vasco, mas de vários times espalhados por esse imenso Brasil!
SAIBA MAIS
O Negro no Futebol Brasileiro, de Mario Filho (Mauad, 2003); e http://www.crvascodagama.com/
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