10 de março de 2011

João Cãndido e a Revolta da Chibata

Nascido numa província do Rio Grande do Sul, filho dos ex-escravos João Cândido Felisberto e Inácia Felisberto, apresentou-se na Escola de Aprendizes Marinheiros do Rio Grande do Sul, com uma recomendação de "atenção especial" escrita do Delegado da Capitania dos Portos em Porto Alegre. Esse cuidado devia-se à iniciativa de um velho amigo e protetor de Rio Pardo, o almirante Alexandrino de Alencar, que o encaminhara aquele delegado. Mesmo depois da Lei Áurea ser assinada o tratamento para os marinheiros era de escravidão. Quando o torturador açoitava o marinheiro, amarrado e desprotegido, chegava a arrancar pedaços de sua carne.

Desse modo, numa época em que a maioria dos aprendizes era recrutada pela polícia, João Cândido alistou-se com o número 40 na Marinha do Brasil em 1895, aos 13 anos de idade, fazendo a sua primeira viagem como Aprendiz de Marinheiro.

Em 1908, para acompanhar o final da construção de navios de guerra encomendados pelo governo brasileiro, João Cândido foi para a Inglaterra, onde tomou conhecimento do movimento realizado pelos marinheiros britânicos entre 1903 e 1906, reivindicando melhores condições de trabalho.

As eleições presidenciais de 1910, embora vencidas pelo candidato situacionista Marechal Hermes da Fonseca, expressaram o descontentamento da sociedade com o regime vigente. O candidato oposicionista, Rui Barbosa, realizou intensa campanha eleitoral, suscitando a esperança de transformações.

Entre os marinheiros, insatisfeitos com os baixos soldos, com a alimentação ruim e, principalmente, com os degradantes castigos corporais, cresceu o clima de tensão.

O uso da chibata como castigo na Armada já havia sido abolido em um dos primeiros atos do regime republicano. Todavia, o castigo cruel continuava de fato a ser aplicado, a critério dos oficiais. Num contingente de maioria negra, centenas de marujos continuavam a ter seus corpos retalhados pela chibata, como no tempo do cativeiro.

Em 16 de novembro de 1910, um dia após a posse do Marechal Hermes, o marinheiro Marcelino Rodrigues de Menezes foi punido com 250 chibatadas, conforme os jornais da época, aplicadas na presença de toda a tripulação do Encouraçado Minas Gerais.

No dia 22 de novembro de 1910, João Cândido deu início à chamada Revolta da Chibata, assumindo o comando do Minas Gerais (capitânea da Armada), pleiteando a abolição dos castigos corporais na Marinha de Guerra do Brasil, quando foi designado pela imprensa, à época, como Almirante Negro. Por quatro dias, os navios de guerra São Paulo, Bahia, Minas Gerais e Deodoro apontaram seus canhões para a Capital Federal. No ultimato dirigido ao Presidente Hermes da Fonseca, afirmaram os marinheiros: "Nós, marinheiros, cidadãos brasileiros e republicanos, não podemos mais suportar a escravidão na Marinha brasileira". Embora a rebelião tenha terminado com o compromisso do governo federal em acabar com o emprego da chibata na Marinha e de conceder anistia aos revoltosos, João Cândido e os demais implicados foram detidos.

Pouco tempo depois, a eclosão de um novo levante entre os marinheiros, agora no quartel da ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, foi reprimida pelas autoridades.

Apesar de se declarar contra um novo levante dos marinheiros em Dezembro de 1910, João Cândido foi expulso da Marinha, sob a acusação de ter favorecido os rebeldes. Em Abril de 1911 seria detido no Hospital dos Alienados, como louco e indigente, de onde seria solto em 1912, absolvido das acusações juntamente com os seus companheiros. Banido da Marinha, sofreu grandes privações, vivendo precariamente, trabalhando como estivador e descarregando peixes na Praça XV, no centro do Rio de Janeiro.

Um fato triste, que apenas no seculo XXI começou a mudar, é que a marinha jamais aceitou a elevação dos revoltosos à condição de heróis. O próprio João Cândido nunca conseguiu ter acesso à sua documentação dos tempos em que era integrante da armada. Em depoimento no Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro(MIS) do Rio em 1968, ele reclamou: "... os [arquivos] da Marinha são negativos, João Cândido nunca existiu na Marinha".

A Marinha liberou, após 97 anos, documentos referentes ao então marinheiro de 1ª classe João Cândido Felisberto, e ajudou a localizar sua ficha no Arquivo Nacional.

