25 de junho de 2010

O Manifesto (Bertolt Brecht)

Guerras destróem o mundo, e entre os destroços circula
Visível e imenso, um fantasma; não foi a guerra que o gerou.
Também na paz ele já era visto, terrível aos governantes,
Amável com as crianças do subúrbio. Em cozinhas modestas

Espiou tantas vezes, contrariado, cheio de ira, as panelas vazias.
Tantas vezes aguardou o esgotado, ante buracos e estaleiros.
Visitou amigos no cárcere, passando os controles sem passe
Tantas vezes. Mesmo em escritórios ele é visto, e ouvido
Nos auditórios. De tempos em tempos, põe um chapéu de aço,
Entra em tanques gigantescos e voa com bombas mortais.
Fala várias línguas, todas elas. E silencia em muitas delas.
É convidado de honra nos barracos, deixa inquietas as mansões.
Para mudar tudo e ficar para sempre, ele veio; seu nome é
Comunismo.

Falsidades de inimigos e de amigos,
Falsidades vós ouvistes. Isto é o que os clássicos dizem:
Lêde sua história e estareis lendo os feitos dos grandes;
Suas estrelas, ascendentes e cadentes; de exércitos marchantes;
E sobre o brilho e a decadência dos reinos. Mas os grandes e
Desconfiados mestres vasculham os velhos livros em busca
De outra coisa. E eles ensinam: A história é a história das
LUTAS DE CLASSE. Pois eles vêem os povos divididos
Em classes, e lutando internamente. Escravos, plebeus, éqüites,2 patrões
Artesãos, camponeses e nobres; burgueses e também proletários
Tomam nas mãos o orçamento gigante, parados com facas,
Suas e alheias, uns contra os outros em lutas gigantes.
Audazes na subversão, os professores aditam à história
Das classes dominantes a história das classes dominadas.
É diferente, em diferentes tempos, o modo de agir das classes dominantes,
Os patrícios de Roma agiram diferente dos grandes de Espanha,
Cidadãos de burgos antigos não são como os burgueses das novascidades...

Aqui uma classe usa com jeito os grandes déspotas,
Lá a variedade despótica de suas câmaras; uma se serve mais
De guerras sangrentas, a outra de contratos espertos,
Conforme a situação do país e o tipo especial de seus habitantes.
Mas os dominantes fazem, o que quer que façam, para o seu próprio domínio,

E eles fazem o que fazem, em luta contra os dominados.
Povos se atiram em batalha sobre outros povos, mas na retaguarda das fileiras em batalha

Bramem outras batalhas, mais silenciosas, conduzindo as anteriores.
Exércitos romanos assediam o distante e gélido Pontus3
Enquanto em casa, em Roma, plebeus e patrícios guerreiam uns contra os outros.

Alemães fazem guerra aos franceses, mas as cidades alemãs, unidas
Ao kaiser, também fazem guerra aos príncipes alemães.
Se a trégua une as classes inimigas contra o inimigo externo,
Quando a necessidade é extrema ou em casos de artifício,
Oh, as duas o combatem, mas o triunfo é de apenas uma delas:
Ela volta vitoriosa, enquanto a outra se limita a tocar os sinos,
Cozinhar o banquete da vitória e construir-lhe as colunas do triunfo.

Mais profundas e duradouras do que as guerras dos povos, descritas
Nas cartilhas escolares, são as guerras entre as classes,
Disputadas aberta e secretamente, e não pela cidadela inimiga,
Mas sim pela própria cidade, que só terminam com a revolução
Ou com o naufrágio conjunto das classes em luta.

E assim surgiu, a época que agora desaparece, a época do burguês:
Um dia apenas servo, ele se tornou cidadão da aldeia lacustre.
A aldeia lacustre tornou-se cidade e atrás de seus muros seguros
As corporações floresceram. Os muros não seguram o pano
E o comércio desperta o país a dormitar. No litoral
As cidades marítimas constróem navios, as novas praias alcançam
A África, diligentes; e destemidas chegam à costa das Américas.

