9 de agosto de 2011

O Verdadeiro Som Revolucionário

Desde as primeiras organizações rebeldes, desde o princípio da luta, que a música acompanha os rebelados e possui um papel fundamental junto a eles. Seja para ganharem força, comemorarem a vitória, chorarem a perda, ou simplesmente, servirem-se de alguns momentos de alegria.

Os quilombolas, por exemplo, sempre preservavam um pouco da sua cultura africana e no meio dela estavam os cantos tribais. A música era algo mítico, trabalhava junto com o corpo e era sustento para os sonhos e para a continuidade da batalha.

Vindo para um passado menos remoto, ainda soam no ar os cantos da Internacional Comunista.

“De pé, oh vítimas da fome!
De pé, famélicos da terra!
Da idéia a chama já consome
A crosta bruta que a soterra.

Cortai o mal bem pelo fundo!
De pé, de pé, não mais senhores!
Se nada somos neste mundo,
Sejamos tudo, oh produtores!

Bem unido façamos,
Nesta luta final,
Uma terra sem amos
A Internacional”

(Trechos da Internacional Comunista)

A Internacional não embalou somente os revolucionários soviéticos, mas, teve passagem inclusive pelo Brasil, principalmente no período do Estado Novo e no da Ditadura Militar.

Em se tratando de América, a Revolução Zapatista, a Revolução Cubana e a Revolução Sandinista foram ótimos exemplos de musicalidade, assim como foram de revolução. Os corridos cantando a saga vitoriosa, praticamente lendária de Emiliano Zapata e Pancho Villa são obras extremamente populares e históricas. Em Cuba, Fidel Castro lia a carta de despedida de Che Guevara e Carlos Puebla lançava a música "Hasta Siempre Comandante". Já os Sandinistas, com sua revolução ao mesmo tempo socialista e cristã, faziam missas camponesas espetaculares, misturando ritmos e cantos de luta com cantos de agradecimento. Seus versos embalavam os filhos de Sandino:

“Adiante, marchemos companheiros
Avancemos para a revolução
Nosso povo é o dono de sua história
Arquiteto de sua libertação

Combatentes da Frente Sandinista
Avancemos, é nosso porvir
Vermelha e preta,
A bandeira nos protege
Pátria livre
Vencer ou morrer!”

(Trechos do Hino da Unidade Sandinista)

Os anos eram de chumbo no Brasil e a música era um braço de luta da  democracia. Chico Buarque, dava dribles intelectuais na ditadura, com o  seu personagem Julinho da Adelaide, explodia com sucessos como "Acorda  Amor" e depois comemorava o fim da ditadura cantando:  

 “Vai passar
Nessa avenida um samba popular
Cada paralelepípedo
Da velha cidade
Essa noite vai
Se arrepiar

Ao lembrar
Que aqui passaram
sambas imortais
Que aqui sangraram pelos
nossos pés
Que aqui sambaram
nossos ancestrais

Num tempo
Página infeliz da nossa história
Passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações

Dormia
A nossa pátria mãe tão distraída
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações"

(Trechos de Vai "Passar")


Gilberto Gil, via a notícia da morte de Ernesto Guevara e compunha na mesma hora o sucesso "Soy loco por ti ". Geraldo Vandré embalava os militantes de todo o Brasil com a música “Pra não dizer que não falei das flores” e Elis Regina era a voz mais bela no canto da anistia “O bêbado e o equilibrista”. Eram anos de extrema dureza política e de extremo brilhantismo poético e musical.

A ditadura estava não só no Brasil, mas, por várias partes da América. No Chile, Salvador Allende era deposto e junto com ele, vários defensores de seu governo eram caçados. Entre eles Victor Jara, um dos mais brilhantes cantores da época. Mas, sua voz e sua música jamais calaram-se no Chile, mesmo depois do cantor ter sido .

Mercedes Sosa, Violeta Parra, Soledad Bravo eram as vozes femininas que embalavam o povo. Canções que reverenciavam os estudantes, os operários, os camponeses e toda uma cultura popular. Era um tempo em que a mulher mostrava que também estava na luta da América Latina, valorizava seus filhos, a inteligência, a poesia. Não precisava vender seu corpo a serviço da mídia. Seu corpo, sua voz, seu cérebro, eram armas de guerra.

Em Cuba, saíam do Grupo de Experimentação Sonora do ICAIC (Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica) os cantores Silvio Rodríguez e Pablo Milanés, suas músicas falavam das vitórias de uma Cuba em guerra, dos heróis do povo e do próprio povo. Praia Girón, camponesas, revolucionários, tudo ia tomando forma de poema, forma de música.

"Que tipo de adjetivos se deve usar para fazer o poema de um barco sem que seja sentimental, fora da vanguarda ou evidente panfleto/ se devo usar palavras como Frota Cubana de Pesca e "Praia Girón"?"

(Trecho de Praia Girón)

Atualmente a música é usada como instrumento de alienação dos povos. Essa estratégia é antiga e vem desde os tempos do Império Romano, onde o "pão e o circo" eram usados para manter as massas em uma posição não revolucionária.

A censura dos grandes cantores e compositores que buscam fazer o povo refletir sobre assuntos políticos, econômicos e sociais é maior do que na época da própria ditadura militar. O povo foi treinado a rejeitar todas as linhas que contêm palavras mais difíceis que loura, morena, mulata, bunda, vadia, chifre, thaca-thaca na buchaca, sexo, infidelidade amorosa...

Até mesmo quem lutou pela redemocratização e sobreviveu ao despotismo parece ter perdido as forças. Talvez pela facilidade que é se acomodar num sistema supostamente democrático. Talvez pela decepção com a queda e com os erros do socialismo soviético. Talvez por perder a força ao ver o tamanho do poder dos agentes da alienação.

Nasce uma juventude carente de músicas que sirvam de balada para seus  sonhos. Vítima da alienação ou da aculturação, pois se não estão entregues  a alguns lixos musicais nacionais, adotam músicas de culturas dominantes, é o imperialismo musical. Nele, a cara de mau e a gritaria se fingem de  rebeldia. Palavras de ordem gritadas sem qualquer conhecimento teórico  contrastam com as montanhas de dinheiros que rolam por trás desses estilos  musicais.

Carlos Puebla, Daniel Viglietti, Victor Jara, Silvio Rodrígues, Pablo Milanés, Violeta Parra, Mercedes Sosa, Soledad Bravo... Por mais que  tentem amordaçá-los, mesmo que seja com o pano da morte, suas vozes continuarão ecoando, fraco, talvez hoje ecoem muito fraco... mas, ecoam. E esse ecoar é incessante, pois poesias e sons de tamanha beleza, por mais  que os abafem, jamais são destruídos por completo. Podem se reerguer a qualquer momento e se tornarem colossais novamente. São mais que música, mais que poesia, são o povo, são uma fortaleza.


















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