12 de março de 2011

Mães da Praça de Maio

Nesta semana em que se comemorou o Dia Internacional da Mulher (08 de março) , o Boteco do Valente traz pra você a heróica história das Mães da Praça de Maio!

Argentina. Meados dos anos 70: quem eram os jovens revolucionários, fortes no grito de protesto e imbuídos de sonhos de mudança? Para onde foram esses filhos de uma Argentina em crise? O que resta às mães, as quais esperam os filhos que nunca voltaram, além do pranto?

O que parecia péssimo estava apenas começando. Os anos 1974 e 1975 foram marcados por cerca de 600 desaparições. Quando os ares políticos da Argentina se obscureceram ainda mais com a chegada da ditadura militar em 1976, foram cerca de 30.000 desaparecidos. Majoritariamente jovens universitários, trabalhadores, revolucionários, os quais queriam um mundo melhor. Muitos lutavam pelo socialismo, queriam o fim da neocolonização estadunidense. Foram silenciados com as mais atrozes violências. Espancados, torturados, jogados ao mar para o esquecimento. Como dizem por aí: “coração de mãe nunca esquece”. Eles não estavam sozinhos nessa luta. Aquelas mães aparentemente apolíticas diante de uma política institucional, mães que simplesmente preparavam o almoço, a janta e davam carinho aos seus filhos, mães que mal sabiam porque seus jovens estavam desaparecendo, mal sabiam o que era socialismo, jamais os esqueceriam.

A dor era colossal, isso é inegável. Muitas famílias enlouqueceram, muitas se silenciaram, muitas praticamente desistiram de viver. Outras, porém, se levantaram em revolta. Queriam saber onde estavam, precisavam saber que fim levaram, quem sumiu com seus filhos. Eram mães que estavam enlouquecidas pela raiva, pela agonia, pela tristeza. Esbarravam-se pelas ruas, pelas igrejas. Possuíam a vontade individual de querer saber o destino do próprio filho sumido para amenizar a dor. Porém, conforme foram percebendo que eram muitas as mães que estavam na mesma situação e que era mais fácil buscar com união do que separadamente, foram se agrupando.

Estava aí o embrião do Movimento Madres de Plaza de Mayo (Mães da Praça de Maio). 14 mães esgotadas pela busca seguem a idéia de Azucena (uma mãe que começa a ter uma postura de liderança e posteriormente também sumiria vítima da violência política), resolvem se reunir na Praça de Maio e fazer uma carta pedindo uma audiência com o sanguinário ditador Jorge Rafael Videla. Essa primeira reunião na Praça ocorreu no dia 30 de abril de 1977, porém as mães já vinham se encontrando desde 1976.

A Praça de Maio passou a ser o lugar de encontro das mães que tiveram os filhos desaparecidos. Nesse ambiente todas se sentiam iguais. Eram os mesmos problemas, haviam pedido ajuda nos mesmos lugares, receberam os mesmos nãos e os mesmos sins. Os mesmos xingamentos e as mesmas palavras de afeto. O número de mães que participavam das reuniões aumentava aos poucos. Porém eram reuniões curtas. Muitas vezes em menos de meia hora a polícia chegava para dispersá-las.

O movimento logo ganharia o mundo, pode-se até dizer que ganharia primeiro outros países do que a própria Argentina. Censuradas, nenhum jornal argentino retratava as ações de protesto além de um rodapé de página. Porém, as fotos dos gritos das mães, da movimentação na Praça e da repressão para com elas ganhavam outros países da América e Europa.

Começaram realmente a ficar conhecidas dentro do próprio país quando passaram a participar de manifestações utilizando um pano na cabeça para que fossem identificadas. Conforme iam sendo reconhecidas, paravam para levar às pessoas notícias do sumiço de seus filhos, as dificuldades que eram obrigadas a passar.

A repressão contra elas aumentou. Faziam protestos com orações, sendo que no meio delas incluíam frases dizendo que os governantes eram assassinos. Assim conseguiam deixar os militares temerosos de censurá-las, por estarem no meio de uma reza. Ações ligadas à religiosidade não pararam por aí, iam às missas e substituíam a folha de cânticos por panfletos de protesto, assim faziam com que todas as pessoas presentes pudessem tomar consciência da onda de sumiços que acontecia na Argentina.

A primeira grande crise no movimento veio com uma onda de seqüestros de mães e freiras. Com algumas companheiras desaparecidas, várias mães se lotaram de medo e não queriam mais voltar à Praça. Porém, essa ausência causou um vazio dentro de cada uma delas, sendo assim, buscaram coragem e voltaram a realizar os encontros.

