12 de março de 2011

Rio em Chamas

INTRODUÇÃO

Antes de entrar no âmago da questão, é preciso se definir o que se entende por violência. Hoje em dia, quando se fala em violência se faz referência a tiros, pontapés, corre-corres, quebra-quebras, estupros. Porém, violência tem um conceito muito mais amplo e não necessariamente ocorre de forma física e direta.

O que entendemos hoje por violência é algo que as classes abastadas nos impuseram e que a mídia grande nos faz acreditar. Violência hoje é somente quando se assalta um banco, quando se mata a tiros ou golpes, quando se queima um ônibus. Porém várias violências estão ocultas na nossa história, as violências mais cruéis possíveis e causadoras de todas as outras violências: a fome, o desemprego, a humilhação.

Sempre é retratada em nosso cotidiano a violência do pobre, do desesperado, do humilhado para com o rico. Porém, a violência muito mais atroz que ocorre do rico para com o pobre, que é constante em toda a história do Rio de Janeiro e mesmo do Brasil, permanece escondida. Portanto, é imprescindível dizer que infinitamente mais culpados que os favelados, que os pobres, que o subúrbio da cidade, são os endinheirados, os poderosos, os moradores das mansões e das luxuosas coberturas da Zona Sul, com a conivência do Estado, através de suas ações e omissões.

A primeira favela do Rio de Janeiro surgiu no Morro da Providência formada por abandonados combatentes de baixa patente que ajudaram a dizimar o povoado de Canudos. Todavia, o problema não começa aí, para não tomar muita distância será falado somente da época do Brasil como República.

1 - O RIO E A EXCLUSÃO NA REPÚBLICA VELHA

Quando vem a república o Brasil está em um momento de mudança, começa a ganhar uma cara capitalista, inclusive tem agora não mais escravos e sim negros libertos, lançados sem socorros à incerteza, insegurança e desespero da Cidade.

Com o capitalismo e a “liberdade” dos negros, os trabalhadores buscaram sempre uma moradia próxima ao local de trabalho. Foi assim que surgiram os cortiços, os quais eram tidos como nocivos e insalubres.

A área central da cidade logo se viu tomada por cortiços. O Estado e a elite financeira carioca logo se voltaram contra esses que eram tidos como focos de sujeira, feiúra e doença. Não se buscou dar moradias decentes para essas classes mais pobres, não se buscou atender as necessidades dos habitantes dos cortiços. Ao invés de proteção, de respeito, de atendimento, os trabalhadores ganharam violência. Os cortiços sofriam atentados, sendo constantemente queimados, o que provocava mortes e graves acidentes, pois eles eram construídos com material que era facilmente devorado pelo fogo.

Foi o prefeito Barata Ribeiro quem organizou uma feroz guerra contra os cortiços, sendo que entre eles estava o famoso Cabeça de Porco, o qual foi massacrado por um forte esquema policial-militar.

Os trens também entrariam como forte arma para esconder as camadas mais pobres da população. Seriam eles responsáveis por tirar a pobreza do raio de visão dos que não queriam vê-la. Esse meio de transporte ficou responsável por levar o trabalhador até o subúrbio, onde deveria estar sua casa, e trazê-lo para o seu local de trabalho no começo de um novo dia.

Mesmo com a erradicação dos cortiços e com a construção da linha dos trens para levar os trabalhadores ao escondido e distante subúrbio, algumas pessoas preferiram não se distanciar dos locais de trabalho. Como solução encontraram a subida aos morros, aonde instalaram suas moradias.

Já que o capitalismo crescia e se fortalecia cada vez mais no Rio de Janeiro, a cidade precisava ter realmente uma cara capitalista e não mais sua organização espacial ultrapassada da época imperial. Era um período em que o Rio de Janeiro era piada em muitos jornais devido a sua má organização urbana e falta de saneamento, sendo sempre inferiorizado quando comparado a Buenos Aires. Para resolver esse problema foi escolhido para prefeito Pereira Passos, o qual seria responsável pela maior mudança sofrida até então dentro de um período de quatro anos. Começava um estágio de demolição de várias moradias de trabalhadores para que fosse feito alargamento de ruas, construções de novas vias etc.

Não só de temporárias vitórias das elites vivia o Rio de Janeiro, a nova vida da então capital do Brasil atraia gente de todos os lugares. Os morros eram a morada favorita dos que não tinham como se distanciar do trabalho. Seria no seio da pobreza, no alto dos morros, que se popularizariam vários aspectos de nossa cultura como o candomblé, a umbanda, o jongo, o samba e a malandragem romântica da época.

Na administração do prefeito Carlos Sampaio, o alvo principal continuou sendo a feiúra da pobreza, porém, a solução não era ajudar os necessitados e sim massacrá-los, sem qualquer tipo de dó.

O Morro do Castelo, lugar histórico do Rio de Janeiro, havia se tornado abrigo para inúmeras famílias pobres, porém ele se localizava no mais valorizado local da cidade até então, a Avenida Rio Branco. Mais uma vez a higiene e a estética da cidade estava ameaçada. Parece um problema isso? Porém não difícil de ser resolvido. O Morro do Castelo foi reduzido a pó e as famílias perderam suas casas. Entretanto o Morro do Castelo não veio ao chão sozinho, outros bairros pobres e áreas proletárias lhe acompanharam, entre esses está o bairro da Misericórdia.