O documento mais importante é a ficha funcional. João Cândido entrou para a Marinha como grumete em 10 de dezembro de 1895, chegou a ser promovido a cabo, mas depois foi rebaixado. Nos 15 anos em que permaneceu na Armada, ele foi castigado em nove ocasiões mas não há registro, na sua ficha de 24 páginas escritas à mão, de que tenha sido espancado, como era comum.

A ficha de João Cândido registra dez elogios e uma promoção a cabo (1903), revogada definitivamente em 1907. O último elogio por bom comportamento é de setembro, três meses antes de liderar a rebelião. João Cândido participou de dezenas de manobras em toda a costa brasileira, navegou pelos rios das bacias do Amazonas e do Prata e esteve duas vezes em longas viagens pela Europa.




Era uma época em que a marinha era tida como órgão disciplinador. Seus marinheiros eram homens indicados pela polícia (desocupados, malfeitores e criminosos).



Em viagem à Inglaterra (possuidora da marinha melhor organizada e aparelhada do mundo) para aprender a lidar com novas embarcações e armamentos, marinheiros brasileiros conheceram o politizado proletário inglês e revoltas que garantiram boas condições de trabalho aos tripulantes da marinha inglesa. Essa viagem fez fermentar nos brasileiros idéias de insubordinação e luta contra suas condições de trabalho.



Começaram então a surgir comentários sobre organizações de revoltas. Uma noite, depois de um ritual de açoite no navio Bahia, um bilhete foi encontrado junto à porta do camarote do comandante. Trazia a exigência de que se findassem os maus tratos à tripulação e continha uma ameaça: “Ninguém é escravo de oficiais e chega de chibata. Cuidado.” No fim a assinatura: “Mão Negra”. Era o marinheiro Francisco Dias Martins.



A revolta estava combinada, ocorreria no dia 24 ou 25 de novembro de 1910, mas a condenação de um marinheiro a 250 chibatadas, dez vezes mais que o permitido pela legislação da marinha, levou a sua antecipação para o dia 22.

Ao ser dado o sinal para o início da revolta os marinheiros se posicionaram sem afobação, cada canhão estava guarnecido por cinco marujos com ordem de atirar para matar contra todo aquele que tentasse impedir o levante.

Marinheiros enfrentaram o comandante e seus protegidos em uma luta de canos e baionetas a bordo do Minas Gerais. Terminado o combate no convés, João Cândido, líder da revolta, ordenou que se disparasse um tiro de canhão 47 milímetros como sinal de alerta aos outros navios revoltados. Os holofotes do Minas Gerais iluminaram o Rio de Janeiro. Através do rádio a revolta foi comunicada e se pediu o fim dos castigos corporais.

O governo tratou imediatamente de impor censura telegráfica entre o Rio e as demais regiões do país. As únicas notícias que circulavam eram aquelas que o próprio governo expedia.

Na manhã do dia 23, a esquadra revoltada começou a manobrar na baía de Guanabara e, buscando chamar a atenção das autoridades, disparou esparsos tiros de canhões de pequeno calibre contra o Rio e Niterói.

Durante os primeiros dias do levante, o governo não se manifestava, nem mesmo tentava qualquer reação armada, porque os efetivos governamentais prontos para o combate empatavam em número com os dos marujos rebelados que estavam no comando dos dois maiores navios de guerra brasileiros, O Minas Gerais e o São Paulo. Restou, ao governo, como solução mais sensata, fazer contato com os revoltosos e conceder a anistia.

Os revoltosos, vitoriosos, devolveram os navios de guerra. Só que a anistia não durou 2 dias. Os revoltosos foram punidos, surgiram rumores de um novo levante. No dia 4 de dezembro foram presos 22 marinheiros suspeitos de conspiração. O governo estudava a possibilidade de decretação do estado de sítio, que facilitaria o aprisionamento dos marujos do Minas Gerais, São Paulo, Deodoro e Bahia.

Em 9 de dezembro, sem motivo aparente, explode uma nova revolta, dessa vez na fortaleza da ilha das Cobras. Alguns praças, ao sinal das 22 horas, saíram gritando “liberdade!” pelo pátio. Não faziam nenhum tipo de reivindicação. Dizia-se que, na verdade, aquilo fora tramado pelo próprio governo, para justificar a declaração de estado de sítio. De todo modo, João Candido e os outros líderes de 22 de novembro não aderiram ao levante. O Batalhão Naval da ilha das cobras foi rapidamente massacrado e, não obstante a fácil vitória militar, o governo decretou estado de sítio.

