12 de agosto de 2011

Anarquia e cristianismo (por Jacques Ellul)

INTRODUÇÃO
(...) “Cruzes em chamas”[1]
(...) marinheiros de Cronstadt[2]
(...) me escandalizei com a atitude de Marx em relação a ele em sua disputa [com Proudhon] [3].
(..) Paulo [sobre uma vida de liberdade] em muitos lugares (por exemplo: 1 Coríntios).[4]
(...) Cristãos querem apaixonadamente se entender com muçulmanos, e em conversações (das quais eu participei), insistem fortemente em dois pontos de acordo, por exemplo, que as duas religiões são monoteístas e ambas são religiões do livro[5], etc.
(...) Por isso, devemos eliminar dois mil anos de erros cristãos acumulados, ou tradições enganadas,[6]
(...) Para um estudo detalhado recomendo o excelente trabalho de Vernand Eller[7].
(...) No Congresso Vermelho[8]
(...) Kierkegaard se mostra como um anarquista, embora naturalmente, não use o termo, pois este ainda não existia.[9]
(...) seus traços permaneçam.[10]
>> I – ANARQUIA DE UM PONTO DE VISTA CRISTÃO
1 – O que é anarquia?
(...) Biblicamente, amor é o caminho, não violência (a despeito das guerras narradas na Bíblia Hebraica,[11] as quais eu francamente confesso serem bastante embaraçosas).[12] Não usar a violência contra aqueles que estão no poder, não significa não fazer nada. Irei demonstrar que o cristianismo significa uma rejeição ao poder e uma luta contra o mesmo. Tal fato foi completamente esquecido durante os séculos da aliança do trono com o altar, ainda mais quando o papa se tornou o líder de um Estado, e por vezes agiu mais dessa maneira do que o líder da Igreja[13].
(...) Na dura região de Haut-Loire[14],
(...) luta contra a Comissão Costeira da Aquitânia[15]. Através de enormes esforços, conseguimos bloquear certos projetos, que seriam desastrosos para a população local, mas apenas sob julgamento, até mesmo nos níveis mais altos.[16]
(...) O inimigo hoje não é o Estado central[17] mas a onipresença da administração.
(...) Nossa premissa era que não eram os jovens os desajustados, mas a sociedade em si.[18]
(...) Os sindicatos estão preocupados apenas em defender suas posições.[19]
(...) Rene Girard demonstrou muito bem quais são as implicações da cobiça[20].
(...) Para esse desenvolvimento praticamente não há resposta. Ninguém suscita a questão[21].
2. Queixas dos anarquistas contra o cristianismo.
(...) Poderia começar relembrando a diferença que tenho dito em todos os lugares entre cristianismo (ou cristandade) e a fé Cristã como a encontramos na Bíblia[22].
(...) onde de vez em quando um herem[23] era declarado contra um inimigo do povo judeu,
(...) O auge veio com Carlos Magno, consagrado bispo externo”[24],
(...) mas a Palavra de Deus não é uma religião, e a mais séria de todas as traições foi transformá-la em uma.[25]
(...) o Estado tem supostamente sido cristão.[26]
(...) entre o baixo clero, a posição era muito menos certa. No que diz respeito ao período que eu conheço melhor[27], nos séculos XIV e XV, na maioria das revoltas camponesas o clero marchou com seus paroquianos como revolucionários e freqüentemente encabeçava os levantes.
(...) Joana d’Arc foi certamente uma cristã nacionalista pioneira[28]. A partir do século XVI as guerras se tornaram nacionais, e a igreja sempre apoio seu próprio estado. Isso levou ao Gott mit uns[29]que é um objeto de desprezo para os céticos e de escândalo para os crentes.
(...) Ele também não cria por uma terrível explosão de poder, mas por uma simples Palavra: “Disse Deus”[30] – nada mais.
(...) Deus não serve a nenhum propósito.[31]
(...) no sétimo dia Ele descansou. Mas onde entra toda a história humana? A única resposta possível é que ela toma lugar no sétimo dia[32].
(...) o Deus Bíblico é acima de tudo o Libertador[33].
>> II – A BÍBLIA COMO FONTE DA ANARQUIA
(...) Mas hoje, confrontado pelo esmagamento de indivíduos pelo Estado seja qual for o regime, nós precisamos desafiar este beemote[34]