Quando chegou a Copa do Mundo de 1978 a situação das mães voltou a piorar. Toda a atenção do país foi para o futebol, a população alienada da política não estava mais interessada em saber sobre tortura, sobre sumiços. O grito das mães não fazia eco. A repressão aumentou. Mães eram presas a cada momento. Policiais com cães vigiavam a Praça. Bombas de gás estouravam para dispersá-las. Mulheres que, quando com os filhos vivos, nunca haviam saído da cozinha estavam se convertendo em verdadeiras guerreiras. Bombas, cães e prisões não silenciaram mães em busca de justiça. Armas de covardes não derrotaram as palavras. O silêncio não derrotou o barulho. A censura não derrotou a liberdade.

Se não conseguiam ficar na Praça se refugiavam nas Igrejas. Rezavam forte o Pai Nosso e a Ave Maria sempre inserindo nas rezas injúrias contra os militares, porém estes não iam para cima delas por temerem imensamente a Deus. Porém, do lado de fora das Igrejas as forças reacionárias provocavam apagões e medo nas pessoas que estavam dentro do estabelecimento religioso. Isso fez com que muitos padres parassem de dar apoio às mães, já que em muitas das vezes que elas chegavam às Igrejas iniciavam-se confusões.

Acabaram sendo acusadas de antinacionais e malucas, por falarem que a mídia argentina só dava atenção ao mundial. Porém a televisão holandesa passou nesse mesmo período cenas das Mães da Praça de Maio protestando. Mais uma vez o nome delas percorria o mundo. Pouco tempo depois elas mesmas viajariam por países como Estados Unidos e Itália tentando mostrar ao mundo a situação na qual havia submergido a Argentina. Deram entrevistas e fizeram reuniões. Porém pessoas como o Papa preferiram não receber as mães por estarem muito ocupadas com coisas que julgavam mais importantes.

A união nesse período de fortalecimento das mães foi fundamental. Quando uma mãe ia presa, todas queriam ir juntas. Protestavam diante da prisão querendo entrar, arrumavam confusão dentro das delegacias. Assim acabavam conseguindo liberdade. Era difícil para a direita lidar com um movimento de mães. Estavam acostumados a combater movimentos jovens, movimentos estudantis. As mães rezando, praguejando, enfrentando armas sem medo era algo novo e perturbou bastante o governo militar.

O dia 22 de agosto 1979 ficou marcado como o dia em que as mães resolveram formar realmente a Associação. O nome que entrava para a história foi aquele pelo qual já eram conhecidas: Mães da Praça de Maio. Era uma época em que as reuniões na Praça estavam escassas devido à repressão. No início da década de 80 resolvem voltar com toda a força às suas atividades na Praça. Enfrentaram com coragem militares escondidos no alto de árvores com metralhadoras. Cena patética se imaginarmos que toda essa força militar era pra combater mães em busca de justiça.

Por volta de 1981 o movimento das Mães da Praça de Maio passou por uma socialização. Hebe Bonafini contou em entrevista a revista Caros Amigos como foi esse processo:

“No começo, cada mãe segurava um cartaz com a foto de seu filho. Depois, decidimos que cada uma seguraria um cartaz com a foto do filho da outra. Com isso, todas se interessavam em verificar se o cartaz com a foto de seu filho estava sendo exibido por alguém. No começo era tudo ‘meu’: ‘minha casa’, ‘meu filho’. Com a ida à Praça se descobriu que nada é ‘meu’. Porque outros podem destruir o que é ‘meu’, pisotear. E aí chegamos a conclusão de que não podíamos fazer uma coisa e dizer outra. Quando cada uma passou a carregar a foto do filho da outra, foi uma coisa impressionante. Todas queriam cuidar de todas.”

Mães holandesas apoiaram fervorosamente o movimento argentino, inclusive doando dinheiro para que elas comprassem o primeiro escritório. Assim passaram a ter um lugar para se reunirem, não precisavam mais se encontrar pela rua. Havia chegado o momento de grande evolução na estrutura do movimento. Conseguiram fazer o primeiro boletim, trabalhavam poemas e ganharam força para organizarem passeatas. A primeira passeata organizada por elas foi a Marcha de Resistência a qual não teve grande apoio, por muitos acharem que não havia mais como resistir.

