8 de agosto de 2011

Tropicália e a Discussão do Papel da Arte na Sociedade

Na ditadura militar a arte teve papel fundamental nos movimentos políticos de esquerda para conscientizar o povo contra o regime. A atuação da União Nacional de Estudantes (UNE) na política do país se intensificou quando foi criado, em 1961, o Centro Popular de Cultura, que veio acolher artistas e universitários engajados em um movimento artístico revolucionário. Esse movimento criticava a arte que não fosse voltada para o popular, o que não fosse de acesso às massas, chamando essa de arte alienada.

No final da década de 60 surge o movimento tropicalista fundado por Caetano Veloso e Gilberto Gil querendo revolucionar a arte. Consideravam a arte proposta pelo CPC da UNE arcaica, onde adaptava a estética da bossa nova a outros estilos brasileiros e os aspectos dos discursos nacionalistas. O que a Tropicália pretendia era a junção do arcaico com o moderno, pegar a base da bossa nova e misturar a música brasileira com outras tendências. Além disso, o tropicalismo apresentava a modernidade trazida pela burguesia e pela ditadura. Ou seja, justamente o que a esquerda engajada criticava como arte alienada.

Além de Caetano e Gil, outros artistas como Cacá Diegues, Jorge Mautner, Waly Salomão etc. começaram a ser chamados de alienados por apresentarem uma arte subjetiva ao invés de uma arte que demonstrasse a realidade brasileira. Após levar duras críticas sobre o filme Xica da Silva, ao dar uma entrevista a O Estado de S. Paulo (31/08/78) sobre o lançamento do filme Chuvas de Verãoº, Cacá Diegues acusou a existência de "patrulhas ideológicas" criticando as "tentativas de supervalorização de um determinado produto cultural a partir de algumas características superficiais, aparentes, que fechavam com posições políticas".¹ Cacá Diegues em muitas outras entrevistas afirmava também que ele era um artista e por isso não tina a obrigação de confundir arte com política. Henfil, então, ao saber do depoimento do cineasta, começou a por críticas pesadas a ele abrindo uma briga entre "patrulheiros" e "patrulhados". Mais à frente, Henfil daria o nome de "patrulha odara" aos que exigiam atitudes apolíticas nas artes. Essa expressão foi dada devido a uma música de Caetano que dizia: "Deixa eu dançar/ Pro meu corpo ficar odara".

Mas o debate sobre o envolvimento entre arte e política não é recente. Malevich, grande artista do suprematismo russo, foi um dos que acolheram a revolução de 1917 na Rússia, mas, para ele, a arte não tinha um fim utilitário, o artista deve ser independente e sua arte não orientada para as ideologias sociais e políticas. Foi contra a submissão do artista ao Estado, pois, dizia ele, que o Estado "cria uma estrutura de realidade que passa a ser a consciência das massas" ² sendo essa uma arte voltada para a propaganda. A arte realmente não pode deixar de ser subjetiva e nem ser dogmática, como insistia Malevich.

Porém, o artista não é uma ilha isolada do resto do mundo talvez como ele gostaria que fosse, ele também é parte de uma sociedade e contribui, ou pelo menos deve, contribuir para a sua organização e a partir disso é que o artista, apesar de ter a sua independência na obra, deve ter a responsabilidade com a arte que é propalada, principalmente aquela difundida em tempos dolorosos como foi o do regime militar. E por isso a arte tem a sua função política quando seus criadores mantêm contato com as massas. Talvez o maior exemplo de um artista que tenha sido tanto subjetivo como crítico e politizador tenha sido Diego Rivera que sabia expressar com seu pincel tanto a sua individualidade, a sua visão artística quanto à apresentação das questões sociais.

Embora a tropicália tenha trazido aspectos importantes para a música brasileira, esse movimento pecou quando no momento em que o Brasil vivia uma ditadura se preocupou mais com uma arte filosófica do que com uma arte que mostrasse ao povo que se deveria lutar contra o regime. Seus membros apoiaram a modernidade burguesa e assim passaram a defender os presidentes que adotassem uma política de abertura. Dedicavam-se a uma luta pacifista para o fim da ditadura militar.

As brigas entre "patrulhas ideológicas" e "patrulhas odaras" pode dar a impressão que os tropicalistas não simpatizavam com a esquerda. Em algumas entrevistas Caetano listava o nome de seus críticos e chamava-os de comunistas. Mesmo que não fosse intencional, acabou sendo um erro, pois, naquela época a caça aos comunistas era pesada e o que ele fez nada mais foi do que uma delação (na periferia isso se chama caguetagem!) colocando em risco a vida dos que foram citados.

Tárik de Souza afirmava que Odara significava "largar tudo, esquecer a luta política para dançar".³ Alguns cantores tropicalistas estavam mais preocupados com a vendagem de discos do que com a situação política do país, o que não é muito diferente da esmagadora maioria dos artistas de hoje que estão na mídia.

Tom Zé, Zé Ramalho,Baby do Brasil,Gonzaguinha, Ivan Lins, Sérgio Sampaio, Jards Macalé,  e Moraes Moreira, entre tantos outros, que não foram infelizmente aqui citados, mas merecem ser lembrados, devido a sua imensa colaboração com a luta social,  são as únicas remanescências do tropicalismo que se preocuparam com a arte e não a sua comercialização.

NOTAS:

0- O Rebelde do Traço - A Vida de Henfil (p.353)
1- Extraído do livro de Carlos Alberto M. Pereira e Heloísa Buarque de Holanda: Patrulhas Ideológicas Marca Reg.
2- Conceitos da Arte Moderna (p. 101)
3- O Rebelde do Traço - A Vida de Henfil (p.358)

Referências Bibliográficas:

COELHO, Cláudio N. P. - A Tropicália: Cultura e Política nos Anos 60. http://www.fflch.usp.br/sociologia/revistas/tempo-social/v1-2/coelho.htm
MORAES, Denis de. O Rebelde do Traço - A Vida de Henfil. Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1996.
NAVES, Santuza Cambraia. Da Bossa Nova À Tropicália. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor, 2001.
STANGOS, Nikas. Conceitos da Arte Moderna (pág. 100,101 e 102).

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