A polêmica levantada sobre o suposto prejuízo ao desenvolvimento econômico de Bauru ocasionado pela Lei do Cerrado, criada em 2009 e vigente em todo o Estado de São Paulo, ganhou mais um capítulo na tarde de ontem, em reunião entre vereadores, governo municipal, Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) e Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb). O encontro foi marcado pelo vereador Renato Purini (PMDB), que tem liderado as críticas nesse sentido na Câmara Municipal. Por outro lado, um possível afrouxamento da recente legislação é fortemente criticado por representantes ambientalistas.
Um dos principais pontos discutidos na reunião foi a negativa da Cetesb na liberação do desmatamento de 11 áreas do Distrito Industrial II, com vegetação cerradeira, doadas a empresas na gestão do então prefeito Tuga Angerami. A Prefeitura de Bauru vai pedir para que o órgão reavalie a possibilidade de que os empreendimentos possam ser instalados nesse local. Gerente da Cetesb em Bauru, Alcides Tadeu Braga confirmou que as argumentações enviadas pelo município serão consideradas. No entanto, pontuou que garantir o cumprimento da lei é a posição da Cetesb. “É uma lei nova. Não existe o argumento de que ela é antiga e precisa ser revisada. Além disso, ela é muito específica e os critérios estão bem definidos”, afirmou.
Com histórico na militância ambientalista, o prefeito Rodrigo Agostinho (PMDB) não nega a polêmica em torno do debate, mas acredita que algumas das áreas em discussão poderiam ser liberadas para a ocupação das empresas em razão do nível de degradação já existente. “Muitas delas já foram bosqueadas, outras queimadas e algumas tornaram-se depósitos de lixo. Em alguns casos há também a invasão de espécies invasoras, o que descaracteriza o cerrado em si”, explicou.
O prefeito, porém, diz ser um defensor do bioma e diz que, mesmo com o pedido de reavaliação da licença para o desmatamento das 11 áreas em questão, a administração está em busca de novos locais para a instalação de empresas. “Não podemos continuar derrubando mata. Queremos inclusive a criação de um novo Distrito Industrial à beira de rodovias como a Marechal Rondon, Bauru-Iacanga e Bauru-Marília. A questão é que os valores são muito caros”, pontuou Rodrigo.
Além do prefeito, participaram do encontro, na tarde de ontem, realizado na Cetesb de Bauru, os secretários municipais do Meio Ambiente, Valcirlei Silva; do Desenvolvimento Econômico, Paulo Ferrari; do Planejamento, Rodrigo Said; e o presidente da Emdurb, Nico Mondeli. Entre os vereadores, participaram Renato Purini (PMDB), Chiara Ranieri (DEM), José Roberto Segalla (DEM), Marcelo Borges (PSDB), Gilberto dos Santos (PSDB) e Carlão do Gás (PR).
Também ficou estabelecida, na reunião de ontem, a criação de uma comissão para discutir a Lei do Cerrado. Vão participar do grupo representantes da administração, da Câmara e do Ciesp, que vai sediar o próximo encontro, marcado para o dia 26 de agosto. Segundo Rodrigo Agostinho, entidades ambientais também serão convidadas. Já a Cetesb deve enviar um técnico para o esclarecimento de possíveis dúvidas. “Nossa participação não será propositiva”, garantiu o gerente do órgão.
Além disso, a Cetesb de Bauru poderá levar à capital e ao governo do Estado os apontamentos acerca da lei, obtidos a partir do trabalho da comissão. Segundo o vereador Renato Purini, a Lei do Cerrado é alvo de divergências de interpretações, que precisam ser melhor discutidas e reguladas. “Há entendimentos de áreas em que o Cerrado está degradado e a legislação não deve ser aplicada. Algumas questões ainda não estão claras e os técnicos acabam tomando decisões pela não liberação das áreas”, apontou.
O vereador afirmou ainda que Bauru é a cidade mais prejudicada em razão da concentração de 90% da vegetação cerradeira no perímetro urbano. “Nós precisamos tomar a frente nessa discussão. Caso contrário, nada será feito, pois nenhum município está sendo tão afetado. Devemos ter uma conversa individual com o Estado”, opinou. Outro argumento utilizado pelo parlamentar, no caso específico das áreas do Distrito Industrial II já destinadas a empresas, é de que suas doações foram anteriores à criação da lei de 2009.
Um dos principais críticos do impacto da Lei do Cerrado ao desenvolvimento econômico de Bauru, o diretor do Ciesp em Bauru, Domingos Malandrino, defende uma regulação específica para o município, em razão das características da presença do bioma no perímetro urbano. “A lei é boa para o Estado e seria boa para o País, mas precisamos encontrar alternativas sustentáveis para ela por aqui, pois muitas empresas estão impossibilitadas de ampliar suas instalações ou virem para Bauru”, disse.
Segundo Malandrino, ninguém defende o desmatamento de grandes áreas de Cerrado, mas sim a liberação para ocupação de áreas com vegetação isolada. “Às vezes existem cinco ou seis árvores que impedem o crescimento de um empreendimento. A gente quer fazer a descrição precisa desses casos e levar a discussão a São Paulo”, explicou. O diretor do Ciesp garante que a situação será encarada de forma técnica, mas elogiou a participação da classe política na discussão.
O presidente da ONG SOS Cerrado, Amilton Marques Sobreira, comparou a mobilização dos chamados ‘desenvolvimentistas’ com uma ‘ditadura municipal’. “Eles estão agindo como se não precisassem respeitar uma lei que vale para todo o Estado de São Paulo”, explicou.
Sobreira dirigiu um senhor petardo verbal em Rodrigo Agostinho por conta do conflito entre sua militância ambientalista e a atitude em pedir a reavaliação da Cetesb acerca da liberação de áreas cobertas pela vegetação cerradeira para a instalação de empresas. “Por que a instalação exatamente nessa área se existem tantas outras que poderiam ser ocupadas? As declarações que tenho acompanhado na Câmara Municipal a respeito do assunto são verdadeiras aberrações”, afirmou.
O presidente da ONG garante que os prejuízos gerados à fauna e flora do Cerrado nunca seriam, de fato, recuperados mesmo com medidas de compensação ambiental. “De acordo com a lei, se for compensar, tem que ser uma área quatro vezes maior à destruída. Será que eles vão fazer isso? Não tem cabimento destruir algo que já está quase em extinção por conta de caprichos”, finalizou.
Com discurso um pouco mais brando, a colaboradora do Instituto Vidágua e do Observatório Cerrado Vivo Katarini Miguel evitou tocar no nome de Rodrigo Agostinho, mas admitiu que acompanha com pesar as discussões em torno da aplicação da Lei do Cerrado em Bauru. “A legislação é muito clara e nós não queremos nada além do que ela prevê”, pontuou.
Katarini disse se surpreender pelo fato de as empresas terem o interesse de se instalarem justamente na área ocupada pelo Cerrado. No Estado de São Paulo, apenas 1% do bioma original está preservado. Esse índice é de 7% na cidade. Entre os municípios de médio porte do Estado, além de Bauru, apenas São Carlos, Botucatu, Assis e Ribeirão Preto possuem incidência de vegetação cerradeira.
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