4 de junho de 2010

APENAS A HISTÓRIA DE MAIS UM BAURUENSE...

São 04:00hs da manhã e seu Firmino já está de pé para a sua batalha. Morador da Baixada do Jaraguá que sofre com a questão da falta d água e de saneamento adequado. Na noite anterior uma chuva torrencial deixou a rua de Firmino completamente enlameada misturada com o esgoto que cai numa vala que transbordou dificultando a locomoção dos moradores da região e trazendo doenças para as crianças que mesmo assim brincam nas ruas.

Apesar dos seus 68 anos, Firmino não desanima e sabe que tem que vender suas balas nos ônibus para garantir a alimentação de sua família e ainda ajudar sua mãe com os remédios. Dona Irinéia, mãe de Firmino, está com catarata nos dois olhos, quase sem visão alguma, e problemas nos rins e no pulmão...
Firmino pega o moto-táxi até o depósito para buscar as suas mercadorias e de lá pega a linha 4123 (Beija-Flor) até no Centro onde começa a sua jornada. Após vender algumas balinhas no “busão” ele chega às 07:00hs na Avenida Rodrigues Alves e entra na linha 4135 (Duque - Cerejeiras) tentando a sua sorte.
- Bom dia senhores passageiros!
E nenhuma alma é capaz de responder ao humilde senhor. Então, com tom alto:
- Eu disse, muito bom dia, senhores passageiros!
E meia dúzia de gatos pingados responde como se estivesse sendo forçada. Prossegue então Seu Firmino:
- Venho aqui humildemente vender essas deliciosas balas com diversos sabores. É o mais novo lançamento da Bibibalas. Tem de tuti-frutti, manga, melancia, guaraná, melão, mamão com laranja, açaí, acerola e café com menta. Irei dar uma bala de prova para os senhores passageiros experimentarem essa deliciosa bala. Olha pessoal, para quem não estiver com dinheiro eu aceito vale-transporte ou ticket-refeição...
E assim é a sua rotina de segunda a sábado. Após deixar o 4135, Firmino tenta o próximo, mas vários motoristas não permitem a sua entrada no ônibus e ainda um fiscal de uma das empresas de ônibus espanta-o dando-lhe socos e pontapés e gritando: “Sai daqui seu nego vagabundo!”. Seu Firmino decide então ir para a Av. Duque de Caxias e continuar com o seu trabalho. Nota-se em seu olhar que a situação tem andado muito difícil e que a cada dia que passa ele se vê com menos chances de tentar dar um futuro diferente, um pouco melhor para os seus três filhos e sua esposa.
Jaqueline, sua filha mais velha com 21 anos é auxiliar de enfermagem, conseguiu se formar no 2º grau profissionalizante na Fatec e faz estágio na Secretaria Municipal de Saúde de Bauru. O que ela ganha apenas dá para pagar a sua faculdade já que não teve condições para passar no vestibular das universidades públicas, pois teve um 2º grau muito fraco e nem com as cotas para negros foi possível realizar esse sonho.
Leandro, seu filho do meio, completou somente o ginásio, teve que largar os estudos depois que começou a trabalhar como mecânico. Ele diz que já sofreu mais preconceito por ser gago do que por ser negro e que seus colegas de trabalho encarnaram nele dizendo que nenhuma mulher iria querer um gago. Leandro tem 19 anos e sua única experiência sexual foi aos 17 anos quando seus amigos da rua o levaram para a Rua Ezequiel Ramos, reduto da prostituição bauruense, e juntaram R$ 25, 00 para que ele pudesse sentir o gosto do prazer sexual. De lá pra cá Leandro sempre voltou a Rua Ezequiel Ramos, mas sempre sem grana, não conseguia nada, nem mesmo namorando, pois era rejeitado por ser gago.
O filho caçula, Lucas, tem apenas 12 anos e nunca estudou, não sabe ler nem escrever. Seu Firmino nunca conseguiu uma vaga no colégio público para o garoto. Ele também não sabe ler e cursou até a 4º série do ensino fundamental (no nordeste a escola em que Firmino freqüentou era do interior e muito fraca, muito mal ensinavam a alfabetização, era uma escola criada pelos moradores do vilarejo onde ele morava, onde as crianças mesmo não aprendendo a ler e nem escrever avançavam de série), mas não pôde continuar porque teve que ajudar a família no interior de Pernambuco, onde morava, trabalhando com o pai na mercearia.