No dia seguinte, no cais, João Candido é detido. Foi enfiado em uma cela com capacidade para um único preso junto com mais 18 homens e condenado a 6 dias de pão e água. 16 homens sairiam mortos. Entre os poucos sobreviventes da cela estava o líder da Revolta da Chibata, que teve sua prisão prolongada até abril de 1911 de onde saiu transferido para um hospício, para mais tarde voltar à prisão comum.

Os marujos rebelados em 1910 já cumpriam dez meses de prisão, quando lhes chegou uma notícia inesperada. A Irmandade da Igreja Nossa Senhora do Rosário, protetora dos negros, havia contratado para defende-los, no julgamento que se aproximava, três grandes advogados. Os três aceitaram a causa com uma única condição: a de que não lhes dessem nada em troca.

O julgamento durou 48 horas. A leitura da sentença final foi feita depois das 3 horas da manhã. Resultado: todos os marujos foram absolvidos por unanimidade.

os castigos corporais na Marinha, que haviam sido abolidos um dia após a Proclamação da República, foram legali¬zados um ano depois. Para as penas mais graves a lei autorizava 25 chibatadas. As chibatadas superavam muitas vezes, e em muito, o nú¬¬mero de 25. Aliados a esse castigo, os baixos salários e a discri¬minação sofrida pelos marinheiros, na sua grande maioria negros, incentivavam um clima de bastante tensão. O fim da escravidão atingiu de forma bastante parcial a cabeça e as práticas dos oficiais da mari¬nha. Os mais importantes navios da Marinha de Guerra nacional estavam aportados no Rio de Janeiro quando, no dia 22 de novembro de 1910, o marinheiro negro Marcelino recebeu 250 chibatadas na frente de toda a tripulação no navio Minas Gerais. Foi a gota d’água para a eclosão de um movi¬mento que já vinha sendo articulado pelos marinheiros, que liderados por João Cândido se rebelaram. Rapida¬mente tomaram conta dos na¬vios, prendendo e expulsando oficiais e matando alguns que tentavam, através das armas, resistir. Assim João Cândido passou a ser o coman¬dante-chefe do Minas Gerais, Gregório Nasci-mento do São Paulo, An¬dré Avelino do Deodoro e Ricardo Dias Martins, o Mão Negra, do Bahia. Os rebeldes reivindicavam o fim dos maus tratos impostos pelos oficiais aos marujos, melho¬ria na alimentação e anistia aos rebeldes. Caso não fossem atendidos ameaçavam bom¬bardear a cidade.

Mediante tal pressão, o presidente Her¬mes da Fonseca cedeu: aboliu os castigos físi¬cos e concedeu anistia aos revoltosos. No dia 26 de novembro, os rebeldes entregaram as armas e devolveram os navios ao comando de ofi¬ciais. A alegria durou pouco. Dois dias depois o marechal Hermes da Fonseca baixou um decreto expulsando da Marinha por atos de indisciplina os partici¬pantes da Revolta da Chibata. No dia 4 de dezembro, 22 marinheiros foram presos. No dia 9 do mesmo mês o governo decretou estado de sítio, prendeu mais algumas centenas deles e expulsou muitos da Marinha. Dezesseis revol¬tosos morreram por sede, calor e sufocamento nas celas sub¬terrâneas da Ilha das Cobras e nove foram fuzilados durante a viagem que con¬duzia 105 deles desterrados para a Ama¬zônia. João Cândido sobre¬viveu à Ilha das Cobras e foi internado no Hospital dos Alienados. Todos foram absolvidos em novembro de 1912.

Após a absolvição, João Cândido teve uma vida difícil. Trabalhou até os 70 anos na pesada estiva do mercado da Praça XV. Nos primeiros tempos do Governo João Goulart lhe foi concedida uma pensão, mais tarde anulada pelo governo militar. Morreu octogenário a 6 de dezem¬bro de 1969. Mas seu exemplo continua vivo.

A Revolta da Chibata foi uma das principais lutas sociais da Repú¬blica Velha. Marinheiros negros conseguiram desafiar o poder das elites e dos oficiais da marinha. Foram cinco dias que abalaram a República! Com os canhões virados para a cidade do Rio de Janeiro, a Capital Federal, os poderosos sentiram medo. Existiam dois “Brasis”: de um lado, as oligarquias cafeeiras, os plantadores de cacau, os oficiais militares, os exploradores da borracha, os pecuaristas; de outro lado, os marinheiros, os trabalhadores do campo, os operários, os desempregados e sub-em¬pregados. O Brasil da opulência e da riqueza e o Brasil da miséria. Neste quadro, a Revolta da Chibata representou um grito dos excluídos contra a opressão. Com 70% da população brasileira vivendo no campo e com um movimento operário fraco, o movimento dos marinheiros desafiou sozinho o poder constituído. João Cândido, o “Almirante Negro”, e seus companheiros, naquele momento histórico, incorporaram não só a sua luta particular, mas a luta do negro no Brasil.