E o mercado chinês, o mercado das índias orientais e a anexação
Do novo mundo geram o acúmulo da renda e da mercadoria,
Fazem a indústria levantar vôo; e então surge de vez, poderoso,
Em meio à sociedade feudal, o novo dominante: o burguês.

A indústria deixa pra trás o trabalho manual. Por muito tempo, ainda,
Perduram a roca e o fuso de ouro, mas o mestre de corporação
Já corta o mercado em seu passo silencioso, e o trabalho outrora
Dividido entre as guildas, agora é dividido pelo proprietário
Em uma fábrica bem maior. Ainda continuam crescendo,
Insaciáveis, os mercados. Também a manufatura fabril já não
Domina mais a nova demanda. E então máquina e vapor voltam
A remoer tudo, e o dono da fábrica é destronado pelo
Grande industrial, o senhor de trabalhadores e financista –
O nosso burguês atual. Os professores mostram em detalhes
Como o grande comércio mecanizado acabou criando
O mercado mundial, e como este deu asas ao grande comércio
Até que a grande impulsionadora do comércio surgisse poderosa,
Até que a burguesia atingisse a primazia no Estado.

E agora o poder do Estado providencia, em pompa e púrpura,
O bem dos negócios da burguesia: uma exclusão obediente!
E a burguesia se mostrou uma soberana dura e impaciente.
Testa de ferro, coice de aço, ela esmagou o idílio podre,
Patriarcalmente calmo; rebentou os grilhões malhados,
Feudais e antigos, atados entre protetor e protegido,
Não admitiu outro elo entre os homens, só o cru interesse
Da paga em dinheiro vivo. O cavalheirismo de senhores bondosos
E sua criadagem fiel, o amor ao torrão e o ofício honesto,
Pelo raio glacial de seu cálculo. Dignidade pessoal ela vende por nada,

Grosseira no valor de troca, assenta, brutal, no lugar das várias liberdades
Sagradas e em cartas asseguradas, apenas a liberdade do comércio.
Exploração devota, e natural, é o que ela foi, desde sempre;
E agora ela é pública, banal, e sem a menor vergonha praticada.
Padres e juízes e médicos e poetas e pesquisadores, contemplados
Com timidez devota um dia, hoje ela os coisifica como seus diaristas
Pagos, mandando ao médico os doentes, seus fregueses;
E este vende sua receita, enquanto o padre vende seu conforto.

Mercantilmente o guardião da propriedade, o juiz, distribui a lei.
O que o inventor imaginou aqui para arado, seu comerciante vende
Acolá como canhão. Esfaimado, o artista enaltece com pincel
Fugaz e enobrecedor, o semblante da burguesia, e perito no toque
Da arte, massageia por um trocado o ânimo adormecido da dama.
Sorrindo amarela, a burguesia transforma poetas e pensadores
Em seus lacaios pagos, todos eles. O templo da sabedoria,
Ela o transforma em bolsa, até mesmo a santa moradia da família
Ela a converte em pátio de recreio das negociatas mais demoníacas.

Pois sim, o que são os viadutos de Roma, e as pirâmides?
O que significa para nós a migração dos povos e uma cruzada,
A nós que vimos construções e expedições, colossais como essa
Classe que a tudo derriba as faz, que sempre e em todo lugar
Transforma de um fôlego o que um dia criou, e vive da queda?

Sem parar, ela transforma a maquinaria e os produtos,
Forças nunca imaginadas, ela as arranca do ar e da água,
Novas substâncias, terras jamais vistas, ela engendra.
(Três vezes em uma geração muda das roupas o tecido,
Garfo e faca se mostram diferentes na mão por mil vezes,
Muros e telhados das casas mudam desde que nascemos.)

E também os homens ela muda. Manda camponeses às fábricas,
Comerciantes às fossas, e novos negócios ela maquina.
Aldeias crescem e cidades também, onde ela cava em busca de minério;

Mas somem às pressas quando ela se vai. Riqueza mais rápida
Esses lugares jamais viram, e miséria mais rápida também não.
A manutenção irretocável do modo de produção sempre foi
A preocupação das classes dominantes – esta foi a primeira
A fazer da crise a condição sine qua non da sociedade.