É próximo a essa época que novas favelas proletárias como a do Jacarezinho surgem. O subúrbio (lugar certo para o pobre) também começa a crescer, bairros como Cascadura e posteriormente Madureira ganham destaque em crescimento.

Quando surge o Plano Agache, na administração Prado Júnior, mostra-se a face de uma das maiores táticas de total exclusão das camadas miseráveis. Porém, ele não seria posto em prática na sua totalidade. Com a revolução de 30 ficaria quase em esquecimento, por se tratar de um projeto da República Velha, contudo aos poucos seria resgatado e posto em prática.

O Plano Agache mais parecia um plano de guerra. Era a primeira vez que se colocava de forma claríssima a única solução que o governo e a elite tinham para as favelas: a erradicação violenta.

Tempos de gigante preconceito e exclusão social, as favelas eram vistas como chagas da cidade e mereciam o extermínio. Já seus moradores deveriam se deslocar para o subúrbio. Assim funcionava a República Velha e sua opressão ao pobre, a qual não findaria, teria uma moderada continuidade após a dita “Revolução de 30”.

2-OS FAVELADOS DEPOIS DA REVOLUÇÃO DA ELITE ATÉ OS PROBLEMAS DE HOJE

Chegava a vez do capital industrial mandar no Rio de Janeiro, porém, a favela que antes só merecia o fim, agora era vista como local que guardava imensa quantidade de votos, mesmo que fosse chaga na cidade.

A indústria crescia imensamente e junto com ela crescia o número de favelados, porém, muitas indústrias agora se instalavam no subúrbio, o que ajudou no crescimento desse e na habitação de seus morros.

Quando chega a década de quarenta o Rio de Janeiro passa pelo período de maior proliferação das favelas, sendo que o subúrbio era agora o local com o maior número delas. Além disso, uma das sugestões do Plano Agache é posta em prática e recebe o nome de Avenida Presidente Vargas, a qual contribui para expulsão da população pobre da área central da cidade.

É nesse ritmo que segue a luta de classes no Rio de Janeiro. Ora a elite massacrava a população pobre, ora afagava com falsidade sua cabeça. Nesse contexto o Rio de Janeiro deixa de ser capital do Brasil, em 1960. Em tempos de populismo alguns conjuntos habitacionais surgem para alojar o que era tido como o pior do Rio: o pobre.

Vem o golpe militar de 1964 apoiado pelas classes mais abastadas da população. O Brasil mergulhava no período que é tido como o mais violento de sua história. Era a hora das classes dominantes aproveitarem a fase autoritária, a repressão, o silêncio para separar mais ainda os estratos sociais. As favelas situadas na Zona Sul mais uma vez sofreriam com a erradicação.

Já que as favelas não podiam crescer na Zona Sul da cidade devido à violenta repressão, a solução era mesmo a mudança para o subúrbio. Madureira, por exemplo, tido por muitos como centro do subúrbio, devido ao seu caloroso comércio, teve um aumento de suas favelas em duzentos por cento.

É nesse período também, que os morros, antes tomados por sambistas, pais e mães de santos, peladeiros, ganham a presença dos traficantes de drogas e de facções criminosas.

Quando acaba a ditadura militar a ação violenta sofrida durante toda essas etapas de construção da cidade vira uma reação violenta. O tráfico de drogas começa a utilizar a seus serviços parte da desiludida população dos morros, a qual passa a ganhar um salário muito maior no trabalho com o tráfico do que no trabalho que realizava anteriormente.

Além disso, é trabalhada uma nova propaganda contra os favelados, onde eles são responsáveis por todas as mazelas da cidade, por assaltos, por mortes e principalmente pelo tráfico. Porém, o que continua oculto é que os verdadeiros responsáveis por tudo isso não precisam pegar em armas nem ter enfrentamento com a polícia. O tráfico de drogas é algo que move montanhas de dinheiro e os responsáveis por ele jamais mostram suas caras como culpados nos jornais e na televisão, muito pelo contrário, desfilam na alta sociedade como se fossem os violentados pelos pobres.

E não pára por aí. A luta das elites contra os trabalhadores continua sendo travada com perseguição, desrespeito e humilhação. Um exemplo disso são os camelôs, os quais por não terem um emprego garantido pelo Estado, se lançam às ruas e acabam sendo perseguidos como bandidos. Além disso, o transporte do Rio de Janeiro é uma absoluta vergonha. Os poderosos donos das empresas de ônibus, por exemplo, aumentam as passagens quando querem e de forma abusiva e dão ao carioca um péssimo serviço. Várias linhas possuem poucos ônibus, e domingo, se torna impossível a locomoção com velocidade pela cidade devido à falta de transporte, principalmente, é claro, no subúrbio.

Fala-se hoje que a cidade do Rio de Janeiro está fora de controle, está entregue às mãos de bandidos. Todavia, os bandidos que a controlam hoje são os mesmos que a controlaram no passado. Se hoje estamos mergulhados no caos, se estamos com medo de sair nas ruas, se convivemos com a morte, só temos a agradecer às nossas elites. Parabéns, esse foi o caminho que vocês escolheram para o Rio de Janeiro!

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