I. A Bíblia Hebraica
(...) quando os “juízes”[35]
(...) Eles queriam um rei, assim como as outras nações[36]. Eles também achavam que um rei seria um líder militar melhor. Samuel protestou e foi a Deus em oração. O Deus de Israel respondeu: não fique chateado. O povo não rejeitou você, Samuel, mas a mim, Deus. Eles constantemente me rejeitaram desde que os libertei. Aceite seu pedido mas previna-os do que irá acontecer[37] [1 Samuel 8:7-9].
(...) Vernard Eller é mais duro que eu[38]. Ele pensa que Davi é um bom exemplo a favor da anarquia.
(...) Eclesiastes (ou Qohelet). Este livro desafia seriamente o poder político[39].
2. Jesus
(...) Sem dúvida, havia ódio em relação aos goys[40],
(...) qualquer coisa que não tiver a marca de César não pertence a ele. Tudo pertence a Deus[41].
(...) na qual não haverá poder, autoridade ou hierarquia[42].
(...) Tenho tentado demonstrar que a esta besta representa poder político em geral e suas várias formas de força[43].
(...) Ele parece ter possuído no máximo 120 legiões[44],
(...) Achamos um eco das palavras de Eclesiastes 3:16, que diz “que no lugar do juízo havia impiedade, e no lugar da justiça havia iniqüidade.”[45]
(...) Terceiro, encontramos provocação por parte de Jesus. Quando o sumo sacerdote lhe pergunta se Ele era o Messias, o Filho de Deus, Ele responde: “Tu o dizes”, mas ele acrescentou: “eu vos declaro que, desde agora, vereis o Filho do Homem assentado à direita do Todo-Poderoso e vindo sobre as nuvens do céu” (Mateus 26:64)[46].
3. Apocalipse segundo S. João
(...) Agora iremos tentar ver qual foi a atitude das primeiras gerações de cristãos ao poder. Começaremos com o Apocalipse[47].
4.1 Pedro
5. Paulo
(...) Isso pode parecer completamente maluco, mas conheci alguns cristãos que estavam na resistência contra Hitler, até mesmo ao ponto de tramar a sua derrubada, e mesmo assim engajados em orar por ele[48].
(...) Chegamos agora ao ponto final. Não poderia fechar essas reflexões dessa passagem, que infelizmente deu uma guinada errada à igreja e ao cristianismo após o século III, sem relembrar um estudo de trinta anos atrás[49]. A palavra usada nessa linha de pensamento era o grego exousiai[50], (...) Oscar Cullmann e Gunther Dehn concluem que, desde que a mesma palavra é usada ali, deve haver alguma relação[51].
>> ANEXOS
>> A interpretação de Romanos 13:1-2 por Karl Barth e Alhonse Maillot
1. Karl Barth
(...) Em seu grande comentário sobre a Epístola aos Romanos, que foi seu manifesto teológico em 1919[52],
(...) Prive essas instituições de seu pathos[53]e elas morrerão por inanição.
2. Alphonse Maillot
Embora não seja um teólogo à altura de Karl Barth, Maillot é um dos melhores comentaristas vivos da Bíblia[54].
(...) A consciência pode nos levar a desobedecer, obedecendo mais a Deus do que aos humanos, como Pedro diz (Atos 5:29). Isso poderia acontecer por razões que os políticos não podem entender[55].
Objetores conscientes
(...) Devemos agora dar uma olhada na aplicação dessas orientações pelos cristãos que, nos três primeiros séculos, tornaram-se “cidadãos rebeldes”[56].
(...) O número de soldados cristãos cresceria na segunda metade do século III, apesar da desaprovação das autoridades da igreja e de toda a comunidade cristã[57].
>> Testemunho: sacerdote e anarquista
(...) Elena Bonner[58], esposa de Sakharov[59],
(...) Além disso, a não-violência de Jesus é muito diferente da de Lanza del Vasto[60] e, mais recentemente, a de Lech Walesa.
Adrien Duchosal
>> Conclusão
(...) Naturalmente, cristãos podem ser firmemente de direita, a direita atual, o que temos visto a direita se tornar. A direita republicana da Terceira República tem algum valor[61]. Esse não é o problema. A direita agora se torna o triunfo bruto do hiper-capitalismo ou fascismo[62].