Levantando seus edifícios sobre um solo em eterno tremor
Não temendo nada a não ser ferrugem e musgo, ela violenta a cada dia
A violência das relações e todos os costumes assegurados.
Tudo que está em pé ela derruba, tudo o que é sagrado ela profana
E os homens inseguros se movem sob um chão que rola,
Enfim obrigados a ver a existência com olhos sóbrios.

Mas tudo isso não acontece em um país ou em dois apenas;
Um ímpeto insaciável pela venda da mercadoria em excesso
Açula a burguesia sem cessar para além das fronteiras
Pela face da terra inteira. Por tudo ela tem de se mostrar,
Construir, aninhar, por tudo seus fios pegajosos amarrar.

Cosmopolita, ela inventa o uso e a produção dos bens.
Por tudo ela está em casa, e em lugar nenhum. Artes nativas,
Negócios rendosos ela destrói um a um para tomar a matéria-prima
Dos países mais remotos. Suas fábricas servem, vivas como são,
Necessidades e caprichos, criados pelo clima de outras regiões.

Alto, nas nuvens, a mercadoria febril galga o passo da montanha.
Barreiras carcomidas, milenárias, ela as sapateia ao chão.
BARATO! É a sua senha. Mas e o ancião, lá? Os padres vieram
Para os sacrílegos amaldiçoar? Sem chances. Vieram para comprar.

Mas e aqueles muros, jamais escalados? – Os agentes sorriem,
Bombas com balas de chita leve destróem em silêncio a muralha da China.
 Somem montanhas, ilhas ao longe se aproximam,
Povo precisa de povo. Mesmo bens espirituais viram bem-comum.

Ávido, o sábio em Roma lê a fórmula vinda de Varsóvia,
E a mão japonesa segue escrevendo o que a inglesa principiou.
Juntos, os pesquisadores do mundo esboçam a imagem do mundo.
A poesia de povos individuais se torna poesia para o mundo.
Arquejante, o cule4 arrasta do ventre de navios estrangeiros
Produtos jamais vistos; e, suada, cansada, atrás dele, a grande
Nova produtora, a máquina, ela mesma. Assim aos bárbaros
Civiliza o burguês, ao fazer também dele um burguês.

O igual com o igual se ajunta e cria o igual, e a burguesia
Forma para si um mundo à sua imagem e semelhança.
E assim as cidades dominam o país e crescem até se tornarem gigantes
Arrancando sem parar o povo da monotonia da vida rural
E assim como as cidades dominam o país, as nações burguesas
Dominam as camponesas; o civilizado põe freio no
Bárbaro e no semi-bárbaro, e o ocidente conduz o oriente.

Maquinaria e propriedade e povo, estilhaçados até o fim,
Se unem para formar maiores estruturas, cada vez mais rápidas,
As ferramentas se acumulam em fábricas monstruosas,
Cresce a propriedade nas mãos de algumas poucas mãos,
O povo se concentra em centros que produzem em demasia.

Novos campos políticos são criados. As províncias soltas,
Regidas uma a uma, com leis próprias e próprias aduanas,
São juntadas à força em uma nação, num só interesse
Nacional: o da classe que domina a todos e a tudo.

Jamais antes aconteceu um tal frenesi de produção,
Assim como a burguesia o desencadeou nos tempos de seu reinado.
Energia a vapor ela criou, e energia elétrica. Em poucos anos ela fez
Cultivável, como num passe de mágica, o mais selvagem dos continentes do mundo.

Bombeou óleo para fora da terra, e com ele impeliu navios e carros,
Extraiu minério e amontoou-o até formar morros gigantescos,
Cavou o carvão, intocado por milhares de gerações,
Forjou ferro fazendo pontes flexíveis e pesadas turbinas,
Ordenhou rios e lagos para dar luz a cidades e povoados.

Transformou florestas em papel leve. Bem longe, nas estepes,
Trens lançaram para fora jornais diários, bons e ruins.
Cinco décadas depois, como se o homem agora desejasse
Viver em todos os lugares da terra ao mesmo tempo, o éter
Se fez, ele mesmo, mensageiro. E então os primeiros homens
Se levantaram e afastaram do chão em aeronáveis dirigíveis.

