11 de junho de 2010

Reflexôes Sobre o Ufanismo Verde-Amarelo em época de Copa do Mundo...

“Pra frente Brasil, salve a seleção”, “A taça do mundo é nossa, com o brasileiro não há quem possa”, “Sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”. Essas são algumas das muitas frases faladas durante toda a realização da Copa do Mundo de futebol. Nessa época, o sentimento nacionalista exalta-se com uma intensidade que envolve o país todo. As pessoas saem às ruas com o uniforme da seleção brasileira, se vestem de verde e amarelo, decoram suas casas com estas cores e agitando loucamente a bandeira do Brasil; enfim, a vida fica resumida a isso.

Entretanto, analisando de forma crítica, podemos perceber que esse patriotismo não se confina ao plano do futebol ou do esporte, ele estende-se ao campo das relações sociais e possui um papel de extrema importância nas relações de poder. A política nacionalista brasileira exerce uma função primordial nas relações sociais: ocultar, ou pelo menos amenizar, as tensões sociais. Quando se glorifica a pátria intensamente como ocorre no período da Copa do Mundo, as pessoas são levadas a se dedicarem à esse enaltecimento de “seu” país e “sua” seleção de modo que os problemas sociais, econômicos e políticos fiquem em segundo plano em matéria de importância.

Esse sentimento exarcebado pelo nacionalismo não é novo, esse mesmo sentimento defendido por muita gente quando chega a Copa do Mundo é o mesmo pelo qual eles são contra, aquele proclamado nos EUA que discriminam outras culturas implantando a sua cultura "ideal" no resto do mundo. Foi com esse sentimento que o nazi-fascismo cresceu na Europa, aquele do amor à pátria. Ser contra a cultura estadunidense ou contra a sua política?

 O Halloween não seria tão comercial quanto o carnaval? Temos uma cultura nacional? Seria espantoso ver os integrantes desse movimento usando bonés ou tênis, comendo hamburgers ou macarrão, usando terno e gravata, todos de culturas que não fazem parte da nossa. E que tipo de música gostam?Será que ninguém que nasceu no Brasil, pode torcer pelo Vasco(time da colônia portuguesa no RJ), ou pelo Corinthians(time paulista inspirado no Corinthian Casuals, da Inglaterra)?  Será que de Bossa Nova, aquela mesma influenciada pelo jazz norte-americano? Será que eram a favor da tropicália (movimento nacionalista) influenciado pelos hippies e pela guitarra elétrica dos EUA? Ou nada disso, apenas gostam do samba, que mesmo esse, utiliza instrumentos como o violão e o cavaquinho que não são nem da cultura africana.
O que é a cultura nacional? Ou a cultura é internacional? O problema seria cultivar a cultura de outros povos ou a comercialização de qualquer cultura? Talvez não devêssemos festejar o dia de São Cosme e São Damião já que é, também, uma cultura comercial e foi trazida pelos exploradores portugueses. E o Natal? O problema seria festejá-lo ou a maneira na qual festejamos? Muitos mitos do nosso folclore têm raízes na Europa, alguns elementos da nossa comida também não têm raiz aqui (desde o alimento ao modo de preparo e os instrumentos utilizados), aliás, a nossa língua tem influência dos nossos colonizadores. E o que é cultura comercial? Cultura comercial é a maneira a qual a elite impõe seus interesses massificando, homogeneizando a diversidade cultural do povo para tornar uma única coisa, ao seu gosto, ou seja, lançar uma maneira de ser, de pensar, de agir no povo, onde esse possa estar nos padrões desejados pela elite. Cultura comercial e tudo aquilo voltado para os interesses do mercado, interessando o crescimento econômico da elite.

Esse mesmo pessoal declara: "Não somos contra o intercâmbio cultural, mas o problema é que na relação Estados Unidos-Brasil, só vem deles para a gente. Isso não é troca, é abuso".º Depois desse argumento, paremos para refletir e façamos a pergunta: o culpado é a cultura ou o governo e os seus meios de comunicação e suas instituições inserindo uma cultura de massa para alienar o povo? O problema está no Halloween ser uma cultura vinda através dos EUA ou ser uma festa comercial? Se responderem a primeira opção, por favor, deixem de lado o microcomputador, pois veio dos EUA. Caso tenham respondido a segunda, então digo, que deveriam repudiar esse carnaval comercial que temos em nossa cultura. Esse mesmo carnaval que mais parece um "showbusiness" da "Broadway" do que algo surgido dos blocos de rua que alegrava o povo, nem parece mais aquele samba originado do lundu e do batuque (e pra quem não sabe, a influência de se utilizar trombones e trompetes no samba veio das orquestras européias após a segunda guerra). Temos uma valorização da "cultura nacional" contra a cultura do povo brasileiro. Jazz, blues e rock, por exemplo, são estilos de música originados nos EUA, mas nada impede de uma pessoa em outro lugar do mundo, inclusive no Brasil, gostar desses estilos e talvez acrescentar algo de sua raiz. Isso não fará com que a pessoa deixe de gostar menos do seu povo ou a cultura brasileira (não cultura nacional, entendendo esta como a divisão estabelecida pelo Estado Nacional, mas cultura de um povo chamado brasileiro que é composto por distintos povos, desde índios passando por gaúchos e nordestinos e muitos outros - a cultura brasileira é heterogenia).

Tomemos como exemplo agora uma paixão do povo brasileiro, o futebol. Uma cultura que nem é nossa, mas passamos a gostar dela e a adotamos, e hoje, por todo o Brasil, vemos um garoto jogando bola. Deveríamos odiar a Inglaterra por essa cultura ou agradecer ao povo que criou o que hoje temos como a maior representação do "nosso orgulho"? A Inglaterra é tão agressiva na economia quanto os EUA, talvez depois dessa eles tentarâo excluir o futebol da vida das pessoas que gostam deste esporte.

Paulo Fonteles, vereador do PC do B (PA) diz: "Precisamos combater a cultura do mal imposta pelos norte-americanos...".¹ Cultura do mal??? Qual? A de festejar uma festa criada por outro povo ou a cultura de alienação que os nossos próprios governantes assinam embaixo? O Halloween não é uma cultura alienadora, mas sua forma comercializante é que priva o cidadão do seu pensamento crítico. Mas seria diferente do que é o carnaval hoje ou das novelas?

O que viria a ser cultura nacional? Nacional compreende-se no Estado Nacional, na instituição e, nisso, cultura nacional equivale a dizer que é a cultura do Estado Nacional. Mas quem produz a cultura, o homem ou o Estado? A cultura é um patrimônio estatal ou do homem? Vamos tomar como exemplo o Estado Nacional Brasileiro que é composto por 26 estados. Digamos que hoje o estado do Rio Grande do Sul não fizesse parte do Brasil, mas sim, do Estado Nacional Uruguaio. Deveríamos olhar o chimarrão como não sendo uma cultura própria para nós porque não é uma cultura brasileira? Com certeza se alguma tradição Argentina (já que há uma enorme rivalidade com os nossos hermanos) entra em moda no Brasil, alguns iriam querer repudiar. E qual seria a desculpa? Certamente seria a de que Pelé é melhor jogador do que Maradona e por aí vai. Assim como pros argentinos Maradona é melhor do que o Pelé. Enquanto a discussão rola a elite massifica a cultura. A cultura nordestina é diferente da cultura paulista, mas essa deveria respeitar aquela por ser uma cultura também brasileira ou por ser a cultura de um povo que apenas está enquadrada dentro de um Estado Nacional por razões políticas e econômicas?

O Nacionalismo é um princípio que defende a unidade do Estado Nacional, onde seus discursos clamam pelo amor à pátria, a defesa dos símbolos nacionais, a tudo que pertencer à nação. Nacionalismo é o sentimento de íntima vinculação de um grupo humano ao núcleo nacional da coletividade a que pertence. É o princípio político que fundamenta a coesão dos Estados modernos e que legitima sua reivindicação de autoridade. Traduzido para a política mundial, o conceito de nacionalismo implica a identificação do Estado ou nação com o povo -- ou, no mínimo, a necessidade de determinar as fronteiras do Estado segundo princípios étnicos. Numa primeira etapa, o nacionalismo aspira a criar ou consolidar a independência política. Em seguida, busca a afirmação da dignidade nacional no campo internacional, para por último transformar-se em impulso que pode levar a nação a procurar ampliar seu domínio pela força. cultura não é nacional, ela é pertencente a um povo e com o mundo cada vez mais globalizado é impossível não encontrar novas culturas, sendo assim, a cultura é mundial, é de todos, é do povo, é do homem e se não fosse o direito de conhecermos novos povos, novas culturas, o que seria da música brasileira se não pegássemos emprestado instrumentos criados por outros povos, o que seria do cinema brasileiro se não conhecêssemos o cinema estadunidense, o que seria da arte brasileira hoje sem a influência de correntes artísticas européias? Com certeza não seria uma arte nem pior e nem melhor, apenas seria uma arte diferente. Deveríamos nos preocupar mais com a maneira em que nossos governantes e a mídia tratam a cultura de outros povos e a nossa própria cultura. O que não pode acontecer é transformar a cultura em uma cultura de massa. O que não pode acontecer é um povo humilhar e eximar a cultura dos outros povos ou um Estado humilhar a cultura do próprio povo. A história de um povo está compreendida na sua cultura. Termino minhas palavras com o belíssimo texto de Ralph Linton:

O primeiro conceito de nação remetia a “coletividade de pessoas que têm a mesma origem étnica e, em geral, falam a mesma língua e possuem uma tradição comum”². Um novo sentido sobre nação viria a surgir após a revolução francesa onde nessa época começaram a surgir movimentos nacionalistas pretendendo a autonomia do Estado, da nação. Esse movimento teve importância nos ideais burgueses para se conseguir apoio popular na luta contra o feudalismo. Surgiria então o conceito liberal de nação; a formação dos Estados-Nações e o desenvolvimento do capitalismo. Esse novo conceito determinava a nação vinculada ao território, já que o Estado agora tinha definições territoriais, almejando a soberania do povo. Mas em qual Estado Nacional o povo é soberano? Todo dia 7 de setembro, nós brasileiros comemoramos o dia da independência. Mas qual independência se ainda estamos subjugados, não só pelo imperialismo estadunidense, mas também, pelos nossos governantes e pela elite econômica do país? Isso nos faz perceber que a unidade que buscam os movimentos nacionalistas não existe e nunca existirá, pois dois fatores estão implicados nessa inviabilidade de união que são ignorados. As identidades étnicas e culturais e a luta de classes. Esses dois fatores são extremamente importantes para entendermos a sociedade complexa na qual vivemos e quais rumos tomar para que o povo alcance a sua soberania. O primeiro fator é muito claro no nosso país, pois possuímos uma diversidade cultural e étnica muito grande mas, a maioria desses grupos culturais são discriminados como é o caso do índio, dos negros, dos sertanejos, etc. O segundo fator, a estratificação da nossa sociedade em classes e, que engloba o primeiro, acompanha o ser humano desde o princípio de sua história e a sua existência é determinante para que a soberania dos povos esteja ameaçada.

Nós não nascemos com as identidades nacionais, elas “são formadas e transformadas no interior da representação”. Porém, tal sentimento de identidade nacional torna-se contraditório devido à esses fatores, pois, tal unidade inexiste. E jamais poderá existir enquanto não se tiver a consciência de que pessoas exploram o trabalho de uma maioria da mesma nação ou de povos de outras nacionalidades. Como pode existir soberania do povo se o Estado que serviria para garantir os seus direitos está nas mãos de uma elite? Garantir a autodeterminação estaria implicado em termos a independência sobre outras nações ou também sobre aqueles que lucram com o trabalho do povo? A estrutura do atual sistema não permite que se tenha essa soberania e os movimentos nacionalistas que dizem almejar tal liberdade, ou são incapazes de entender a realidade ou apenas existem para manter a alienação da sociedade. Os Estados Nacionais são como empresas que existem para competir no mercado mundial uns com os outros.

Os EUA se desenvolveram fortalecendo esse Estado e hoje controlam a economia mundial, mas para tal desenvolvimento foi preciso esmagar a economia de países que haviam acabado de sair da condição de colônias, como no caso dos países latinos, para garantir uma estrutura ao seu povo. O bem-estar de uma sociedade tem um custo elevado e até países como Suíça, Holanda, Suécia, entre outros, necessitam que suas empresas se expandam pelo mundo em busca de mão de obra barata para poderem continuar suportando o bem-estar de sua sociedade. Com a atual estrutura do nosso sistema, não seria diferente com o Brasil. O nazismo possuía um discurso nacionalista contra o liberalismo, mas ao fortalecer a sua economia, mantendo as elites econômicas do país, viu-se que o liberalismo que eles eram “contra”, agora era a política da Alemanha de fortalecimento do Estado Nacional, subjugando, assim, outros povos. Com o avanço do imperialismo estadunidense, esse nacionalismo se redescobre na Europa e na América Latina, mantendo o mesmo discurso, mas que nas vias concretas cometem os mesmos erros. Enquanto houver a supervalorização de uma nação sobre a outra, de uma classe sobre a outra, a soberania popular será utopia.

Marx já dizia: “uma nação deve e pode aprender das outras”, mesmo porque a cultura não é nacional, ela é pertencente a um povo e com o mundo cada vez mais globalizado é impossível não encontrar novas culturas, sendo assim, a cultura é mundial, é de todos, é do povo, é do homem e se não fosse o direito de conhecermos novos povos, novas culturas, o que seria da música brasileira se não pegássemos emprestado instrumentos criados por outros povos, o que seria do cinema brasileiro se não conhecêssemos o cinema estadunidense, o que seria da arte brasileira hoje sem a influência de correntes artísticas européias? Com certeza não seria uma arte nem pior e nem melhor, apenas seria uma arte diferente. Deveríamos nos preocupar mais com a maneira em que nossos governantes e a mídia tratam a cultura de outros povos e a nossa própria cultura. O que não pode acontecer é transformar a cultura em uma cultura de massa. O que não pode acontecer é um povo humilhar e eximar a cultura dos outros povos ou um Estado humilhar a cultura do próprio povo. A história de um povo está compreendida na sua cultura. Fica aqui para reflexão, o belíssimo texto de Ralph Linton:


"O cidadão norte-americano desperta num leito construído segundo padrão originário do Oriente Próximo, mas modificado na Europa Setentrional, antes de ser transmitido à América. Sai debaixo de cobertas feitas de algodão cuja planta se tornou doméstica na Índia; ou de linho ou de lã de carneiro, um e outro domesticados no Oriente Próximo; ou de seda, cujo emprego foi descoberto na China. Todos estes materiais foram fiados e tecidos por processos inventados no Oriente Próximo. Ao levantar da cama faz uso dos "mocassins" que foram inventados pelos índios das florestas do Leste dos Estados Unidos e entra no quarto de banho cujos aparelhos são uma mistura de invenções européias e norte-americanas, umas e outras recentes. Tira o pijama, que é vestuário inventado na Índia e lava-se com sabão que foi inventado pelos antigos gauleses, faz a barba que é um rito masoquístico que parece provir dos sumerianos ou do antigo Egito. Voltando ao quarto, o cidadão toma as roupas que estão sobre uma cadeira do tipo europeu meridional e veste-se. As peças do seu vestuário têm a forma das vestes de pele originais dos nômades das estepes asiáticas; seus sapatos são feitos de peles curtidas por um processo inventado no antigo Egito e cortadas segundo um padrão proveniente das civilizações clássicas do Mediterrâneo; a tira de pano de cores vivas que amarra ao pescoço é sobrevivência dos xales usados aos ombros pelos croatas do século XVII. Antes de ir tomar o seu breakfast, ele olha a rua através da vidraça feita de vidro inventado no Egito; e, se estiver chovendo, calça galochas de borracha descoberta pelos índios da América Central e toma um guarda-chuva inventado no sudoeste da Ásia. Seu chapéu é feito de feltro, material inventado nas estepes asiáticas. De caminho para o breakfast, pára para comprar um jornal, pagando-o com moedas, invenção da Líbia antiga. No restaurante, toda uma série de elementos tomados de empréstimo o espera. O prato é feito de uma espécie de cerâmica inventada na China. A faca é de aço, liga feita pela primeira vez na Índia do Sul; o garfo é inventado na Itália medieval; a colher vem de um original romano. Começa o seu breakfast com uma laranja vinda do Mediterrâneo Oriental, melão da Pérsia, ou talvez uma fatia de melancia africana. Toma café, planta abissínia, com nata e açúcar. A domesticação do gado bovino e a idéia de aproveitar o seu leite de gado são originárias do Oriente Próximo, ao passo que o açúcar foi feito pela primeira vez na Índia. Depois das frutas e do café, vêm waffles, os quais são bolinhos fabricados segundo uma técnica escandinava, empregando como matéria-prima o trigo, que se tornou planta doméstica na Ásia Menor. Rega-se com xarope de maple, inventado pelos índios das florestas do Leste dos Estados Unidos. Como prato adicional talvez coma o ovo de uma espécie de ave domesticada na Indochina ou delgadas fatias de carne de um animal domesticado na Ásia Oriental, salgada e defumada por um processo desenvolvido no Norte da Europa. Acabando de comer, nosso amigo se recosta para fumar, hábito implantado pelos índios americanos e que consome uma planta originária do Brasil; fuma cachimbo, que procede dos índios da Virgínia, ou cigarro, proveniente do México. Se for fumante valente, pode ser que fume mesmo um charuto, transmitido à América do Norte pelas Antilhas, por intermédio da Espanha. Enquanto fuma, lê notícias do dia, impressas em caracteres inventados pelos antigos semitas, em material inventado na China e por um processo inventado na Alemanha. Ao inteirar-se das narrativas dos problemas estrangeiros, se for bom cidadão conservador, agradecerá a uma divindade hebraica, numa língua indo-européia, o fato de ser CEM POR CENTO AMERICANO".²



NOTAS:
1 http://www.vermelho.org.br/diario/2003/1031/1031_halloween.asp
2 LINTON, Ralph. O Homem: Uma Introdução à Antropologia.

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