12 de março de 2011

Zumbi - Rei Quilombola

INTRODUÇÃO

A imagem de Zumbi nas historiografias e historietas

Uma coisa é certa quando se fala em Zumbi: várias pessoas têm se utilizado de sua imagem e a manipulado. Ora de forma extremamente preconceituosa e etnocêntrica, colocando o mais famoso rei de Palmares como um simples líder de bárbaros, violentos e criminosos escravos; ora tentando converter Zumbi em um herói da nação brasileira, um homem que morreu porque queria um Brasil de liberdade e igualdade entre as raças. Existe até os que se apropriam da imagem de Zumbi para politicagens, praticamente transformando o rebelde negro em um revolucionário socialista, o qual lutava por reforma agrária, distribuição de renda, por um mundo de inteira liberdade, uma espécie de marxista, mesmo que Marx estivesse longe de existir. Pode-se afirmar, indubitavelmente, que todas as imagens traçadas anteriormente são apenas caricaturas. Para entender Zumbi é preciso se livrar de vários anacronismos históricos, é preciso entendê-lo como um escravo do Brasil colonial, que lutava pela sua liberdade e pela de um grupo que o rodeava, que não está preocupado em fazer uma revolução, derrubar governos e sim em trazer benesses para o seu povo explorado e sofrido. Não se pode pensar que Zumbi queria a libertação de um Brasil o qual nem conhecia direito e não lhe via com bons olhos, nem a deposição e decapitação do Rei português, nem reforma agrária. Manter o Quilombo dos Palmares, fazer crescê-lo na agricultura, no comércio, ter um exército forte e uma grande população eram objetivos muito mais reais para a sua época e que estavam muito mais ao seu alcance e de seu povo. Só tentando entender dessa forma se pode construir uma imagem um pouco mais real desse importantíssimo personagem histórico e suprir assim a falta de documentação para traçar uma história de tanta luta, a qual infelizmente está escrita nos livros de história somente com base nos escritos dos inimigos dos palmarinos, já que os quilombolas de Palmares nada deixaram escrito, ou se deixaram, nunca foi encontrado.

A VIDA GUERREIRA

Em um Brasil colonial e escravista, movido pela mão-de-obra negra, nasceu um negro bebê, por volta de 1655, dentro de um quilombo chamado Palmares que estava completando cerca de 60 anos, localizado na serra da Barriga, na capitania de Pernambuco, perturbava o governo local, o qual precisava destruí-lo.

Nessa mesma época uma expedição militar atacou o já famoso Palmares e entre vários estragos que causou, levou essa negra criança, que posteriormente iria ser dada de presente a um padre do distrito de Porto Calvo, chamado Antônio de Melo. Para prestar homenagem a São Francisco de Assis, ou simplesmente por vontade de colocar um nome católico na criança, o padre passou a chamar o menino de Francisco e assim o criou, sempre dentro das normas católicas. Embora o menino fosse escravo, Antônio de Melo não lhe deu o mesmo tratamento que outros escravos recebiam na colônia. Francisco, pode-se dizer, sem olvidar sua condição de escravo, recebia um bom tratamento, aprendeu a ler, recebeu boa educação para os padrões da época e aos 10 anos de idade foi iniciado no latim, quando começou a exercer a função de coroinha. Era extremamente inteligente, tanto que fez o padre Antônio de Melo escrever que ele possuía “engenho jamais imaginado na sua raça e que bem poucas vezes encontrara em brancos”.

Os medos, as histórias, os cochichos sobre Palmares se espalhavam por toda a colônia. O jovem coroinha conhecia as histórias de negros que para lá haviam fugido e assim tinham se livrado da escravidão, lá estavam seus verdadeiros descendentes, sua família. Francisco, com aproximadamente 15 anos de idade, resolveu fugir junto com outros escravos, abandonou o padre Antônio de Melo e voltou para o Quilombo dos Palmares, sua terra natal.

O primeiro feito do jovem Francisco depois da fuga foi negar a coisa que mais lhe fazia lembrar da sua condição de escravo: seu nome cristão. Autodenominou-se Zumbi, nome o qual não se sabe exatamente o significado, os mais prováveis são “Deus da Guerra”, “Fantasma Imortal” e “Morto Vivo”.