* * *

>> NOTAS:
[1] Aqui, no original “Fiery Cross”, creio se tratar dos movimentos da KKK nos EUA. (N. do T.)
[2] Levante de marinheiros que ocorreu em 1921 em Petrogrado. Os insurretos demandavam melhores pagamentos e mais comida. Quando uma delegação que os representava foi se encontrar com Trotsky em Moscou, este os mandou prender por insurreição. Quando Trotsky ordenou aos oficiais da frota que suspendessem as agressões, estes prenderam agentes do governo soviético. (N. do T.)
[3] Proudhon escreveu o Sistemas de contradições econômicas ou filosofia da miséria, onde criticou o autoritarismocomunista e defendeu um estado descentralizado. Marx, que admirava Proudhon, leu a obra, não gostou, e respondeu a Proudhon em 1847 com Miséria da filosofia, decretando o rompimento de relações entre ambos. (N. do T.)
[4] Conforme meu Ethique de la liberte, 3 vols. (Geneva: Labor et Fides, 1975-1984) (condensado em tradução inglesa Ethics of Freedom [Grand Rapids: Eerdmans, 1976), no qual mostro que liberdade é a verdade central da Bíblia e que o Deus bíblico é acima de tudo um libertador. Como Paulo diz, é para a liberdade que somos libertos, e Tiago que diz, que a lei perfeita é a liberdade.
[5] Tenho demonstrado em todos os lugares que o Deus da Bíblia realmente não tem nada em comum com Alá. É preciso lembrar que podemos ler o que quisermos na palavra “Deus”. Também tenho demonstrado que apesar de alguns nomes e histórias, a Bíblia e o Corão não possuem nada em comum. (N. do A.)
[6] Algum tempo atrás eu expliquei esse movimento da Bíblia o qual eu chamo cristianidade, com razões políticas e econômicas, etc.; ver meu Subversion of Christianity (Grand Rapids: Eerdmans, 1986).
[7] Eller, Christian Anarchy (Grand Rapids: Eerdmans, 1987).
[8] No original: “Red Congress” (N. do T.)
[9] Ver Vernard Eller, Kierkegaard and Radical Discipleship (Princeton: Princeton University Press, 1968).
[10] Conferir a interessante fundação de confraternidades nos séculos VII e VIII.
[11] Prefiro este título a “Antigo Testamento” para evitar a acusação de que os cristãos anexaram esses livros e privaram os judeus, a quem realmente pertencem.
[12] Cf. meu livro Violence: Reflections from a Christian Perspective (New York: Seabury, 1969).
[13] Vemos aqui a perversidade do poder no fato de que ao papa foi dado um vasto domínio para libertá-lo da pressão política exercida por reis, imperadores, barões etc, isto é, para assegurar sua independência, mas o resultado foi exatamente o oposto.
[14] Uma região da França localizada na região de Auvergne. (N. do T.)
[15] Região da França. (N. do T.)
[16] Um ponto interessante é que conseguimos forçar a própria administração a agir de maneira ilegal. O método foi simples. A administração começou a trabalhar fora das regras e teve que se justificar por ordens e decretos. Biasini, o diretor da Comissão, desenvolveu a teoria de que quando um trabalho é começado, mesmo que irregularmente e sem um inquérito adequado, nada mais pode ser feito. Em outras palavras, uma vez que as máquinas começassem a trabalhar, não haveria mais recursos. Isso significa uma total regulamentação e uma oficial autorização da ilegalidade. Outro exemplo ainda foi a construção de uma ponte rejeitada por um tribunal mas que continuou como se nada tivesse acontecido.
[17] Embora seu papel seja desastroso! Para um estudo esclarecedor cf. J. J. Ledos, J. P. Jezequel, and P. Regnier, Le gachis audiovisuel (Ed. Ouvrieres, 1987).
[18] Cf. Y. Charrier and J. Ellul, Jeunesse dé linquante: Une Expé rience en province (Paris: Mercuse de Frace, 1971).
[19] Não podemos esquecer que no argumento de salvar os empregos eles apoiaram a insensatez do Concorde e ainda justificam a manufatura e exportação de armas.
[20] René Girard é conhecido por suas teorias que consideram o mimetismo a origem da violência humana que desestrutura e reestrutura as sociedades, fundando o sentimento religioso arcaico. Girard se auto-define como um antropólogo da violência e do simbolismo religioso. Alguns o consideram o "Darwin das ciências humanas".
Por meio de seus trabalhos de antropologia, ele teorizou o que é considerado uma de suas grandes descobertas: o mecanismo da vítima expiatória, segundo ele um mecanismo fundador de qualquer comunidade humana e de qualquer ordem cultural: quando o objeto de desejo é apropriável, a convergência dos desejos conflitantes em sua direção engendra a rivalidade mimética que é a fonte da violência. No grupo primitivo, esta violência, por paroxismo, se focaliza numa vítima arbitrária cuja eliminação reconcilia o grupo. Esta vítima é, para Girard, sagrada e constitui a gênese do sentimento religioso primitivo, do sacrifício ritual como repetição do evento originário, do mito e dos interditos.
Fonte: Wikipédia (N. do T.)
[21] Exceto por alguns cientistas que vêem os perigos da ciência, e algumas poucas figuras isoladas, como C. Castoriadis.
[22] Ver meu Subversion of Christianity (Grand Rapids: Eerdmans, 1986).
[23] Algo como a excomunhão para os judeus. (N. do T.)
[24] Uma espécie de bispo indicado para cuidar de “assuntos externos”, como a guerra, por exemplo.
[25] Ver Ibid. p 17.
[26] Tenho sempre afirmado que é impossível para o Estado ou para a sociedade ou uma instituição serem cristãos. A partir de que ser cristão é um ato de fé, é totalmente impossível para uma abstração como o Estado.

Nenhum comentário: