Não fora a toa que uma religião emergira no Oriente no primeiro século, disputando espaço com crenças já estabelecidas como o gnosticismo e as religiões de mistérios, fortemente ligadas ao politeísmo e paganismo. Mesmo que o cristianismo tenha tomado uma posição alienante em relação a existência logo em seu início, principalmente a partir dos pais apostólicos (Clemente de Roma, Inácio, Papias, Policarpo e outros), não podemos negar que o homem Jesus fora umas das maiores personalidades do mundo.
Devidos alguns fatores que não cabem serem discutidos aqui, os autores dos evangelhos canônicos não se preocuparam em relatar a infância do Cristo. Porém alguns escritos, considerados "apócrifos" pela Igreja enfatizaram a infância de Jesus. O mais conhecido desses escritos é o evangelho de Tomé, que pelo visto fora escrito no segundo século, pois Irineu em fins desse século aludiu à história constante no sexto capítulo dessa obra, que parece ter sido popularizada, sendo traduzida para o grego, siríaco, latim, georgiano e outras, além de ter influenciado outros evangelhos semelhantes em árabe e armênio.
Não obstante, não é nosso objetivo tratar da alta crítica textual, nem salientar o trabalho exegético, muito menos tentar descobrir a veracidade histórica das narrativas. O que desejo é traçar um pequeno comentário sobre o capítulo XII da obra, que diz o seguinte:
- "Certa vez, sendo tempo de semeadura, saiu Jesus com seu pai para semear trigo em sua propriedade. Enquanto José esparramava as sementes, o Menino Jesus teve também vontade de semear um grãozinho de trigo. Após ceifar e debulhar, sua colheita somou cem coros, equivalente a quase quarenta mil litros. Convocou em sua propriedade todos os pobres da região e repartiu com eles os grãos. José, depois levou para si o restante. Jesus tinha oito anos, quando operou este milagre."
Não me incomodo valorar o milagre do menino, pois o mítico é existencialmente vazio para o homem contemporâneo (pelo menos deveria ser). O que é digno de nota é que, as ações de Jesus perpetuaram no primeiro século a imagem ontológica, essencial e existencial do Cristo. E esse texto nos revela que Jesus tinha uma mentalidade socialista. Essa imagem, do Jesus socialista, era tão forte que além de Lucas registrar que os primeiros cristãos viviam em comum, repartindo suas riquezas, também a imagem de Jesus em sua infância, pintada por um pseudo Tomé, demonstra sua preocupação para com os pobres.
Não vejo nem nos evangelhos nem nos escritos apócrifos Jesus como fundador da religião cristã ou de um quadro anfibológico de doutrinas dogmáticas. Vejo sim, Jesus como um dos inauguradores do socialismo. Não fora a toa que a narrativa do jovem rico fora registrada nos três sinópticos.
Jesus era socialista não por intenções político-econômicas, mas porque se preocupava com a existência.
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