Zumbi rapidamente ficou famoso e querido dentro de Palmares, aos 17 anos já tinha assumido a importantíssima função de chefe guerreiro do quilombo. Foi com essa idade que liderou a grande vitória sobre os 600 homens de Antônio Jácome Bezerra, que haviam se lançado contra o Quilombo dos Palmares. Havia sido uma vitória de inteligência e estratégia, sabendo que iria ser atacado, Zumbi organizou o Palmares para receber a expedição e a destroçou.

Em novembro de 1674, Palmares lutou em uma sangrenta e difícil batalha contra a expedição de Manuel Lopes, a qual possuía superioridade bélica, o que fez os palmarinos perderem a capital de Palmares, Macaco, para os invasores que ficaram ali durante 5 meses, até descobrirem para onde haviam fugido vários dos quilombolas. Quando isso ocorreu, foram travar nova batalha, não menos sanguinária, 800 negros morreram e Zumbi levou um tiro na perna, mas conseguiu fugir. Foi essa a primeira grande derrota do Quilombo dos Palmares.

Empolgados com a vitória, os opositores de Palmares organizaram novas expedições para tentar destruí-lo de vez, Fernão Carrilho obteve vitória no mocambo palmarino de Aqualtene e marchou para o mocambo de Subupira, onde encontrou apenas cinzas, pois os próprios quilombolas haviam queimado o lugar antes de fugir. Ali Carrilho construiu seu arraial. Em futuras batalhas, conseguiu aprisionar o rei do quilombo, Ganga Zumba, mas por pouco tempo, pois este conseguiu fugir ferido, deixando suas armas para trás. Depois de um tempo, acreditando ter derrotado Palmares, Carrilho deixou a região, porém só havia derrotado apenas 3 mocambos, os quais ficavam distantes uns dos outros.

Palmares continuava em pé e assim que soube disso o governador da capitania de Pernambuco resolveu tirar proveito do atual momento de fraqueza dos palmarinos para abrir uma negociação, já que também os portugueses não estavam em seu melhor momento para combater, pois já haviam perdido muitas forças expulsando holandeses que por vários anos tinham tomado conta da capitania.

Ganga Zumba acabou assinando o acordou de paz com os portugueses, tentando fazer com que o quilombo respirasse no meio de tantas derrotas, porém recebeu forte oposição e Zumbi surgiu como o principal nome entre os que exigiam a sua saída da posição de rei. Acusavam-no de chefiar as tropas bêbado, de roubar (um dos crimes mais graves do quilombo) e de não perceber que o acordo de paz não passava de uma enganação por parte dos portugueses. Palmares estava dividido entre os que defendiam Ganga Zumba e os que estavam do lado de Zumbi. Em alguns mocambos chegou a haver luta entre essas duas forças palmarinas, por fim, os que com Zumbi estavam fizeram com que Ganga Zumba fugisse para Cucaú, porém essa fuga não foi o suficiente, Ganga Zumba viria a morrer envenenado em 1678.

Como novo rei de Palmares Zumbi expulsou os seguidores de Ganga Zumba e começou a organizar os mocambos de todo o quilombo de forma estratégica para a guerra que iria recomeçar, submeteu os homens válidos a uma forte preparação guerreira, aumentou postos de vigilância, fez estoque de armas e munição e melhorou as fortificações da capital. Palmares ressurgiu com força e foi o pesadelo de alguns senhores de engenho. Assim novas expedições contra o quilombo subiram a serra da Barriga, Manoel Lopes atacou mais uma vez, porém fracassou. Fernão Carrilho, tentou, mas também nada conseguiu além de uma derrota. Palmares, governado por Zumbi, estava mais forte e bem preparado para a guerra do que nunca.

A maioria da população em Palmares era masculina, acredita-se que uma família era composta por uma mulher unida com dois homens, porém Zumbi, como rei, tinha uma vida distinta quanto a isso, tinha direito a ter várias esposas, acredita-se que ele tenha tido 3. Graças a essa desigualdade numérica entre os sexos é que os palmarinos nos ataques feitos a engenhos, não só roubavam alimentos e utensílios, roubavam também mulheres, fossem elas brancas ou negras para irem construir família no quilombo. O governo de Zumbi foi o que mais teve a presença desses ataques, em represália a invasões, libertavam escravos, seqüestravam mulheres, roubavam armas e munições e incendiavam plantações de cana-de-açúcar.

Novas tentativas de negociação com Palmares são feitas, porém nenhuma é bem sucedida. O rei de Portugal chega a escrever uma carta para Zumbi, porém de nada adianta. Palmares não quer diálogo com os portugueses.

Uma nova e demorada expedição se arruma para atacar Palmares, desta vez liderada pelo brutal paulista Jorge Velho, caçador de índios, tinha um exército formado por vários deles. Em 1691 esses homens chegam a Pernambuco com um numerosos exército, porém a bem posicionada defesa de Palmares, organizada por Zumbi, repeliu o ataque.

Em fins de 1693 e princípio de 1694 Jorge Velho liderou novo ataque, agora com um exército de 9.000 homens e seis canhões. Aproveitando-se da falha de um sentinela de Palmares que dormiu no horário de serviço, a expedição armou uma cerca de pau-a-pique acompanhando a proteção do quilombo, a qual serviria de proteção para os soldados. Na manhã de 5 de fevereiro de 1694 Zumbi realizou uma inspeção e ficou extremamente irritado com a manobra do inimigo, ordenou então que o dorminhoco sentinela fosse executado.

Depois de ter estudado uma forma de neutralizar o escudo inimigo Zumbi descobriu uma brecha entre a proteção que dava para um precipício, ali estava a única chance de furar o bloqueio e atacar. Na madrugada do dia 6 o plano foi posto em prática, só que um sentinela inimigo percebeu o movimento e acordou todo o acampamento que se armou para uma terrível luta. Quando amanheceu, tropas de Vieira Melo e Jorge Velho invadiram o quilombo e provocaram um dos maiores massacres da história do Brasil, muitíssimos negros foram degolados, nem as crianças eram poupadas. Mesmo que os escravos pudessem valer dinheiro, os palmarinos eram um mal que precisavam ser eliminados. No dia 7 de fevereiro já se sabia da novidade: havia caído o maior e mais duradouro quilombo da história da América.

Os portugueses comemoraram a vitória, porém Zumbi ainda estava vivo, no início de 1695 foi reconhecido liderando um ataque à vila de Penedo, o governo preparou-se novamente para caçá-lo.

Antônio Soares, um dos chefes palmarinos sobreviventes foi capturado, torturado e teve a liberdade prometida se em troca entrega-se Zumbi. Ele, que era um dos homens no qual Zumbi mais confiava levou uma tropa pernambucana até ele. Chegaram a noite e armaram uma emboscada, a tropa se colocou escondida e Soares apareceu gritando por Zumbi, este alegre veio ao encontro do amigo, ao se aproximar teve um punhal encravado em seu estômago. A tropa escondida saiu de seu lugar e terminou de executá-lo. O calendário marcava 20 de novembro de 1665.

Muitos acreditavam que Zumbi era imortal, para acabar com esse mito o governo levou seu corpo até Porto Calvo e lá o decapitou. Sua cabeça foi salgada e espetada em um pedaço de pau para ser exposta na praça principal da cidade até que se decompusesse por inteiro.

No ano de 1978 o Movimento Negro Unificado transformou a data do assassinato de Zumbi no Dia da Consciência Negra, um dos objetivos foi opor essa data ao dia da libertação dos escravos, 13 de maio, já que a segunda na realidade só ocorreu graças a interesses do império em entrar em uma fase capitalista e não integrou os negros à sociedade. Quanto a região onde se encontrava o quilombo dos Palmares, hoje ainda vivem pessoas lá que se dizem descendentes daqueles palmarinos que viveram há séculos atrás. Alguns historiadores acreditam que Palmares ainda se reergueu, mesmo que muito debilmente, após a morte de Zumbi.

Fontes:

Caros Amigos - Rebeldes Brasileiros 1 - Zumbi/Chiquinha Gonzaga - Casa Amarela.
MELLO, José Barboza. História das Lutas do Povo Brasileiro, Editora Leitura, 1973.

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