À humanidade
Nenhum sonho disse nem mostrou, que em seu colo havia,
A dormitar, tais liberações e tais forças criadoras.
Grilhões haviam se tornado, à grande produção de bens,
A propriedade nobre e seu Estado de monarcas absolutos.

Encolerizada, a burguesia rebentou seus grilhões.
Igual a um furacão, levantaram-se assim as forças produtivas
E destroçaram velhos poderios, proclamados eternos.
Outras classes, ontem servis, rasgaram cartas de propriedade,
Livros de leis e de débitos, e hoje riem de privilégios senis.

A opinião dominante foi, desde sempre, a opinião dos dominantes.
A eles ela segue, pois o vôo dos pensamentos também segue
A tais tempestades: elas obrigam os pensamentos do homem
Abaixo, ao chão, ou balançam-nos com força em outra direção.
A lei não é mais lei, a sabedoria não é sábia, tudo é diferente.

Os templos sagrados já resistiram a mil primaveras
Quando sucumbem às eras, abalados pelo coice dos vitoriosos.
Mas aos que ficam em pé, os deuses mudam seu semblante:
E os novos soberanos de repente são tão parecidos aos velhos!

As novas forças produtivas fazem uma grande mudança.
Mortalmente revolta contra si, a burguesia levada ao poder
Pela tempestade, vê a tempestade violenta se elevando.
Quando essa classe com suas cartas de posse e privilégios,
Em sortilégios havia criado forças produtivas jamais vistas,
Tornou-se semelhante ao mago, que não soube controlar
As forças subterrâneas que um dia havia invocado.

Assim como a chuva alimenta a semeadura, mas se não cessa
Acaba afogando-a, as forças produtivas aumentam e crescem,
Fazendo crescer os bens e a influência da classe dominante,
Mas ao crescer sem parar, no entanto, ameaçam a classe.

De então em diante a história do comércio e da indústria de massa
Se torna cliente da revolta e as forças produtoras de bens, por sua vez,
Produzem contra a posse dos burgueses e o modo de vida burguês.
Crises gigantescas, em idas e voltas cíclicas, semelhantes a mãos
Enormes, cegas e tateantes agarram e estrangulam o comércio,
Sacodem em ódio mudo as companhias, mercados e lares.

A fome de outrora atormentava o mundo, quando os celeiros ficavam vazios
E agora, quem entende?, morremos de fome porque eles estão cheios demais.

As mães não acham nada na despensa para encher as boquinhas
Enquanto os grãos e a farinha apodrecem aos montes atrás dos muros.
Fardos sobre fardos, o tecido forma torres, e morrendo de frio
A família em farrapos tenta se virar, e de um dia para o outro
É posta na rua, deixando a casa alugada e o quarteirão sem moradores.

Não encontra mais exploradores, pelo explorador amaldiçoada.
Seu trabalho era sem descanso, agora é sem descanso a procura
Por trabalho. Mas a porta está trancada. Ah, nem mesmo o inferno
Se abre mais. Para onde? A construção gigantesca da sociedade,
Cara, levantada com tanto esforço, por tantas gerações
Sacrificadas, naufraga de volta ao passado de tempos bárbaros.

Não é um DEMENOS o culpado, ah não, é o DEMAIS que a balança.
A casa não é destinada a morar, o tecido não é disposto a vestir,
O pão ainda é destinado a alimentar: ele tem de dar lucro.
Mas se a produção apenas é consumida, e não é também vendida
Porque o salário dos produtores é muito baixo – quando é aumentado

Já não vale mais a pena mandar produzir a mercadoria –, por que
Alugar mãos? Elas têm de fazer coisas maiores no banco da fábrica
Do que alimentar seu dono e os seus, se é que se quer que haja
Lucro! Apenas: para onde com a mercadoria? A boa lógica diz:

Lã e trigo, café e frutas e peixes e porcos, tudo junto
É sacrificado ao fogo, a fim de aquentar o deus do lucro!
Montanhas de maquinaria, ferramentas de exércitos em trabalho,
Estaleiros, altos-fornos, lanifícios, minas e moinhos:
Tudo quebrado e, para amolecer o deus do lucro, sacrificado!

De fato, seu deus do lucro está tomado pela cegueira.
As vítimas
Ele não vê. De nada ele sabe. Aconselhando os crentes, murmura
Coisas incompreensíveis. As leis da economia se revelam
Como a lei da gravidade, quando a casa cai em estrondos
Sobre as nossas cabeças. Em pânico, a burguesia atormentada
Despedaça os próprios bens e desvaira com seus restos
Pelo mundo afora em busca de novos e maiores mercados.

(E pensando evitar a peste alguém apenas a carrega consigo, empestando
Também os recantos onde se refugia!) Em novas e maiores crises
A burguesia volta atônita a si. Mas os miseráveis, exércitos gigantes,
Que ela, planejadamente, mas sem planos, arrasta consigo,
Atirando-os a saunas e depois de volta a estradas geladas,
Começam a entender que o mundo burguês tem seus dias contados
Por se mostrar pequeno demais para comportar a riqueza que ele próprio criou.

Contra a burguesia se volta agora, fatal, a mesmíssima arma
Que ela um dia brandiu, mortalmente, para destruir o mundo feudal.
Também ela criou uma classe que brande a arma mortal
Contra ela. Desde o princípio, sempre sempre a servi-la,
O proletariado cresceu poderoso, junto com a burguesia,
Vive apenas através do trabalho, mas consegue trabalho apenas
Ao aumentar em profusão e rapidamente o capital da burguesia.

Assim como o capitalista vende sua mercadoria, assim também
O proleta vende a sua, a força de trabalho, e por isso é subjugado
Às pressões da competição e às oscilações do mercado.
Acessório da máquina, ele vende o mais simples de seus toques
E recebe seu sustento e o necessário àquilo que lhe custa para
Multiplicar e fazer crescer sua raça útil, uma vez que o preço
De sua força de trabalho, conforme o de qualquer outra mercadoria,
Corresponde a um custo de produção. Esses daí não vivem
Em meio à oficina insignificante do mestre-de-obras patriarcal.

Enfileirados e adestrados, soldados vulgares da grande
Indústria mecanizada, eles estão postados em imensas fábricas,
Escravos da classe burguesa, dia a dia, hora a hora escravizados.
O trabalho agora está dividido. Eles fazem seus pedacinhos.
Matando o espírito e cansando os músculos, as horas passam.
O que o artesão do ofício manual via, o produto de suas mãos,
Eles não o vêem mais; nada de sapatos, nem de arados
Que eles aí fabricam. A máquina é espirituosa e o trabalho
Jaz sem espírito, pois os toques da mão são simples. Mas o cansaço
Nem por isso se torna menor: as rodas rodeiam mais rápidas.

De fato, qualquer um agora é mestre. Suados, crianças e mulheres
Param em volta da banca mecânica. Sexo e idade não contam
Mais nada. Eles são meros instrumentos, alavancas vivas
A produzir bens em quantia, a criar lucro destinados.

Quando o explorador acabou com elas e as mãos pendentes e
Esgotadas recebem enfim o magro salário, já esperam por elas
Às portas da fábrica, novos bandos em furor de assalto:
Sobre elas caem o locador, o agiota, o merceeiro e o doutor.

De fato, não demora muito e também essas “classes médias”,
Aposentados, artesãos e camponeses afundam ao proletariado,
Seja porque o capitalzinho poupado não é bastante para novas máquinas
Seja porque a fabricação anula seus conhecimentos especiais;
Todos se vêem da fábrica escorraçados, da loja e da terra arrendada,
Formando recrutas, cedo ou tarde, no crescente exército do proletariado.

Passo a passo, o proletariado sobe à guerra, correndo furioso
Entre os proprietários das mãos e os proprietários das ferramentas.
Operários individuais primeiro, depois de uma empresa, combateram
O burguês proprietário. Começaram combatendo os meios
Deixando de lado o sistema da produção burguesa de bens.

Despedaçaram mercadorias estrangeiras e máquinas, e botaram
Fogo em suas fábricas, a fim de afastarem de si a nova
E mais profunda escravidão e reconquistarem a velha feudal,
Tentando reter, esgotados e desesperados, e sem reflexão,
O ponteiro férreo do relógio universal, que eles mesmos forjaram.