Por tudo que representou e representa, a Revolta da Chibata é um dos movimentos mais importantes na história do Brasil e na história do negro brasileiro. É demonstração de coragem, força, organização.

Fiquemos com as palavras de Dias Marins, o “Mão negra”:
“Chega! Somos brasileiros livres, não somos ladrões e não queremos mais apanhar!”

“Salve o navegante negro, que tem por monumento as pedras pisadas do cais.” O refrão de Aldir Blanc e João Bosco ficou famoso na voz de Elis Regina, mas não são muitos os que sabem a quem ele se refere. A música O Mestre-Sala dos Mares homenageia um dos mais importantes heróis do movimento negro no país, o marinheiro João Cândido Felisberto, que liderou a Revolta da Chibata em 22 de novembro de 1910, no Rio de Janeiro. O levante protagonizado por marinheiros negros – na época 90% do contingente da Marinha do Brasil era formado por negros – foi contra os castigos físicos impostos, especialmente o uso da chibata.

João Cândido, o “Almirante Negro”, é um dos três homenageados este ano no cortejo pelo Dia Nacional da Consciência Negra (20 de novembro), que o Sindicato realiza há 10 anos pelas ruas do Centro. Os outros dois homenageados são Seu Nenê, fundador da escola de samba Nenê de Vila Matilde, morto no último dia 4 de outubro, e o orixá de 2010 na umbanda, Ossain, o senhor das folhas.

Pela primeira vez o cortejo, que este ano será realizado no dia 19, será temático. A ideia, segundo a Secretaria Cultural do Sindicato, é resgatar a história do país homenageando personagens e heróis da luta e da cultura negra. O orixá também será lembrado como símbolo do sincretismo religioso brasileiro, herança da forte influência africana no Brasil.

Almirante negro – Filho de ex-escravos, João Cândido nasceu em 24 de junho de 1880, no interior do Rio Grande do Sul. Entrou na Marinha Brasileira aos 14 anos de idade e em 15 anos de Armada destacou-se como um dos melhores oficiais com diversas viagens no currículo por pelo menos 15 países do mundo. Admirado pelos companheiros de corporação e muito elogiado por seus superiores, João Cândido era um líder natural e como tal foi o escolhido para liderar a revolta.

Apesar da escravidão ter sido abolida 22 anos antes, em 1888, e do uso da chibata como castigo ter sido proibido em decreto do regime republicano, em 1889, a Marinha ainda punia os marujos com o instrumento (espécie de chicote). Homens livres e a serviço de seu país, os marinheiros ainda eram tratados como escravos, açoitados violentamente nos navios, na frente de toda a tripulação. Esgotadas as tentativas de resolver o problema na diplomacia – João Cândido chegou a representar os marinheiros em audiência com Nilo Peçanha, antecessor de Hermes da Fonseca, o presidente em 1910 – os navegantes organizaram o levante. No dia 22 de novembro, os navios de guerra Minas Gerais, São Paulo, Bahia e Deodoro aportaram na baía de Guanabara e apontaram seus canhões para a cidade do Rio de Janeiro, na época capital do país. O levante, que durou seis dias e no qual seis oficiais foram mortos, arrancou do governo o compromisso de acabar com a chibata. No dia seguinte, no entanto, o governo promulgou um decreto determinando a expulsão de marinheiros que representassem “risco”, numa clara retaliação aos revoltosos.

João Cândido foi expulso da Marinha e preso em dezembro de 2010. Nunca conseguiu em vida a anistia nem a reintegração. Foi solto e novamente preso por um período anos depois, sofreu privações pelo resto de seus anos, quando se sustentou como estivador e descarregando peixes no cais do Rio de Janeiro. Morreu pobre e esquecido aos 89 anos, em 1969, no Rio.



Uma estátua de João Cândido ocupa a Praça Quinze de Novembro, no Centro do Rio de Janeiro 

Em 2008, o líder da Revolta da Chibata e seus companheiros conquistaram anistia. A lei do Senado foi vetada, no entanto, na parte que determinava a reintegração dos marinheiros já falecidos sob o argumento de que representaria custos para a União que teria de pagar os benefícios devidos a seus descendentes. O argumento foi acatado ainda que somente duas famílias tenham se apresentado como descendentes dos revoltosos, uma delas a do próprio João Cândido.






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