As Mães da Praça de Maio também atuaram protestando em 1982 contra a guerra das Malvinas. Diziam: “Somos solidárias às mães dos soldados, mas não queremos guerra”. Foram novamente acusadas de antinacionais. Muitos diziam que não podiam protestar enquanto a Argentina se encontrava em guerra. Bolaram então a seguinte frase: “As Malvinas são nossas. Os desaparecidos também”.

Vieram finalmente as eleições. Pareciam que as coisas iam melhorar. O presidente Alfonsín parecia muito simpático, era muito sorridente e soube receber as mães muito bem, enchendo-as de esperanças. Disse que ainda deveriam existir alguns filhos desaparecidos vivos. Na verdade Alfonsín precisava da simpatia do movimento Mães da Praça de Maio que havia crescido muito, – elas contavam com advogados, tinham um jornal, uma equipe de assistência psicológica etc. – suas passeatas conseguiam mobilizar um grande número de pessoas.

Descobriram a verdadeira faceta do presidente Afonsín quando este começou a dizer para as mães os cemitérios nos quais estavam os filhos e até mesmo permitiu que enviassem para elas pedaços de corpos pelo correio. Isso gerou novamente uma grande crise e desespero entre as mães rebeldes. Começaram a protestar dizendo que não poderiam aceitar a exumação sem saber quem eram os responsáveis pelas mortes, sem puni-los. As mães queriam saber como morreram, mas o governo de Afonsín dizia que havia sido em enfrentamento com os militares, o que era uma grande mentira. Haviam sido torturados até a morte por terem outra ideologia. Foram várias as reuniões maternas, elas precisavam arrumar um meio de combater também o governo de Alfonsín. Porém este queria lançar em ólvido a morte dos filhos, ou melhor, queria cicatrizar as feridas das mães com falsas homenagens. Alfonsín prometia fazer monumentos para os filhos, colocar placas e pagar indenizações. A maioria das mães não queria placas, não queria indenizações. Queria justiça. Queria saber como os filhos morreram e quem os matou para que fossem todos punidos.

Começou um racha dentro do movimento. Algumas preferiram optar por receber as indenizações e parar de lutar. Outras preferiram concorrer às eleições. Porém o Movimento das Mães da Praça de Maio não tolerava isso. Não era um movimento para fazer politicagens, havia se convertido em um movimento socialista e internacionalista no ano de 1988, que não mais se preocupava só com os filhos desaparecidos. Preocupava-se com todos os trabalhadores e explorados. Ontem elas eram simples mães que quedavam no lar. Hoje são mães socialistas que lutam para que todos os filhos do mundo tenham direito a melhores condições de vida. Ontem seus filhos eram apenas aqueles que haviam sumido. Hoje seus filhos são todos os explorados. Agora o lema é continuar a luta dos filhos derrubados pela ditadura Argentina. O grito: “Os ideais de nossos filhos não morreram”.

A luta contra o capitalismo e o internacionalismo dividiu as mães em dois movimentos diferentes As Mães da Praça de Maio e As Mães da Praça de Maio – Linha Fundadora. O primeiro tem como espécie de líder a polêmica mãe Hebe Bonafini, a qual marca sempre presença em Fóruns Sociais e possui apoio de vários movimentos como o MST, é socialista e internacionalista. O outro, Linha Fundadora, é menos conhecido e está afastado do radicalismo das primeiras, aceitaram indenizações e acreditam nas eleições.

Sem descansar jamais as Mães da Praça de Maio até hoje fazem pressão na Argentina e lutam pelos direitos humanos e pelo fim da exploração capitalista. Marcaram forte presença nas ruas com a crise do governo De la Rua e sustentam uma faculdade popular revolucionária, a qual não é reconhecida pelo governo, mas forma verdadeiros cidadãos, os quais sabem que um diploma reconhecido não é o mais importante para uma vida de luta.

Mães filhas de uma ditadura militar. Mães com filhos desaparecidos. Porém, não chore por elas. Simplesmente jamais se esqueça que não é o dinheiro, a prestação de homenagens e a exumação de corpos que apagam o sofrimento. Seus filhos podem não estar mais entre nós, porém ainda estão vivos. Vivos e combatentes, pois eles é que geraram essas mães rebeldes. Enquanto existir capitalismo o grito por justiça não cessará.

Fontes:

Revista Caros Amigos. Nº 68. Ano VI. Novembro de 2002. Editora Casa Amarela.
Site Madres de Plaza de Mayo (http://www.madres.org/)

3 comentários:

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