Espalhados pelo mundo, os proletários nem de longe se uniram.
Ainda os divide, por causa do emprego, uma luta assassina,
E na luta consigo mesmo, o proletário não combate o próprio,
Mas sim o inimigo de seu inimigo, monarca absoluto e nobre rural,
Artesão da guilda e padreco: ainda tremula a bandeira do progresso
Sobre a burguesia, e assim toda vitória ainda é a vitória dela.

Mas toda a vitória também consolida o chão para a classe,
O chão que ela precisa para vencer: a grande indústria crescendo
Faz do proletariado uma bola de neve cada vez mais perigosa.
Um proletário torna-se igual ao outro: Quem ainda é capaz de achar
A onda na torrente sombria e avassaladora? O que diferenciava
Os indivíduos um pouco um dia, habilidade e zelo, a máquina apagou.

Também os salários se tornam iguais. Eles oscilam em crises
Ou se esgotam de todo com o trabalho esgotado. Tudo isso
Tortura todo mundo ao mesmo tempo. Formam-se coalizões
Que intentam proteger os salários. Lutas abertas começam.
Aqui e ali e por pouco tempo, a vitória pertence aos proletários.
No mais das vezes a batalha local, para a qual se uniram, fracassa.

Mas a unidade permanece e não permanece local. Os locais
Se comunicam através de trens e telégrafos. Sobre a terra
Pelejas dispersas crescem até virarem lutas de classe. Como classe,
Os trabalhadores agora lutam a luta política. E a classe
Dispersa tantas vezes pela concorrência entre membros indigentes
É unida sempre de novo através de novas lutas comuns,

Toma a pena da justiça burguesa na mão e obriga seus empregados
A fazerem um risco aqui e ali, logrando alcançar, ao fim,
Uma horinha fugaz de trabalho a menos por dia.
Mas ela sabe, e quando esquece é lembrada a pauladas:
Ela tem de vez da pena se apossar para enfim destruí-la.

A nova classe ganha muito com as desavenças das velhas
Que ainda continuam se agarrando aos cabelos. A burguesia
Ainda luta, obstinada, com a nobreza, no exército e no serviço estatal.
E também ela está em briga, o rolo compressor, mortal, do progresso
Rola sobre parcelas da burguesia; e sobretudo, e sempre,
Em processo, ela luta contra as burguesias de outros países.

Todas essas lutas requerem a participação das classes mais baixas:
Ela tem de, ela mesma, levar seu proletariado ao campo de batalha
Político, a fim de que ele a ajude, e ela tem de armar seu próprio inimigo.
Depois, como nobres isolados mudaram de lado, indo para a jovem
Burguesia, que a nobreza combatia, assim também alguns burgueses

Agora fogem à burguesia, um navio que ainda não afundou, mas
Que gira sem compasso em mar ameaçador, e está cheio a ponto
De explodir; a tripulação selvagem a se carnear mostrando o que pode e o que sabe.
O proletariado aprendeu a aprender. De cabo a rabo explorado
Em todo lugar, na fábrica, no arado, na pua e na grua do navio,

A instrução era necessária e ele foi obrigado à escola, sem querer.
Foi escasso o aprendizado, e no mais das vezes falsificado,
Mas aprendeu a saber do poder do saber, e a ter sede de próprio saber.
Injúrias furiosas teria agüentado Harun al-Raschid5 no mercado.
Contra a burguesia. Proprietários de loja empobrecidos
Ao lado de microempresários, aposentados e camponeses
Mantêm unidos com unhas e dentes sua pequena propriedade.

Esquentado, o marceneiro maldiz a fábrica de móveis, e o camponês
Amaldiçoa o trator, e todos se queixam da ruína dos nossos costumes.
Lamentavelmente o que progride sobre eles tritura, o progresso.
Os bons não são pela revolução, e da sociedade a construção
É justamente o seu único bem, a grande produção de bens
Eles atacam e acusam: eles sacodem punhos fulminantes.