Logo que seu pai morreu, ele e sua família; mãe, tia e irmãos tiveram que deixar o Nordeste e vir tentar a vida em Bauru. Com 13 anos ele começou a engraxar sapatos no Centro, mas não deu muito certo porque os outros garotos roubavam o dinheiro que ele ganhava em um dia inteiro de trabalho. Já foi camelô, flanelinha, carregador de saco de areia, faxineiro e às vezes fazia biscates. Apesar das dificuldades, em nenhum momento se envolveu na criminalidade, sua mãe sempre deu o melhor que pôde e educou o filho a nunca entrar para a bandidagem. Firmino em toda a sua vida foi um guerreiro.
Aos 27 anos saiu da favela São Manuel onde morava desde que chegou em Bauru e foi morar primeiramente na Vila Falcão, no Ferradura Mirim e mais tarde no Parque Jaraguá,onde conheceu João, irmão de sua atual esposa Jodicelma que até hoje trabalha como doméstica. João quando mais novo chegou a trabalhar como motorista de uma família rica do Jardim Estoril, mas devido a um acidente de moto não pôde mais dirigir, foi ser porteiro em um prédio no Calçadão da Batista, onde passou a morar como zelador, mas sua esposa ganhou trigêmeos e ele foi obrigado a deixar de ser zelador e assim foi morar no Jaraguá largando o emprego.
Ficou um tempo dedicando a sua vida aos filhos já que tinha feito umas reservas, guardando um dinheirinho no banco para o seu futuro, mas que aos poucos a situação foi agravando e só foi arrumar trabalho numa cooperativa que organizava um pessoal para vender alguns produtos nos trens e ônibus. Firmino o conheceu num bar onde jogava carta com outros rapazes da rua e mais tarde passou a namorar a irmã dele.
Quando João conseguiu esse trabalho de vendedor ambulante tratou logo de ajudar seu amigo arrumando uma vaga para ele. Foi assim que Firmino passou a ganhar a vida vendendo balas primeiramente na Praça Rui Barbosa, mas devido à chapa ter esquentado muito em alguns bairros com traficantes cobrando impostos e obrigando os ambulantes a venderem drogas, ele se viu obrigado a vender balas nos ônibus. Firmino conta que apesar de não haver a repressão dos traficantes nos ônibus há a brutalidade da ronda municipal e dos próprios fiscais e motoristas de ônibus que não respeitam seu trabalho.
Passando a maior parte do dia “passeando” pelos ônibus da cidade, só vai chegar em casa por volta das 10:00hs da noite. Firmino prepara a sua janta, vê um pouco de TV e vai dormir para ter disposição no dia seguinte, pois sabe que tem que dar duro para poder sobreviver.
Aos domingos ganha um “extra” trabalhando como vigia do depósito de doces da Bibibalas de onde saem as mercadorias para os vendedores ambulantes, mas eles pagam muito mal e infelizmente ninguém tem escolha, ou é ganhar pouco vendendo balas ou o jeito vai ser viver de catador de papelão nas ruas.
São 09:00hs da noite e Firmino encerra o seu expediente já no Centro de Bauru e pega um ônibus na 13 de Maio. Ele volta para casa pensando no seu tempo de criança, que tudo poderia ter sido diferente. Sonhava ser veterinário pra cuidar dos bichinhos que ele tanto gostava e brincava na infância, mas hoje o seu único sonho é conseguir uma casa própria e um futuro para os filhos porque ele não agüenta mais sofrer e ver sua família nessa situação.
Firmino em toda a sua vida sofreu preconceito por ser negro, pobre, baixinho e hoje por ser idoso. Mas ele nunca se deu como vencido e superou todas as barreiras e ignorou todo preconceito que sofreu demonstrando-se um homem forte e com princípios. Ele está confiante que tudo irá mudar com o Rodrigo Agostinho na prefeitura,  porque ele veio de fora assim como milhares de tantos outros e acredita firmemente que Rodrigo não desapontará seus irmãos da periferia e que ele ajudará esse povo sofrido.
São 04:00hs da manhã e Jodicelma não consegue acordar Firmino, ele teve um infarto e ali na cama morreu...morreu sem ver as coisas mudarem, mas como diz a sua crença, foi dessa para a melhor e agora deve estar se encaminhando para o reino dos céus, o paraíso com escadarias de ouro para encontrar o seu Deus e fazer o seu humilde pedido:

AJUDE O POVO BAURUENSE!



Nota :Essa não é uma história verídica, mas que representa a realidade de muitos bauruenses!

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