Nos últimos anos a historiografia, a sociologia e a antropologia têm aberto um grande e valoroso espaço para tratar do percurso das pessoas de pele negra ao longo da história, principalmente no que diz respeito ao Brasil. Os livros de história que antes eram extremamente eurocêntricos (só relatavam a construção do Brasil através dos olhos do homem europeu) começam a abrir espaço para a visão das populações que nos primeiros anos de Brasil ocupavam o território africano.
Muitos movimentos negros têm crescido e ajudado nesse enriquecimento da nossa história, porém algumas pessoas, sejam cientistas ou curiosos nessa questão, têm estado muito presas a esse ídolo das origens que tanto move o homem. Sendo assim, alguns acabam adotando uma postura de saudosismo com relação à África e esquecem que todas essas pessoas vindas de lá começaram a construir uma vida nova quando chegaram ao Brasil.
Esse saudosismo nutrido por alguns, além de dificultar que as pessoas da cor negra conquistem seu espaço como brasileiros, é extremamente equivocado, pois passa a impressão de que na chamada Mãe África a vida era de imenso respeito cultural, pacifismo e colaboração entre as pessoas de mesma cor.
O resgate da história africana desmente várias coisas que os europeus construíram através de sua visão etnocêntrica. Os povos que habitavam a África não eram nada incultos, muito pelo contrário, possuíam uma cultura riquíssima; tampouco eram menos inteligentes, ou mais sanguinários e violentos que os homens da Europa. Porém essas descobertas da riqueza cultural africana têm sido usadas por alguns para deturpar a história dos povos de tal continente só que agora através do exagerado enaltecimento. É importante perceber que os povos africanos em momento algum viveram em grandiosa harmonia.
A África estava marcada fortemente por guerras tribais e muitos dos negros que foram escravos no Brasil, foram antes escravos na própria África. Chegavam aqui justamente porque muitos europeus realizavam trocas com os africanos os quais forneciam os escravos tirando até mesmo a necessidade dos europeus guerrearem ou terem que se aventurar no interior da África. Não é à toa que a Europa só teve forte presença no litoral de tal continente através de feitorias.
Sendo assim, não existe motivo para sustentar um sentimento de saudosismo, é claro que a violência de ser arrancado de seu próprio continente é enorme, porém alguns poucos africanos, por incrível que pareça, ainda conseguiram ter uma vida melhor como escravos no Brasil, trabalhando dentro da Casa Grande, do que na própria África. Claro que isso não redime de forma alguma a escravidão, porém mostra o quanto estão erradas essas correntes que fazem apologia à vida no continente africano.
A pele é o maior órgão do corpo humano, também o mais perceptível. Outra coisa extremamente perceptível é que as várias sociedades ao longo do tempo tiveram tendência a reagir de forma preconceituosa contra o que é diferente. Uniu-se ao longo da história a questão da diferença de pele, no que tange a coloração, e essa tendência à discriminação. Isso levou milhões de pessoas ao sofrimento, pois se criou a noção de raça, sendo que uma seria superior a outra. O grande exemplo disso são as injustiças, perseguições e violências que vêm ocorrendo contra as pessoas de pele negra. Muitas vezes, até mesmo com o apoio da ciência, foram criadas falsas verdades que diziam que as pessoas de coloração mais escura eram inferiores intelectualmente, aptas a duros trabalhos braçais e a escravidão sexual.
Além disso, querer voltar à África é colocar em olvido toda uma cultura que foi construída no Brasil, pois por mais branca que um brasileiro possa ter sua pele, ele tem muito, culturalmente, do que foi acrescentado pelas pessoas de pele negra. Isso fica muito claro em cidades como Salvador e Rio de Janeiro, onde todas as pessoas, independente da cor de pele, possuem hábitos gritantes de influência européia e de influência africana.
É importante que se aproveite o clima de valorização da cultura negra, de descobertas com relação à África, de resgate histórico. O que não se pode deixar que aconteça é que a história agora seja deturpada para o outro lado. Deve se frisar com toda a força possível que construímos o Brasil, independente de termos a pele branca, a pele negra ou vermelha. Querer abandonar essa história para o retorno a uma história africana é aceitar todo um preconceito e negar a importância que as pessoas de pele negra tiveram para erguer culturalmente, politicamente, socialmente e intelectualmente o Brasil.
Esse conceito racial balança completamente e fica muito perto de uma queda depois que se passou a encarar que todos os homens são oriundos do mesmo lugar, até hoje o mais provável é que esse lugar seja a África, esses homens teriam também inicialmente uma mesma cor, a qual só sofreu mudanças posteriormente, com o passar dos anos e com o deslocamento da espécie humana, devido ao clima de cada região.
Isso derruba o conceito de raça negra, raça branca, ou outra qualquer. Até porque todos são homo sapiens sapiens, ou seja, homem que sabe que sabe, nada mais nada menos do que humanos. Sendo assim, não existe privilégio intelectual ou físico determinado pela cor da pele.
Abre-se assim um leque de pensamentos. Por que a pele? Claro que conta absurdamente a questão de estar sempre visível. Porém, imagine quantos outros tipos de discriminação poderiam ter ocorrido ao longo da história por fatores que não determinam de forma alguma superioridade ou inferioridade de um ser humano em relação ao outro: milhares de pessoas de cabelos loiros poderiam ter sofrido nas mãos das de cabelos negros. Milhares de pessoas de olhos azuis poderiam ter sofrido nas mãos das de olhos castanhos. Milhares de pessoas de orelhas pequenas poderiam ter sofrido nas mãos de pessoas de orelhas grandes e vice-versa. É importante perceber que os fatores são tão banais quanto os que são usados para segregar negros, brancos, vermelhos, amarelos.
É no meio dessa opressão por causa da cor que nascem várias crianças, as quais desde o berço são discriminadas. Muitas famílias mesmo sendo de pele negra têm como principal preocupação ao nascer o filho constatar se ele nasceu um pouco mais branquinho, com o cabelo um pouco mais lisinho. Isso se deve aos traumas, dificuldades e medos que uma pessoa de cor negra acumula devido às dificuldades que tem que enfrentar no mercado de trabalho e nas relações amorosas ou de amizade. O grande perigo é quando as pessoas da cor que sofre preconceito começam a nutrir esse preconceito contra elas próprias. O bonito da humanidade é justamente o respeito às diferenças, por isso não há motivo para se negar a existência de olhos azuis, de cabelos ruivos, de dentes separados, de pele negra ou seja lá o que for. Muito pelo contrário, o primeiro passo para lutar contra o racismo é a pessoa assumir a cor da sua pele e encarar isso como algo extremamente natural, perceber que sua raça é a mesma de todas as outras pessoas: a raça humana.
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