Também a turba passiva e deteriorada de nossas cidades, formada
Da deterioração da camada mais baixa da velha sociedade,
Muitas vezes levada às fileiras do proletariado pela revolução
É apenas vítima, não inimiga da burguesia, e ela a compra
Facilmente, como serviço animal, para derrubar o proletariado.

E assim a única classe, capaz de vencer a burguesia
E despedaçar suas cadeias viradas em Estado, entre todas,
É o proletariado. Ele o é por condição e situação.
Já há tempo foi abolido, o que a vida esconde na velha
Sociedade, e destruído bem de acordo ao ser do proletário.

Sem propriedade, não é chefe nem provedor para a mulher e o filho,
Mal reconhecível em sua raça e sua nação, porque a mesma
Escravidão, na mesma máquina, o marcam de Essen a Cantão,6
O proletário, parado ante a moral e a religião como ante a fata-morganas.
Pra ele isso é um preconceito e atrás dele se esconde o golpe ladrão.

* A. tradução é de Marcelo Backes....

1 A presente tradução é basicamente conteudística. Qualquer preocupação demasiada em relação à forma, afastaria o poema de sua fonte inspiradora original: O manifesto do partido comunista (1848) de Marx e Engels. Bertolt Brecht começou a trabalhar no poema Das Manifest em janeiro de 1945. Depois de uma série de interrupções e colaborações – de Lion Feuchtwanger, entre outros –, Brecht abandonou os trabalhos no poema em 1955, um ano antes de sua morte. O plano era grandioso e pretendia versificar O manifesto do partido comunista, dando-lhe um princípio de poema didático lucreciano (de Lucrécio, c.96- c.50 a.C., poeta latino, autor de Sobre a natureza das coisas – De rerum natura). Ao final das contas, o Manifesto apresenta cinco estágios do trabalho de Brecht – alguns dizem que são quatro versões diversas

–, diferentes menos no estilo do que na abrangência. A presente tradução adotou a mais longa das versões, que atinge 386 versos no original. (N. do T.)

2 Cavaleiro; ou, simplesmente, homem montado a cavalo. (N. do T.)

3 A paisagem litorânea localizada no extremo norte da antiga Ásia Menor. Hoje ela é conhecida como a península da Anatólia e constitui a parte asiática da Turquia. (N. do T.)

4 Em alemão Kuli. Dicionarizada em português como “cule”. Do hindi kuli pelo inglês coolie. Operário nativo não especializado, em particular na Índia, na antiga China etc. (N. do T.)

5 Harun al-Rashid (766-869). Nobre persa. Quinto califa da dinastia abássida, responsável pelo apogeu do império islâmico; imortalizado no clássico As mil e uma noites. O reinado de al-Rashid foi pontilhado de revoltas nas províncias do império, apaziguadas com o reconhecimento de regimes autônomos de governo, em troca do pagamento de tributos anuais a Bagdá, capital do califado. Apesar da irrupção constante dessas revoltas, no governo de al-Rashid o império conheceu um período de grande prosperidade. O califa protegia escritores e artistas e tinha o hábito de percorrer disfarçado as ruas da capital, a fim de descobrir e reparar injustiças. (N. do T.)

6 Essen: cidade da Alemanha, situada no estado da Renânia do Norte-Vestfália, na bacia do Ruhr; centro industrial e mineiro, sede das indústrias Krupp. Em torno das instalações mineiras e industriais da bacia do Ruhr, desenvolveu-se um extenso conglomerado urbano, um dos mais densos do mundo. Cantão (Guangzhou em chinês) é a capital da província de Guangdong e situa-se no sudeste da China, na cabeceira do estuário do Zhujiang (rio das Pérolas), a cerca de 145 km do mar da China meridional. As principais indústrias de Cantão são as dos ramos mecânico e siderúrgico, mas, desde a década de 1950, têm-se desenvolvido bastante os setores têxtil, de papel, alimentação e instrumentos agrícolas. Além disso a cidade preservou o tradicional artesanato de marfim e de jade. Cantão foi incorporada ao território chinês no século III a.C., no período da dinastia Chin. Em 1842, depois da guerra do ópio, a ilha de Hong Kong foi cedida ao Reino Unido, e Cantão ficou aberta ao comércio europeu. (N. do T.)

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